Vereador do Chega justificou voto favorável ao orçamento do município do Entroncamento. Foto: mediotejo.net

Após uma proposta apresentada pelo vereador do Chega na Câmara Municipal do Entroncamento para que se alterasse o procedimento relativo à contratação pública dos recursos humanos, de modo a que fosse feito por uma entidade externa (e na qual referiu dois casos de contratações de filhos de ex-autarcas sociais-democratas), o PSD apresentou em reunião do executivo uma proposta de auditoria a todos os procedimentos de contratação de recursos humanos dos últimos 20 anos, com o objetivo de comprovar a conformidade ou não de todas as fases dos processos. Uma proposta que, depois de muito debate, acabou por ser chumbada com os votos contra do PS e do Chega.

Tudo começou com a entrega da proposta por parte do vereador do Chega ao presidente da autarquia com o propósito de ser discutida na sessão camarária de 21 de dezembro, o que não veio a acontecer porque, segundo o presidente da Câmara, Jorge Faria (PS), após ter solicitado ao chefe dos recursos humanos uma avaliação da mesma, veio a concluir-se que “pelo facto de o município do Entroncamento dar cumprimento criterioso da legislação em vigor para a contratação de recursos humanos (…) para haver uma proposta diferente tinha que haver alteração da lei e isso não é nossa competência, é competência em sede de Assembleia da República”.

Mesmo assim, após esta resposta que o presidente da autarquia fez chegar ao vereador do Chega, Luis Forinho trouxe para conhecimento a sua proposta e a explicação que lhe foi dada à sessão camarária de 4 de janeiro de 2022. Na ocasião, o vereador citou dois atuais funcionários da Câmara que foram recrutados durante o período de governação do PSD e que tinham laços familiares com o então presidente da autarquia, Jaime Ramos, bem como com o vice-presidente.

“Quero que fique registado que acho que essas pessoas foram contratadas pelo seu mérito. (…) De qualquer forma, fica sempre a suspeição”, disse na altura Luis Forinho.

ÁUDIO | Intervenção do vereador Luis Forinho (CH) em reunião de Câmara, a 4 de janeiro de 2022:

Perante tal situação, o PSD tentou apresentar uma proposta relativa à realização de uma auditoria interna na sessão de 18 de janeiro de 2022, tendo a mesma não sido enviada em tempo útil para ser integrada na Ordem de Trabalhos, o que veio a acontecer na última sessão do executivo, a 15 de fevereiro.

Em causa estão as observações proferidas pelo vereador do Chega sobre a forma como se efetuaram os procedimentos concursais para recrutamento de recursos humanos na Câmara Municipal do Entroncamento, pelo que o PSD propôs que se auditasse os processos relativos aos dois funcionários mencionados (a filha do ex-presidente da Câmara e o filho de um ex-vereador social-democrata) no sentido de “ajudar a esclarecer o teor das observações proferidas”.

A concretizar-se, a auditoria incidiria não só sobre estes dois casos como também sobre todos os processos de recrutamento compreendidos entre os anos de 2001 a 2013, período que abrangeria três mandatos do PSD e os dois recentes últimos mandatos do PS. O objetivo era o de “auditar as conformidades e não conformidades de todos os processos de recrutamento na totalidade das suas fases”.

“A proposta surge na sequência de uma outra proposta da vereação do Chega a esta Câmara para se fazer alteração dos procedimentos concursais, nomeadamente a entrega a uma entidade externa especializada neste tipo de procedimentos – em relação a esta situação não temos qualquer tipo de problema, apesar de acharmos que aquilo que existe atualmente em termos de regulamento deve ser realizado. As nossas observações vêm na sequência de um conjunto de algumas insinuações que essa proposta do Chega continha, nomeadamente, de levantar um conjunto de eventuais suspeitas relativamente ao modo de realização desses concursos na CME [Câmara Municipal do Entroncamento]. Quando se fala em falta de transparência, quando se fala em compadrio… são palavras fortes”, começou por dizer na sessão de 15 de fevereiro o vereador Rui Madeira (PSD).

