Este fim de semana repetem-se as eleições legislativas nas 139 mesas de voto do círculo da Europa, que só têm lugar porque o Tribunal Constitucional decidiu a favor de um recurso do Volt. Como comenta todo este processo?
Sim, o Volt apresentou um recurso ao Tribunal Constitucional, que deu razão ao Volt, mas não atendeu o nosso pedido e determinou a repetição das eleições no circulo da Europa. Aquilo que o Volt pediu era que se contassem todos os votos, independentemente de terem ou não fotocópia do Cartão de Cidadão associado. Outros partidos também apresentaram recurso, mas o Tribunal Constitucional pegou no nosso. Este processo poderia ter sido evitado se não tivesse havido um pré-acordo entre os partidos, contra aquilo que está regulamentado, para contabilizar ou deixar de contabilizar os votos que tinham ou não a fotocópia do Cartão de Cidadão. O que está escrito deve ser cumprido, não deve haver acordos entre partidos para fazer uma lei diferente daquela que existe. Esse foi o primeiro grande erro dos partidos. Mas todo o processo foi errado, aconteceu o mesmo no círculo Fora da Europa e não houve qualquer repetição porque não houve queixa. Temo que haja agora uma muito maior abstenção do que houve nas eleições de janeiro. É mau para a democracia. Espero que se tenha aprendido com os erros, que nas próximas eleições haja regras claras e que todos saibamos quais são, que sejam cumpridas e que o processo seja muito mais transparente.
O partido avançou pela defesa do direito ao voto?
Sim. Avançámos com o recurso pelos direitos dos portugueses que vivem na Europa, dado terem sido eliminados milhares de votos. Na nossa perspetiva, sem qualquer razão.

Nas eleições legislativas de janeiro, o Volt somou 5.462 votos, mais 1.428 nos círculos no estrangeiro, sendo 1.109 na Europa, o segundo melhor resultado em todos os círculos, depois de Lisboa. Tem expectativa de ver agora o número de votos aumentar?
Sim. Até porque o Volt foi um dos partidos, senão o mais sonoro, a defender os direitos dos portugueses no círculo da Europa, espero que seja reconhecido também pela comunidade de portugueses que vivem Fora da Europa e tenhamos uma votação expressiva, um resultado positivo nesta repetição de eleições. Estando o Volt presente em 30 países, nos 27 da União Europeia mais três; Reino Unido, Noruega e Suíça, é interessante perceber que no circulo da Europa, onde tivemos uma votação mais expressiva, foi precisamente nos países onde o Volt é mais forte em termos percentuais. Tivemos melhores resultados na Holanda e na Alemanha.
Esta decisão do Tribunal Constitucional é a prova de que um pequeno partido pode fazer a diferença?
É a prova que o Volt deveria ter sido eleito… e nunca se sabe se na repetição das eleições Duarte Costa não será eleito pela Europa. É a prova de que há partidos que as pessoas ainda não conhecem bem, que são diferentes, e que podem fazer toda a diferença no Parlamento. Temos exemplos no passado, pequenos partidos que entraram, que conseguiram contribuir com temas que não eram falados, como o caso do PAN, que introduziu temas que não iam ao Parlamento ou à Assembleia da República. Independentemente de se concordar ou não com as propostas, trazem propostas novas e formas diferentes de ver a sociedade, que é composta por diversas visões, e o Parlamento deve refletir isso. Acho positiva a existência de mais partidos pequenos na Assembleia da República para trazer essas visões, torna o Parlamento mais diverso e mais democrático.
Tiago de Matos Gomes é o presidente do Volt desde 2020, o primeiro partido em Portugal pan-europeu. O que é isso de ser pan-europeu ou transeuropeu?
Fundei o Volt em Portugal em dezembro de 2017, mas como movimento. Depois iniciámos o processo para a criação do partido, aprovado a 25 de junho de 2020 pelo Tribunal Constitucional. Fizemos o nosso primeiro congresso, em que elegemos os órgãos internos, e desde setembro de 2020 sou oficialmente presidente do partido. Pan-europeu significa que estamos presentes em toda a Europa sendo o mesmo partido, em 16 deles já é oficial. O Volt Europa é o partido “chapéu” de todos os partidos nacionais, em Portugal somos o Volt Portugal e depois estamos ramificados pelos vários distritos, concelhias, etc.
Defende portanto o Federalismo, ou uma Europa Federal. Porquê?
Consideramos que é a melhor forma de atingir o progresso, dos portugueses e dos europeus. Ter um Estado Federal que una todos os países que queiram pertencer a esse Estado Federal, nomeadamente os que já integram a União Europeia. Queremos uma reforma da União Europeia, sendo Federal, porque queremos uma União Europeia mais democrática do que é atualmente. Devem ser os europeus a decidir quais são os seus representantes e que ideologias querem para traçar o rumo da União Europeia. Por outro lado, só a União Europeia consegue resolver problemas comuns. Isso ficou muito patente no caso da pandemia e está muito patente com a guerra na Ucrânia, ou seja, da Defesa. Há problemas que os Estados sozinhos não têm capacidade para resolver, nem mesmo a Alemanha, que é o maior Estado, consegue resolver, como se vê agora com a questão energética. Defendo uma estratégia comum dos europeus para resolver os seus próprios problemas e para a Europa ter novamente uma voz no mundo. Não bélica ou colonizadora como foi no passado, mas como um farol de representação dos Direitos Humanos. Ser um ator mundial com força, porque atualmente nenhum estado europeu consegue ter essa voz, são pequeninos, felizmente os seus impérios já acabaram. Vivem muito da sua força económica mas depois não têm voz noutras questões. Vê-se isso quando há conflitos. Defendo que a Europa deveria ter voz até na mediação de conflitos e para isso precisa de estar unida.
“Defendo uma estratégia comum dos europeus para resolver os seus próprios problemas e para a Europa ter novamente uma voz no mundo. Não bélica ou colonizadora como foi no passado, mas como um farol de representação dos Direitos Humanos.”
Tiago de Matos Gomes
O que mudava o Volt no modelo europeu atual, nas instituições europeias?
Em vez de serem os governos a decidir quem é presidente da Comissão Europeia em negócios de bastidores queremos que sejam os povos da Europa a decidir quem são os seus representantes. Por isso propomos essa tal democratização da União Europeia, no fundo uma nova Federação. Isso significa que, além de elegermos o Parlamento Europeu como já fazemos, ter iniciativa legislativa – que não tem – e haver também um futuro governo europeu com iniciativa legislativa. Neste momento, só a Comissão Europeia e o Conselho Europeu podem apresentar propostas e os deputados não têm essa iniciativa legislativa, o que me parece profundamente errado. A criação de um Senado, para que não haja uma desproporção tão grande, ou seja, o Parlamento Europeu com um número de deputados tendencialmente proporcional à população de cada Estado e um Senado com dois senadores de cada Estado. Este Senado substituiria o Conselho da União Europeia onde se reúnem os ministros dos vários Estados de cada área e o Conselho Europeu que reúne os chefes dos executivos de cada um dos Estados; portanto esses dois conselhos seriam substituídos por um Senado. E do Parlamento Europeu, da correlação de forças existentes, sairia um governo europeu que substituiria a atual Comissão Europeia. Haveria também eleição direta, como acontece em Portugal – o modelo de Federalismo que propormos é muito parecido com o português, acrescentando o Senado – para um presidente, eleito por sufrágio universal por todos os europeus, com um poder mais representativo.
O partido tem então um mapa orientador europeu de política. Não há risco de colidir com os interesses nacionais, designadamente ao nível do poder local? Como é que se faz esse equilíbrio no que toca a autonomia?
Exatamente. Em inglês diz-se ‘mapping of policies‘, em português ‘mapas para políticas’. O que defendo, e o Volt também, é um Federalismo que dá profunda autonomia aos Estados. Portanto, se os Estados têm uma profunda autonomia os municípios ainda mais. Esse Estado Federal não vai impor medidas para os assuntos locais, a não ser que estejam relacionados com os direitos humanos, dignidade humana, mas isso é algo geral. As questões locais ficam de fora de um futuro poder europeu. Defendemos que o apoio financeiro da União Europeia às autarquias, através dos fundos europeus, deve continuar. E como se sabe, muito do investimento das autarquias, designadamente em equipamentos, é feito através de fundos europeus.
Defende que os países devem manter soberania em algumas matérias. Por exemplo?
A própria Alemanha já é um Estado federal, tem vários Estados, todos eles têm um sistema de ensino diferente e não é um problema, antes pelo contrário. A Alemanha como um todo tem um ensino muito mais completo e funciona. Não vejo que faça sentido um sistema europeu de saúde, embora deva existir alguma coordenação, como se viu na pandemia, a necessidade de uma liderança europeia para combater o problema, ou que faça sentido um sistema europeu de ensino. Cada Estado poderá perder autonomia na questão das forças armadas e segurança, na diplomacia que defendo ser comum e em questões pontuais que tenham a ver com todos, a gestão das fronteira e a gestão do mar, por exemplo.

O Volt nasceu em reação ao Brexit. Não é um partido de nicho?
Tento que não seja. O Volt seria um partido de nicho se se focasse num ou dois temas como acontece com outros partidos, muito focados em determinadas causas. Costumo dizer que o Volt não é um partido de causas mas um partido com causas; ou seja, um partido que tem um projeto de sociedade. O Federalismo é um projeto político e administrativo de sociedade que obriga a ir por determinado caminho. Não precisamos de novos partidos de nicho para além dos que já existem. Precisamos de um partido moderado, que apresente um projeto de sociedade novo, que dê esperança às pessoas, que lhes aponte um caminho. No nosso entender é um caminho de progresso para os portugueses e para os europeus. O Volt é um partido muito abrangente que toca todas as áreas da sociedade e que tem propostas na área da saúde, educação, habitação… aliás já nos candidatámos a eleições autárquicas e tínhamos propostas muito concretas nos três municípios onde nos candidatámos sozinhos: Lisboa, Porto e Tomar. E contribuímos com as nossas propostas nas coligações onde estivemos, no caso de Oeiras, em que nos coligámos com o Bloco de Esquerda e com o Livre, e no caso de Coimbra, em que nos coligámos com o PSD, CDS, Aliança e outros partidos.
“O Volt não é um partido de causas mas um partido com causas; ou seja, um partido que tem um projeto de sociedade.”
Tiago de Matos Gomes
Não se define como um partido nem de esquerda nem de direita. Diz que define as propostas não com base em ideologia mas em “boas práticas”. Quer explicar?
Mas nas duas coligações, os contactos foram com movimentos de cidadãos independentes que tinham projetos para Oeiras – Movimento Evoluir Oeiras – e Coimbra – Movimento Somos Coimbra –, ambos apoiados por partidos. No caso de Coimbra fomos o primeiro partido a estabelecer conversações e temos uma eleita na freguesia de Almalaguês. Ou seja, o Volt baseia-se muito na evidência científica das propostas que faz, na questão das boas práticas europeias. Interessa-nos muito pouco os dogmas ideológicos, se é mais à esquerda, se é mais à direita. Claro que temos linhas vermelhas; não fazemos coligações com o Chega. E nas autárquicas as questões são muito mais locais e menos ideológicas. A nível nacional já não é tanto assim, provavelmente não faríamos coligações com o CDS, que é muito conservador e nós somos progressistas, ou com o BE, que é muito avesso às questões europeias. A nível local apoiámos movimentos de cidadãos e outros partidos se juntaram, foi um processo diferente. Se elegermos deputados para a Assembleia da República, pediremos para nos sentarmos ao centro, entre o PS e o PSD. Nesse sentido pode-se dizer que somos mais ao centro.
Foi cabeça de lista por Lisboa nas autárquicas, não foi eleito. Tinha como objetivo um ou dois deputados nas últimas legislativas. Não alcançados. O que falhou?Falharam várias coisas. Quase todos os partidos tiveram menos votos que em 2019, com exceção do PS, por causa do voto útil, e o Chega e o Iniciativa Liberal. Todos os outros caíram, mesmo os pequeninos. Só para dar um exemplo o partido RIR tinha tido 35 mil votos e agora teve 20 mil, menos 15 mil votos. Houve claramente uma concentração de votos no PS que prejudicou também os partidos à esquerda do PS e houve uma dispersão de votos à direita com os votos no Chega, no Iniciativa Liberal e no PSD, inclusivamente o CDS desapareceu da Assembleia da República. Portanto, neste quadro era muito difícil que um partido novo, que pouca gente conhece, conseguisse ter o sucesso que desejávamos. Outra coisa que correu mal está ligada à lei eleitoral, que permite que se façam debates apenas com os partidos com assento parlamentar. Esta lei tem de ser revista rapidamente porque é profundamente antidemocrática. Os partidos têm de ser tratados de igual forma pela comunicação social, se há debates com uns tem de haver com outros, se há entrevistas com uns tem de haver com os outros. Nem que demore um mês. Não percebo porque é que os canais não fizeram entrevistas em vez de debates de 20 minutos onde pouco se explicou as propostas. Porventura entrevistavam os cabeças de lista de todos os partidos, em entrevistas de 20 minutos e em 23 dias ficava resolvido durante a pré-campanha e campanha. É estranho que os portugueses tenham de ver e escutar apenas os que foram eleitos para a Assembleia da República. Mais estranho ainda é esta regra para as autárquicas, ou seja, os canais privados nas autárquicas convidaram para os debates os partidos com assento parlamentar. Mas o que é que os partidos com assento parlamentar têm a ver com os partidos que foram eleitos para cada uma das Assembleias Municipais e Câmaras? Compreendo que um debate com muitos candidatos é complicado, estive no debate da RTP para as autárquicas com 12 candidatos e naquelas duas horas falei 7 ou 8 minutos, mas há fórmulas para se fazerem debates incluindo todos os candidatos quando há eleições nacionais.
“Interessa-nos muito pouco os dogmas ideológicos, se é mais à esquerda, se é mais à direita. Claro que temos linhas vermelhas; não fazemos coligações com o Chega.”
Tiago de Matos Gomes
O partido concorreu por 19 círculos eleitorais, como foi formar as listas? Mais fácil no litoral ou no interior?
Depende. Uma das mais difíceis, porque não tínhamos muitos membros, foi a de Aveiro, que é no litoral, porque são muitos deputados. Braga também foi complicado. Em Portalegre elege-se dois deputados, faz-se facilmente, em Évora são três, com mais dois suplentes, portanto são cinco pessoas, também é fácil. Ao contrário do que se pode imaginar, apesar de termos mais membros no litoral do que no interior, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, até não foi muito complicado constituir listas no interior. Mas compor as listas deu muito trabalho à nossa secretária geral, com a ajuda de outras pessoas.
Neste momento quantos militantes tem o partido?
Cerca de 300 militantes, que no Volt designamos como membros.

E no distrito de Santarém, onde está Tomar, cidade à qual tem ligações afetivas, a expressão eleitoral cumpriu os objetivos?
Foi melhor nas autárquicas do que nas legislativas, mas a expressão eleitoral está dentro da média nacional. Obviamente que as expectativas, a nível nacional, eram mais altas, portanto em Santarém também eram mais altas. Até porque o trabalho feito nas autárquicas foi muito bom e esperávamos ter um resultado melhor também por causa desse trabalho desenvolvido. O Volt teve uma grande visibilidade, pelo menos no Município de Tomar.
Em campanha as pessoas mostraram conhecimento ou desconhecimento do Volt?Participei nas duas campanhas, nas autárquicas mais em Lisboa onde era candidato, nas legislativas dei uma volta a Portugal, passando por quase todos os distritos onde concorríamos. Nas legislativas, mesmo nos distritos do interior, muita gente já conhecia o Volt. Uma grande diferença em relação a setembro, ou seja, quatro meses depois senti uma grande diferença no que toca ao conhecimento das pessoas. Muitas não sabiam o que defendíamos mas já sabiam que existia o partido, enquanto nas autárquicas nem isso. Fiquei algo surpreendido com a reação das pessoas e senti-me satisfeito com a disponibilidade dos eleitores para nos ouvir. Tivemos também um grande crescimento de visitas ao nosso site. As primeiras eleições nas quais participámos foram as autárquicas.

O candidato pelo distrito de Santarém foi Misha Shemliy, um jovem luso-ucraniano, também cabeça de lista nas autárquicas a Tomar. É um partido de gente jovem, ou como já foi apelidado de ‘Erasmus’, ou seja, jovens, com curso superior e de classe média ou média alta?
O partido inicial era mais assim, hoje em dia já não tanto. Atualmente tem pessoas de todas as idades, de todas as origens, de todas classes sociais, das mais baixas às mais altas. Embora a grande maioria seja de classe média e entre os 20 e os 40 anos. Sim, posso dizer que o partido é maioritariamente jovem mas essa característica dissipa-se ao longo do tempo porque cada vez mais pessoas de outras idades aderem ao partido. Todos defendemos a Europa, uma Federação Europeia e uma sociedade mais justa. Há muitos princípios que são os mesmos, é um partido progressista e não conservador, uma dicotomia que preferimos e não tanto esquerda e direita. Somos o partido dos três P: pan-europeus, progressistas e pragmáticos. E portanto composto por pessoas com essa linha de pensamento.
O Volt aposta forte na área do ambiente. Como viu o encerramento da Central a carvão da Termoelétrica do Pego, sendo que a Alemanha tem metas até 2030 e Portugal continua a depender de energias fósseis de países terceiros? Ainda recentemente chegou a Sines um barco com carregamento de gás russo, apesar da sanções europeias por causa da guerra na Ucrânia…
O ambiente está no nosso programa eleitoral para as legislativas. Defendemos uma maior aposta nas energias renováveis sendo que estas, pela sua natureza, são muito dependentes de fatores climatéricos, mas devemos apostar. Para complementar, o Volt propõe que se pense a sério na energia nuclear. Para nós, as centrais a carvão não fazem sentido, são extremamente poluentes. Temos dúvidas em relação ao timing, ou seja, se o melhor momento foi este para encerrar a Central Termoelétrica do Pego, se devíamos ter esperado mais um ano ou dois, mas teria de ser substituído o carvão.
“Para complementar as renováveis, o Volt propõe que se pense a sério na energia nuclear.”
Tiago de Matos Gomes
Defende abertamente a energia nuclear, mas o fantasma do nuclear reapareceu com a guerra na Ucrânia, desde logo num hipotético ataque a centrais. Mantêm a proposta?
A nossa proposta mantém-se. Uma questão polémica, é certo, mas para a descarbonização que a União Europeia pretende e que todos pretendemos para salvar o planeta é uma hipótese que colocamos em cima da mesa, por ser uma energia limpa. Na União Europeia a Alemanha está contra a energia nuclear, os franceses são a favor, mesmo dentro do Volt há essa discussão, mas é importante debater a questão. A energia nuclear é mais limpa que o gás e que o carvão, portanto a Europa deverá acabar, a prazo, com a energia a carvão e a gás que são fortemente poluentes. O problema da energia nuclear tem a ver com os resíduos mas com os avanços tecnológicos há bons exemplos na Finlândia. Há uns anos os resíduos nucleares duravam mil anos a desaparecer, já se consegue que desapareçam em 100, portanto tem havido uma grande evolução nesse sentido, a energia nuclear de última geração nada tem a ver com Chernobyl, por exemplo. Em guerra tudo é perigoso. Não sou técnico na área do nuclear mas para fazer o programa consultamos especialistas e sei que militarmente há também formas para diminuir esses riscos.

Por falar em guerra, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, já afirmou “a Europa tem de reforçar o investimento militar”. Concorda com esta posição?
Sim, até vou bem mais longe que o ministro João Gomes Cravinho. Defendo umas forças armadas europeias. Sou pelo fim das forças armadas nacionais dentro da União Europeia e pela união de esforços para constituir umas forças armadas a nível europeu e que sejam essas as nossas forças armadas. Por um lado, vai diminuir o esforço militar do orçamento de boa parte dos Estados, embora tenham de contribuir financeiramente para essas forças armadas europeias, quanto mais não seja em meios e em pessoas, mas será muito mais eficiente. Cada um dos Estados tem pequenos exércitos que, se calhar, não servem para muito, embora as forças armadas portuguesas tenham imenso prestígio e nos palcos de guerra tenham sido elogiadas por todas as entidades, enquanto se tivermos umas forças armadas europeias, profissionalizadas como acho que devem ser, provavelmente será menos dispendioso e mais eficiente. É uma grande vantagem. E a diplomacia também se faz com forças armadas. Devem estar dentro da NATO, até para equilibrar a Aliança Atlântica, para não ser mandada por uns Estados Unidos muito poderosos. Se a Europa tivesse outro papel, talvez a NATO não tivesse cometido os erros que cometeu no passado, portanto há que equilibrar as forças entre os Estados Unidos e a Europa, que tem de se defender sozinha e não depender dos norte-americanos.
“Se a Europa tivesse outro papel, talvez a NATO não tivesse cometido os erros que cometeu no passado, portanto há que equilibrar as forças entre os Estados Unidos e a Europa, que tem de se defender sozinha e não depender dos norte-americanos.”
Tiago de Matos Gomes
Como avalia a atuação política da União Europeia, nomeadamente da Comissão Europeia? A forma como se respondeu à crise da pandemia foi positiva?
No inicio não foi de todo, houve uma profunda descoordenação entre os vários Estados e a Comissão Europeia não conseguiu coordenar. Correu muito mal. Uns a fechar fronteiras e outros a abrir, não houve coordenação nenhuma também no movimento de pessoas entre os vários Estados. Incluindo disparates: fechámos fronteiras com a Galiza, com ligações de trabalho, familiares, culturais, etc., e isso podia ter sido evitado se houvesse uma coordenação europeia na questão das fronteiras internas da própria União Europeia. Sou sempre contra o encerramento de fronteiras entre Estados da União Europeia. Para mim faz tanto sentido fechar fronteiras entre o Norte de Portugal e a Galiza como entre o Ribatejo e o Alentejo. Não faz sentido nenhum! Tem de haver coordenação e as regras serem iguais para todos. Depois a União Europeia arrepiou caminho e as coisas começaram a correr melhor. A compra massificada de vacinas e a distribuição pelos vários países parece-me que correu bem. A Europa neste momento é o continente mais vacinado. Em Portugal correu ainda melhor, com uma excelente organização, mas beneficiámos dessa compra de vacinas por parte da Europa. Sozinhos provavelmente não tínhamos conseguido o número de vacinas que conseguimos.
Se houvesse um governo europeu obviamente haveria uma coordenação para tratar do caso da pandemia, teria havido regras claras e comuns para todos os Estados. Agora regras para Portugal e para Espanha, como se dentro dos países fosse tudo igual… deveríamos ter pensado em termos de surtos e não de países. Os problemas de descoordenação dissiparam-se por força da vacinação e depois com o certificado para circulação de pessoas entre os Estados. Infelizmente os europeus continuam a pensar muito nas suas fronteiras nacionais, a pensar muito a nível nacional e não temos a perspetiva europeia e a perspetiva local.
Para mim faz tanto sentido fechar fronteiras entre o Norte de Portugal e a Galiza como entre o Ribatejo e o Alentejo. Não faz sentido nenhum!
Como comenta o crescimento dos partidos eurocéticos? Esta é a Europa que os pais fundadores da CEE sonharam?
Claro que não. Eurocéticos continuam a ser os partidos que estão nos extremos dos espectro político. Como presidente de um partido moderado vejo com grande preocupação esse crescimento. Nas últimas eleições europeias falava-se num grande aumento dos partidos de extrema-direita o que, felizmente, não aconteceu. Nuns países não cresceram e noutros até decresceram e portanto não houve um crescimento desses partidos mais eurocéticos e de extrema-direita no Parlamento Europeu. Há países onde os partidos de extrema-direita estão a regredir, como acontece na Alemanha, o que também é muito positivo. O Volt nasceu também contra os populismos e nacionalismos. Obviamente que as pessoas têm o direito de pensarem aquilo que quiserem, incluindo ser contra a Europa e não gostarem do projeto europeu e querer países mais soberanos como éramos antes de 1985, vivemos numa democracia. Mas no século XXI e num mundo completamente globalizado, a soberania não pode ser vista como era nessa época, as coisas mudaram muito e os partidos têm de se adaptar a essa mudança. Sinto que os partidos tradicionais não se adaptaram à globalização e vivem ainda sob os parâmetros do século XX, não fizeram essa mudança. Revejo-me completamente na Europa dos pais fundadores, é essa Europa que quero, mais solidária. Muitos Estados continuam egoístas; quando temos uma Holanda que é um paraíso fiscal, está a prejudicar os outros, pratica concorrência desleal. O Volt dos Países Baixos é contra a existência desse paraíso fiscal no seu próprio país, ou seja, os volters holandeses são solidários com os restantes países e com os outros povos e não querem que o seu país tenha uma vantagem competitiva injusta. No Luxemburgo a mesma coisa. Somos contra os paraísos fiscais existentes na Europa e é isso que faz do Volt um partido diferente; pensar o bem comum.
Defende que os partidos políticos tradicionais nesta nossa democracia – PSD, PS, PCP e CDS – perderam a capacidade de perceber os problemas das pessoas. É certo que o CDS desapareceu do Parlamento, o PCP perdeu deputados mas o PSD e o PS continuam a ser os mais votados, com o PS a conseguir maioria absoluta. Como comenta o atual cenário político português, tendo em conta o crescimento de um partido populista como o Chega?
