Os vapores do steampunk envolveram a cidade ferroviária durante o passado fim-de-semana. O ponto de origem foi o Museu Nacional Ferroviário que recebeu os visitantes do Festival Vapor – A Steampunk Circus entre os dias 28 e 30, o primeiro do género em Portugal. Houve quem viajasse pela essência do steampunk nos três dias e quem, como nós, seguisse numa das três “carruagens” do programa. Escolhemos a mais longa, o sábado, que partilhamos para que conheça melhor esta aventura retrofuturista vivida por cerca de quatro mil pessoas.
Quem optou pela viagem mais curta, a de sexta-feira, esteve presente nos primeiros minutos em que as rendas, as cartolas e os adereços metálicos passaram a fazer parte das fardas dos colaboradores do Museu Nacional Ferroviário. O acervo museológico, por sua vez, passou a integrar outras novidades temporárias como as bancas de crafs, as mesas preparadas para duelos de chá, jogos de tabuleiro, uma feira do livro, food trucks, um espaço para tirar fotografias vestidos a rigor e um carrossel vitoriano.
O modelismo ferroviário, o minicomboio inspirado no Comboio Presidencial ou os quadriciclos mantiveram a presença – pontual em exposições e eventos, no primeiro caso, e regular, no segundo -, ganhando novos admiradores dos 8 aos 80 anos. Os mesmos que no dia de estreia foram surpreendidos pela singularidade do espetáculo de teatro alternativo “Absurdium” da companhia Custom Circus e decidiram regressar no sábado.

Além das novidades temporárias já referidas, o segundo dia de viagem teve o percurso mais longo e as paragens fizeram-se em palestras sobre o conceito steampunk – a primeira adiada para domingo-, assim como nas estreias das caças ao tesouro, das sessões de cinema na carruagem auditório e da exposição de veículos clássicos, que dividiram o protagonismo com o famoso Comboio Real no resto do fim-de-semana.
Nesta carruagem esteve-se à conversa com Katy O’Down sobre a “Antologia Steampunk”, assistiu-se a um desfile de cosplay e ouviu-se a música dos Dead Combo. O concerto da banda, no qual se ouviram temas antigos e do novo álbum “Odeon Hotel” entre as composições expostas nas antigas oficinas, foi um dos pontos altos da primeira edição do Festival Vapor com muita gente, famílias incluídas, a não se importar de “viajar” em pé ao longo de mais de hora e meia.
A “chegada” deu-se já depois da meia-noite, os passageiros deixaram a plataforma e o “comboio steampunk” ficou na linha preparado para receber a terceira e última carruagem que transportou as propostas dos três dias do programa e as específicas de domingo. Estando o steampunk ligado à Época Vitoriana, não falamos em primeira ou segunda classe, apenas em classe e com ela viajou-se na companhia do hip-hop do Professor Elemental, oficinas de escrita criativa e workshops.
Ao longo de três dias, cerca de quatro mil pessoas viveram o ambiente deste subgénero de ficção científica que inspirou o festival projetado para dois anos, no âmbito da candidatura da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo ao programa “Produtos Turísticos Integrados de Base Intermunicipal”. A organização foi assumida pelo Museu Nacional Ferroviário e a Câmara Municipal do Entroncamento, juntando-se o Turismo Centro Portugal enquanto entidade promotora.
O museu foi mais do que mero cenário e recebeu muitos visitantes pela primeira vez, surpreendidos pelo espaço, que é muito mais do que a conhecida Rotunda das Locomotivas a vapor, e pela experiência steampunk, ajudada a criar pela Liga Steampunk Lisboa, à qual pertencem Ingrid Sousa, Afonso Judicibus e Pedro Guerra. Conversámos entre momentos em que as infusões de ervas ganhavam o sabor amargo com os insultos Vitorianos escolhidos pelos participantes no livro que recebem no início dos duelos de chá.

Se no Entroncamento se foi steampunker por três dias, estes elementos da Liga são-no no resto do calendário. Uma experiência que Ingrid diz ser “diferente todos os dias”, tendo começado “muito em tons de sépia, mas depois aprendemos a sair dessa caixinha e tornámo-nos mais coloridos e quebra a rotina. É maravilhoso”. A participação no Festival Vapor surgiu do convite da organização e Afonso explica que “trouxemos a nossa banca e tentámos trazer o máximo de atividades que nos mostram e diversificam enquanto grupo e Liga”.
Pedro salienta que se trata do primeiro ano do festival e que este convite foi “humildemente” aceite “como um grupo que gosta de criar atividades fora do comum ligadas a esta temática da ficção científica, tentando envolver público de todas as idades”. A ele e aos restantes elementos com quem falámos perguntámos se o setampunk se trata de um passado que se inspira no futuro ou um futuro que se inspira no passado.

Todos concordaram que se trata de “ambos” e Afonso esclarece que “steampunk não é só uma coisa, não é só o passado diferente, mas também pode ser um futuro diferente, tal como pode ser um presente num universo diferente”. Ingrid acrescenta que “é um presente reinventado, ou seja, mudámos um pouco o passado e estamos a viver agora um presente com elementos retofuturistas” e Pedro remata com referência à “ficção científica vitoriana”, resultante da junção do “steam” (vapor) e do “punk” (movimento).
As últimas dúvidas sobre o conceito que inspirou o primeiro festival deste género no país desaparecem quando Pedro explica que “não estamos a falar de algo que aconteceu, mas sim, a tentar reinventar uma realidade”, destacando que o “apogeu da natureza humana seria as rodas dentadas, as máquinas a vapor e que cresceu por aí” e que “toda a literatura fantástica de onde nasceu o steampunk vai buscar muito a esses moldes de uma aventura contra o sistema”.
Aventura que diz estar situada “nessa analogia de realidades que não aconteceram, mas que podiam ter acontecido se tivessem ido por outro caminho” e acabaram por estar presentes no Museu Nacional Ferroviário no último fim-de-semana. Nós vivemos parte dessa aventura, no sábado, e partilhamos agora algumas imagens para que também sinta a essência do steampunk no Festival Vapor.