Uma crónica semanal é uma responsabilidade acrescida. Escrever é um ato de partilha, é uma forma de quem escreve se dar a conhecer melhor, desde que se sinta confortável com esse ato de se ir despindo à medida que vai penteando a escrita e construindo reflexões mais ou menos válidas.

Há uns anos atrás, quando eu andava mais intrincado nas lutas políticas e era um militante empenhado, chegando ao ponto de colocar a política e o partido onde milito desde há 30 anos à frente da família e dos amigos, acostumei-me a ouvir dizer sobre mim que era demasiado jovem – e era – e que era convencido, arrogante, distante.

Talvez fosse. Tanto me habituei a ouvir estas críticas e informações que acabei por concluir que era mesmo verdade.

No campo profissional a apreciação era similar – era um arrogante e convencido, com a mania de que sabia mais do que os outros.

Com o tempo fui digerindo esta confrontação com a realidade. As avaliações 360, a que entretanto me habituei, junto com algumas formações que fui fazendo sobre liderança, condução de equipas, motivação, geração de comportamentos, na área da psicologia organizacional, conduziram a um processo de melhor conhecimento sobre mim.

O que era o impacto inicial da minha personalidade era, afinal, muito mais uma estratégia de defesa do que um tique comportamental ou uma marca de personalidade.

Quem me conheceu e conhece desde há muito, no relacionamento informal, foi também sendo de primacial ajuda. Fui recolhendo testemunhos de que a minha forma de ser, informal, descontraída e empática, no dia a dia, contrastavam com a minha imagem austera, fria, severa, até mesmo arrogante, provocadas pelos primeiros impactos.

A idade e a maturidade, que com aquela acaba por surgir, também ajudaram. Aos poucos fui aprendendo a ter relacionamentos pessoais com amigos, clientes, fornecedores, conhecidos, colegas e todas as pessoas com quem fui interagindo muito mais brandos, muito mais cordatos, muito mais próximos ou, no dizer de quem me acusava de arrogante, muito mais humildes.

Algumas pessoas contam-me que a pessoa que sou hoje deveria ter sido a pessoa que foi a votos nas eleições autárquicas em 2001 e em 2005. Não sei, nunca saberei, nem quero voltar a passar por esse processo. Sei que aprendi a exprimir-me mais e melhor de forma afetiva, emocional, respeitadora, ainda que com fortes convicções e valores, com opinião sobre muita coisa e sem pruridos para admitir que muita coisa não sei e muita coisa sem mal ou sei pouco. A verdade é que precisei de sair das sedes do partido e dos corredores da política para ir modificando a forma como interajo com o mundo e com os outros.

Necessitei de me afastar do palco político para me sentir mais pessoa, necessitei de descomplexar discursos e mensagens, precisei de ver a floresta de longe sem ter de estar pendurado numa qualquer árvore.

Por isso escrever é um ato de partilha, um momento de abertura da personalidade, um espaço de comunhão de valores, uma oportunidade para assumir, primeiro perante mim, depois perante os outros, as minhas áreas de desenvolvimento e de melhoria como pessoa, como profissional, como ser humano.

A política é uma arte nobre. Os políticos nem sempre são nobres nos atos, nas atitudes, nas intenções e propósitos e nas mensagens – mas a política pode e deve sê-lo.

Ver a coisa a partir de fora permite um olhar mais descomplexado, menos comprometido, porventura até mais isento e mais normalizado, mais dentro do senso comum e mais alinhado com a vida das pessoas que não dependem da política, dos seus truques e das suas benesses para poderem existir – a maioria de nós, eternos sacrificados do ziguezaguear das políticas.

O texto de hoje é, por isso, um momento distinto daqueles que tenho efetuado neste espaço até aqui. É um registo mais intimista, um momento de partilha mais autêntico e sereno, reconciliador, pacificador, tranquilizante até.

Gostaria que, de quando em vez, os políticos que nos representam pudessem despendurar-se das suas árvores e assumir um papel e visão mais distantes da floresta e de tudo o que nela existe e a recheia com vida, com vidas difíceis e vidas mais fáceis, com vidas impossíveis e as vidas do possível, com vidas improváveis e as vidas de sobrevivência.

Respeito muito todos aqueles que fazem política com verdadeiro espírito de missão. Que servem mais do que algum dia serão servidos, que entregam mais do que algum dia receberão.

E respeito cada vez mais. Porque os exemplos de aproveitamento, de conveniências, de truques, de subserviências, de mordaças, de alienação da liberdade são, infelizmente, cada vez mais. E o mundo tem tanta coisa mais importante com que se preocupar do que com os caprichos de quem pouco tem de si para mostrar, para partilhar, para nos deixar em legado por bons exemplos, bons valores e boas atitudes.

Hoje apeteceu-me apenas isto. E fugir aos grande temas da atualidade.

Pedro Marques

Pedro Marques, 47 anos, é gestor, gosta de ler, de exercício físico e de viajar

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