O escritor Fernando Dacosta foi o convidado especial do aniversário da Biblioteca Municipal do Entroncamento e marcou presença na sessão das “Conversas com Café”, que teve lugar neste equipamento cultural inaugurado a 29 de maio de 1965, na quarta-feira, dia 30. O escritor, dramaturgo e jornalista falou sobre temas da atualidade na apresentação da sua obra “Viagens Pagãs” durante a tertúlia que terminou com bolo de aniversário.
A Biblioteca Municipal do Entroncamento completou 53 anos de existência no passado dia 29 de maio e a data foi assinalada com uma sessão especial das “Conversas com Café” em que Fernando Dacosta marcou presença para apresentar a sua obra literária “Viagens Pagãs”. O escritor, dramaturgo e jornalista esteve acompanhado pelo representante da editora Parsifal, Marcelo Teixeira, e conversou com o público presente sobre as suas vivências e temas da atualidade ao longo de duas horas.
O mote para a conversa foi o livro lançado em 2015 no qual são partilhadas sete viagens que lhe marcaram a vida, começando pelas da infância no Douro. Os meios de transporte e os locais variam de capítulo para capítulo. Fernando Dacosta junta História e ficção, presente e futuro, desde “Um comboio no Douro” a “Uma moto em África” passando por “Uma avioneta no Corvo”, “Um Carocha no Brasil”, “Um veleiro no Atlântico”, “Um jipe na mina” e “Um autocarro em Marrocos”.

Os companheiros de viagem também mudam em cada cenário e os mapas têm como ponto de partida frases selecionadas. Miguel Torga surge no primeiro capítulo depois de ter escrito “O Alto Douro é a região mais pagã da nossa geografia”, Raul Brandão no segundo ao considerar que “Esta é uma ilha de paganismos irrecusáveis”, Agustina Bessa-Luís no terceiro afirmando “Aqui o religioso explode em paganismos de samba” e Agostinho da Silva no quarto ao referir que “Os oceanos tornaram-se reinos de divindades pagãs”.
No quinto é Fernando Namora quem inspira o escritor a partir de “Os mineiros ganham, com os seus gestos altivos, dimensões entre pagãos”, no sexto surgem as palavras de Natália Correia para quem “As crenças dos marroquinos não lhes arrefeceram os paganismos” e no último Alda Lara acompanha Fernando Dacosta depois de considerar que “África é o berço de todos os paganismos”.
Sete crónicas de viagem num estilo de escrita (re)conhecido pelos leitores nas mais de trinta obras literárias que compõem o currículo do autor agraciado com a Ordem do Infante D. Henrique, no qual figuram prémios nas áreas da investigação jornalística, literatura e dramaturgia. Um reconhecimento que surge, igualmente, na capa de “Viagens Pagãs” expresso pelas palavras de Jorge Amado “São encantatórias a escrita e as vivências de Fernando Dacosta”.

Na tertúlia que teve lugar nas instalações mais recentes da biblioteca municipal – inauguradas a 24 de novembro de 1986, depois dos livros terem passado 21 anos na Rua 5 de Outubro, e reabilitadas em 2007/08 – não se falou apenas de viagens. Falou-se também da cultura, com o escritor a criticar a forma como esta é, atualmente, encarada não para fazer pensar, mas para adormecer e a defender que algumas palavras, como “saudade”, “valem por mil imagens”.
A literatura portuguesa também foi abordada nestas “Conversas com Café”, tendo Fernando Dacosta destacado a forma como esta foi “feita pelo oceano, pela viagem e pelas navegações” e tem como pilares a poesia e a crónica. As primeiras referências apresentadas remontaram à época dos Descobrimentos e a evolução deu-se até à atualidade, sem esquecer Fernando Pessoa, Agostinho da Silva e Natália Correia, apontados como “grandes pensadores do século XX”.
Outro tema em destaque foi a importância do convívio para o desenvolvimento da sociedade, a todos os níveis, alimentado nas tertúlias que correm o risco de desaparecer. Entre os exemplos encontram-se as memórias do “Botequim”, fundado por Natália Correia no Largo da Graça com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta, em 1971. Espaço frequentado por artistas, presidentes e “assassinos”, onde “se fizeram revoluções” e em cujas mesas terá sido redigido o “Documento dos Nove”, publicado em 1975 com propostas alternativas ao modelo social da altura.

A timidez inicial do público deu lugar a algumas intervenções com foco na crise da cultura a nível global, nas dificuldades sentidas pelas pequenas editoras e na escassez de momentos de convívio. Em resposta, o autor lembrou o alerta de Natália Correia de que os primeiros anos do século XXI seriam “terríveis” e referiu que a sua geração “está perdida”, a dos filhos “é péssima” e as seguintes (integradas numa sociedade “bem vestida”, mas “oca”) “podem dar o salto”.
Mais tarde, entre alguns autógrafos e o soprar das velas do bolo de aniversário da Biblioteca Municipal do Entroncamento por Manuela Poitout e a vereadora da Cultura Tília Nunes, Fernando Dacosta afirmou ao mediotejo.net que o papel da cultura, do jornalismo e da informação deve ser “um pouco de contra-poder”, devendo os que se dedicam à comunicação e à criatividade estar “do lado das pessoas e não dos poderes (…) sejam eles quais forem”.
O autor destacou ainda que “a literatura portuguesa, ao longo dos séculos” manteve esta postura e que a comunicação social se encontra, atualmente, em crise pois “foi capturada pelos poderes”. Nas suas palavras, “a censura não desapareceu no 25 de Abril, foi privatizada” e passou a ser “exercida, não pelo corte de coisas, mas por via administrativa e económica”, resultando numa liberdade de expressão “muito aparente”.