Detalhe da escultura de Mário Rodrigues. Foto: DR

São rostos de olhos fechados, simbolizando “a morte e a indiferença” perante o drama dos refugiados que morrem no Mediterrâneo, os que vão surgindo no mármore que Mário Rodrigues começou a esculpir há dois meses, em Santarém.

Os blocos de pedra estão colocados no pátio da antiga escola de primeiro ciclo do Salvador, edifício no centro histórico de Santarém que acolhe a Incubadora de Artes (IAS) criada pela Câmara Municipal e onde o artista plástico encontrou o espaço de que precisava para o projeto que foi nascendo à medida que crescia a indignação pelos que perdiam a vida por atravessarem o Mediterrâneo para fugir à guerra.

As imagens dos refugiados transmitidas pelos ‘media’ levaram-no a imaginar uma peça “que fosse uma alegoria, uma homenagem a essas pessoas”, e uma pedrada na sensação de que “assobiamos todos para o lado perante aquela tragédia”, disse o artista à agência Lusa.

Mário Rodrigues, artista plástico a tempo inteiro desde que se aposentou das funções técnicas que exercia no Ministério da Agricultura, ocupa dois espaços na Incubadora de Artes – o pátio, com a escultura, e uma sala onde, numa enorme tela (de seis metros por dois), vão surgindo os traços de mais uma pintura sem tema e sem título, como gosta de fazer para que cada um interprete livremente o que vê.

No caso da escultura, há intencionalidades claras: dos olhos fechados, pelo duplo significado da morte e dos que não querem ver, e do uso da pedra, porque tem peso, o que levou muitos barcos a afundarem e o “da consciência do mundo”.

A evolução da peça, que surge de “talhe direto”, apenas com uma maquete para se guiar, pode ser acompanhada de quinze em quinze dias, quando o escultor recebe quem queira ver a “escultura em construção”.

“Faço uma oval que será o rosto e vou retirando, porque a escultura é um bocado diferente da pintura ou da escultura em barro ou em gesso. Nesses, a gente acrescenta coisas. Aqui não, é retirar. Isto já está lá tudo dentro. Estes rostos já lá estão e estão outros milhões. Eu escolhi estes. Portanto, é retirar o que está a mais”, afirmou numa pausa de mais uma sessão de trabalho.

Natural do Sardoal, Mário Rodrigues veio muito novo para casa de uns tios nesta cidade, juntamente com alguns dos seus irmãos, para poder continuar a estudar, tendo-se formado na então Escola de Regentes Agrícolas, atual Escola Superior Agrária.

“Desde criança que sempre tive uma inclinação muito grande para a arte”, disse à Lusa, contando como fabricava ele próprio os seus brinquedos e mesmo as canetas com que escrevia, talento que o levou a procurar formação na Sociedade Nacional de Belas Artes (cursos de pintura, estética e história de arte) e o acompanhou ao longo da vida, levando-o a expor os seus trabalhos (pintura, gravura, escultura, desenho e cerâmica) um pouco por todo o país.

A escultura, que espera concluir nos quatro meses que lhe restam de residência na IAS, não tem destino traçado, ao contrário de duas das telas que, contrariando a sua norma, têm tema e resultam de um convite para participar na exposição coletiva que vai integrar a iniciativa “Arte & Vinho” que o Centro Cultural Regional de Santarém e a Escola Superior Agrária promovem de 08 de outubro a 13 de novembro.

“Não sei para onde a peça vai. Se calhar, para minha casa. Não estou preocupado com o que vai ser feito. Não foi uma encomenda. Fui eu que me lembrei de fazer. Depois logo se vê. Será outra etapa do percurso”, rematou.

Agência Lusa

Agência de Notícias de Portugal

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *