Foral de Abrantes do séc XII

Através do primeiro foral atribuído a Abrantes em 1179, por D. Afonso Henriques, é possível ter uma ideia de como era a vida nesta aldeia com o Tejo a seus pés. Manda esse documento que dois terços dos cavaleiros participem nas batalhas contra os mouros e que o terço restante permaneça no castelo, mas estes, pelo menos uma vez por ano, tinham de ir para a frente de combate. Quem fosse isento de ir para a batalha tinha de pagar cinco soldos, moeda da época.

O foral de há 838 anos estabelece as coimas a pagar em caso de crime, sendo curioso notar que a maior parte do dinheiro dessas multas ia para o fisco.

Por exemplo, em caso de homicídio, o criminoso tinha de pagar 100 soldos ao fisco. Se alguém arrombasse uma casa de armas teria de pagar 300 soldos, 70 por cento dos quais iam para o fisco.

No crime de violação e se o homem negasse a autoria do crime, a mulher tinha de arranjar três testemunhas para provar o crime e o homem era obrigado a convocar 12 homens para testemunharem a seu favor. Se o homem não provasse a sua inocência tinha de pagar 300 soldos à vítima, mas 70 por cento dessa verba ia para os cofres do fisco.

A mesma percentagem era aplicada em caso de falsos testemunhos e de burla nas medições e pesagens. A multa era de 60 soldos, com a agravante de o autor ter de restituir o dobro daquilo que roubou.

Igualdade de género era algo impensável no séc. XII. Segundo o foral de 1179, uma mulher que abandonasse o marido tinha de pagar 300 soldos (70 por cento para o fisco), mas na situação inversa, o homem só pagava um soldo.

Nessa altura já o conceito de propriedade estava bem enraizado. Prova disso é que quem mudasse ou partisse um marco tinha de pagar cinco soldos.

Mas nem sempre o pagamento era feito em dinheiro. “Quem montar cavalo de outrem por um só dia pague um carneiro, e se for por mais tempo pague seis dinheiros por cada dia e um soldo por cada noite”, lê-se nas leis da época.

Apesar da “carga fiscal”, os abrantinos usufruíam de algumas regalias. O gado de Abrantes não pagava “montado em terra alguma”, ou seja os proprietários de gado não tinham de pagar para que os animais pastassem nos campos.

Entre as dezenas de normas estabelecidas para Abrantes pelo rei D. Afonso Henriques, há algumas que hoje se poderiam considerar bizarras. “Se alguém vier à vossa vila e pela violência levar mantimentos ou outras coisas e aí for morto ou ferido, não se pague coisa alguma nem os seus parentes recebem homízio (indemnização)”. Mas a lei não se fica por aqui. “E se alguém, acerca de tal ocorrência, apresentar queixa ao rei ou ao senhor da terra, pague 100 morabitinos sendo metade para o concelho”.

Nos territórios conquistados, os mouros era considerados escravos. Por cada mouro que era vendido no mercado pagava-se um soldo, e por cada um que trabalhasse para alguém, o patrão tinha de pagar a “décima”.

E para terminar uma referência para as portagens que eram cobradas nessa época. Por tudo e por nada que fosse transportado por cavalos, burros ou pessoas, era cobrado um valor entre um a seis soldos.

Para este apontamento histórico consultámos o livro “Foral de Abrantes 1179” editado pela Câmara em 1992 com organização de Eduardo Campos e tradução de Francisco Monteiro Fernandes.

Ganhou o “bichinho” do jornalismo quando, no início dos anos 80, começou a trabalhar como compositor numa tipografia em Tomar. Caractere a caractere, manualmente ou na velha Linotype, alinhavava palavras que davam corpo a jornais e livros. Desde então e em vários projetos esteve sempre ligado ao jornalismo, paixão que lhe corre nas veias.

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