Vereador Rui Madeira (PSD) argumentou a proposta apresentada pelo seu partido em reunião de Câmara, 15 de fevereiro de 2022. Imagem: Youtube CME

“Achamos que deveríamos analisar e esclarecer estes aspetos e aquilo que foi dito porque não podemos estar constantemente a denegrir as instituições públicas e os funcionários públicos. Nós sabemos que há um desgaste (…) se calhar por um conjunto de exemplos, que não se pode generalizar a todas as pessoas envolvidas nestas entidades e nestes partidos, e achamos que houve um aproveitamento desta situação para generalizar à CME e aos concursos que foram realizados”, acrescentou, sublinhando que a proposta apresentada pelos sociais-democratas “serve precisamente para tentar perceber o que se passou”.

ÁUDIO | Vereador Rui Madeira (PSD) explica intenção da proposta de auditoria

Em resposta, Luis Forinho (Chega) referiu que a sua proposta para que o procedimento no processo de contratação pública dos recursos humanos seja feita por uma entidade externa se traduz naquilo que acha ser “justo” e que tal “não significa que dentro da Câmara Municipal do Entroncamento não tenhamos pessoas capacitadas”.

“Quando digo que em Portugal a corrupção corre generalizada, não estou a chamar corrupto a nenhum dos senhores. Estou apenas a dizer que gostaria que todas as pessoas que ingressassem na Câmara Municipal tivessem de passar por concurso público exterior à Câmara. Não apontei o dedo a ninguém”, disse.

ÁUDIO | Vereador Luis Forinho (CH) em resposta a vereador Rui Madeira (PSD)

“Se esta fosse uma proposta de âmbito nacional, garantidamente que nós estaríamos mais tranquilos, porque todos nós conhecemos casos amplamente reportados de pessoas que participaram em concursos públicos e por compadrio passaram à frente. Nunca tive e não tenho até agora motivo nenhum de suspeição sobre qualquer pessoa que seja dos recursos humanos desta Câmara. No entanto, se os senhores vereadores do PSD tiverem alguma suspeição sobre algum ato menos lícito de algum elemento nos últimos 20 anos, estou disposto a dizer ‘sim’ à proposta. Se isso não é o caso e se esta proposta serve somente para me explicar, o meu voto será ‘não’ porque não acho sentido nenhum gastar-se tempo e dinheiro desta instituição em fazer-se uma auditoria”, expôs ainda.

Luis Forinho, vereador do Chega na Câmara do Entroncamento, 15 de fevereiro de 2022. Imagem: Youtube CME

Entre esta troca de considerações entre PSD e Chega, o presidente da autarquia, Jorge Faria, solicitou a leitura da ata da reunião de 4 de janeiro, admitindo que houve, de facto, “referência a duas pessoas nossas funcionárias”.

O edil expressou a sua “total confiança” nos recursos humanos e respetivos procedimentos desenvolvidos na Câmara “e não apenas durante o espaço de tempo em que sou presidente”.

“Estarei sempre disponível, e é uma boa prática que haja auditorias por amostragem a determinados processos, mas com base neste conjunto de formas de tentar dizer que ‘A’ disse e ‘B’ disse não me parece uma forma adequada”, defendeu ainda, propondo que, ao invés da auditoria a todos os processos de recrutamento dos últimos 20 anos, se fizesse aos dois casos mencionados e mais três, por amostragem.

Uma sugestão que acabou por não ser aceite pelo PSD, que manteve a sua proposta inicial de auditar os cinco últimos mandatos. “O que esta auditoria quer é limpar o bom nome dos funcionários do Município e da CME. Não queremos insinuações. (…) Levanta-se a suspeita e a seguir-se foge-se. Essas afirmações são brincar à política por quem pelos vistos não tem muita arte de a fazer”, disse o vereador Rui Gonçalves (PSD) no final do debate, admitindo ainda não ter dúvidas de que “a auditoria não vai dar em nada, não vai ser apanhado nenhum ilícito”.

A proposta de auditoria acabou por ser recusada em sede de Câmara Municipal, com os votos contra dos eleitos do PS e do Chega.

Ana Rita Cristóvão

Abrantina com uma costela maçaense, rumou a Lisboa para se formar em Jornalismo. Foi aí que descobriu a rádio e a magia de contar histórias ao ouvido. Acredita que com mais compreensão, abraços e chocolate o mundo seria um lugar mais feliz.

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