Iron Train (comboio de ferro, em português), é um dos mais longos comboios do mundo, com cerca de dois quilómetros e meio de extensão. Numa viagem de 652 quilómetros pelo meio do deserto do Saara, encontra-se de tudo – pessoas, animais vivos, mercadorias, vagões com minérios de ferro – numa travessia severa cuja duração pode chegar às 24 horas. É esta a “Viagem” que, pelo olhar do fotógrafo português Daniel Rodrigues, vencedor de um World Press Photo, vai estar em exposição no Museu Nacional Ferroviário de 20 de junho a 15 de agosto, com entrada gratuita.
“É um comboio que sai da costa do deserto do Saara e que vai para uma mina de ferro, enche os vagões com mineral de ferro e depois regressa outra vez à costa para deixar esse mineral de ferro nos cargueiros”, conta o fotógrafo internacionalmente premiado Daniel Rodrigues ao mediotejo.net.
O Iron Train (comboio de ferro) percorre 652 quilómetros entre Nouadhibouh e Zouerate, na Mauritânia (África), atravessando o deserto numa viagem que pode durar entre 16 e 24 horas de caminho. “Na ida, com os vagões vazios, uma viagem demorava cerca de 18 a 20 horas, com os vagões cheios, no regresso, demorava 20 a 24 horas”, elucida-nos Daniel Rodrigues.
Freelancer na área da fotografia desde 2012, é também colaborador do The New York Times desde 2015, não escondendo a “honra e orgulho enorme” em pertencer a um dos jornais com maior reconhecimento a nível internacional. Antes, o português com ligações à zona do Porto tinha já passado por meios como o Correio da Manhã, Global Images, e colaborado com um vasto leque de órgãos de comunicação nacionais e internacionais como The Wall Street Journal, The Washington Post, Al Jazeera, Helsingin Sanomat, Die Welt, Daily Mail, CNN, BBC, Folha de São Paulo, Courrier Internacional, Expresso e Visão.
Hoje, confessa que ver os seus trabalhos expostos fisicamente é algo “incrível”. “Uma pessoa vê as fotografias digitalmente centenas de vezes e não tem nada a ver quando vê impressa, algumas em tamanhos grandes, e ver exposto numa sala bonita como é a sala do museu [Museu Nacional Ferroviário], é um orgulho enorme”, assume.
Mas foi em 2013, quando venceu um World Press Photo – o ‘óscar’ da fotografia a nível mundial – que a carreira de Daniel ganhou o impulso de que necessitava para arregaçar as mangas e inverter a intenção de deixar para trás a área da fotografia como principal ocupação.

“Na altura, estava desempregado, tinha vendido o material e o World Press Photo deu-me vida outra vez no fotojornalismo e, principalmente, no fotojornalismo internacional. Acabei por renascer graças ao World Press Photo”, admite.
ÁUDIO | Daniel Rodrigues sobre o impacto de ter vencido um World Press Photo
Desde então, já somou mais de duas dezenas de prémios e mais de uma dezena de menções honrosas a nível internacional, dos quais se destacam a nomeação de terceiro melhor fotógrafo do ano pela Picture of Year Internacional (POYi), a distinção como fotógrafo Ibero-americano do ano em POY LATAM ou um terceiro lugar como fotógrafo do ano pela National Newspaper Publishers Association (NNPA).
Numa busca constante por aquilo que o move a nível pessoal, “a procura de aventura”, Daniel Rodrigues descobriu o Iron Train durante uma viagem de carro para a Guiné-Bissau em 2012 (onde viria a tirar a fotografia que lhe valeu o prémio World Press Photo em 2013, na categoria Daily Life Single).

“Em fevereiro de 2012, quando fui para a Guiné Bissau de carro, foi a primeira vez que passei na Mauritânia e vi aquele comboio e disse ‘um dia hei-de fazer aquele comboio’. Voltei três vezes à Mauritânia e sempre que voltava dizia o mesmo. Até que em 2016 disse ‘é agora’. Marquei o voo e fui fazer a reportagem”, lembra, em declarações ao nosso jornal.
ÁUDIO | Daniel Rodrigues sobre papel da fotografia em contar histórias
Foram 13 dias de viagem, para trás e para a frente, num dos comboios “mais perigosos do mundo”, afirma. Lá, viu de tudo um pouco. “Desde burros a serem carregados, desde 50 ovelhas a serem descarregadas, pessoal a fazer chá ou a comer, famílias. Algo que uma pessoa não está minimamente à espera de ver, acaba por ver lá. E muita sujidade, fiquei completamente preto”, recorda.

“Como a Mauritânia é um dos países mais pobres do mundo (…) os residentes acabam por utilizar o comboio ilegalmente quer para viajar, para visitar os familiares, quer para transportar todos os mantimentos que é preciso na aldeia, desde animais, comida, coisas para obras. Acabam por utilizar o comboio muito para transporte e embora a empresa saiba que isso existe, acaba por ser ilegal”, elucida Daniel Rodrigues.
A par da poeira produzida pelos vagões cheios de minérios de ferro que saem de uma mina de Zouarate, posteriormente descarregados em cargueiros no porto de Nouadhibouh, as temperaturas – altas durante o dia e baixas durante a noite – foram para o fotógrafo uma das memórias que o marcaram.
“Embora eu tenha ido preparado, nessa viagem específica esqueci-me do fator vento, que é quando comboio estava em andamento. Lembro-me que quando cheguei à primeira paragem no deserto e a primeira coisa que comprei foi um cobertor. (…) E recordo-me de na primeira noite estar a dançar no vagão para aquecer as pernas, estava completamente gelado”, lembra.
E as pessoas? A comunicação era essencialmente por gestos. Daniel Rodrigues admite que ali ninguém se importava de ser fotografado. A questão era apenas uma: “O que é que você está aqui a fazer?”
O resultado desta experiência por um dos comboios mais longos do mundo pode ser apreciado a partir de 20 de junho no Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento, numa exposição inserida no âmbito do programa cultural em rede RAIL FEST.
Numa narrativa fotográfica que vai estar em exibição até 15 de agosto, as visitas são de entrada livre (para maiores de 8 anos), de terça a domingo, entre as 10h00 e as 18h00. Haverá ainda visitas à exposição em Língua Gestual Portuguesa nos dias 27 de junho, 4, 1 e 18 de julho, pelas 11h30 (inscrição prévia pelo email cultura@cm-entroncamento.pt ou através do telefone 249 720 400 – tecla 6).