Perderam a capacidade de entender a realidade de hoje. Os partidos tradicionais perderam a comunhão que tinham com o seu próprio povo, perderam a capacidade de perceber os problemas das pessoas e, como disse, vivem ainda muito no paradigma do século XX. Não perceberam a globalização – com os seus pontos negativos mas também positivos –, não perceberam este mundo novo, da pandemia às alterações climáticas. Os partidos não têm propostas que pareçam dar resposta a esses problemas. Além disso, quer o PS quer o PSD olham para o país a muito curto prazo e não têm uma visão de médio e longo prazo que qualquer líder partidário deve ter. Se perguntarmos a António Costa ou a Rui Rio como querem Portugal daqui a 30 anos, nem um nem outro responderá grande coisa; não têm uma visão a longo prazo. É política de mercearia – não desfazendo os merceeiros que têm o meu respeito –, mas é pensar quase para o dia seguinte, ou para o mês seguinte. Os políticos de poder têm de preparar o país, mesmo com políticas pouco populares no momento, mas que possam trazer frutos no futuro. Não vejo um projeto de futuro nos líderes partidários em Portugal e isso preocupa-me profundamente. Portugal tem vindo a ser adiado ao longo das últimas décadas. E agora com o crescimento do partido Chega… embora não concorde com a narrativa que os eleitores do Chega são todos racistas, xenófobos ou fascistas, tem de se entender a razão das pessoas que, sendo moderadas, optam por votar no Chega, um partido de extrema-direita, desprezível na democracia portuguesa. Acho que a maioria é voto de protesto. Penso que não terá maior crescimento do que teve agora, até porque o partido não apresenta solução para nada nem propostas sérias sobre nada.
“Não vejo um projeto de futuro nos líderes partidários em Portugal e isso preocupa-me profundamente. Portugal tem vindo a ser adiado ao longo das últimas décadas.”
Tiago de Matos Gomes
Quais são as suas referências políticas?
Militei no Partido Socialista e estive na JS, deixei o partido há 20 anos. Portanto as minhas referências políticas já estavam ligadas à Europa. O PS sempre foi o partido mais europeísta, Mário Soares foi quem nos colocou na CEE, com o PSD na altura um bocadinho mais cético. As minhas referências políticas vêm muito dessa área; Olof Palme, Helmut Schmidt, Mário Soares, Sá Carneiro, Helmut Kohl, Winston Churchill, pessoas com os seus defeitos e com as suas qualidades, mas que num ou noutro ponto da sua vida política foram inspiradoras, porque tomaram decisões difíceis com a convicção que estavam a fazer o melhor para os seus povos.

Tiago de Matos Gomes é licenciado em Ciências da Comunicação pela faculdade de Ciências Sociais e Humanas, ex-jornalista, filho de pai militar que era representante diplomático do Exército Português na NATO, viveu vários anos em Bruxelas, frequentou a Escola Europeia. Foi aí que estabeleceu a ligação aos partidos europeístas?
Não. Foi em Bruxelas que despertei para o Federalismo, embora inconscientemente. Conto uma pequena história: a Escola Europeia não incutia nos seus alunos uma Europa unida nem nada disso, mas tinha aulas em português e quatro ou cinco disciplinas em inglês com colegas de outros países da Europa – na altura, entre 1991 e 1994, eram 12 países na União Europeia. Numa aula de História, com um professor escocês, aprendíamos sobre a Segunda Guerra Mundial e ao meu lado tinha colegas alemães e franceses, alguns avós desses alunos franceses tinham pertencido à resistência, e alguns avós dos alemães tinham pertencido ao exército nazi. E passados mais de 40 anos estávamos todos juntos numa sala de aula a aprender o que tinha sido o horror do Holocausto. Os alemães sempre com uma cara muito fechada – ainda hoje têm um sentimento de culpa gigantesco – e os franceses com um ar normal, a não querer constringir mais os colegas com quem saiam à noite e eram amigos. Só mais tarde pensei que seria possível a união e percebi que uma federação europeia seria a solução para termos os povos em progresso.
“Desgostei-me com o jornalismo. Cheguei a editor no Diário de Notícias, onde estive 20 anos, senti que não ia evoluir mais. Sei que em Portugal há uma gigantesca falta de meios para se fazer bom jornalismo – e não é culpa dos jornalistas mas da sociedade e das empresas que temos, umas não conseguem e outras não querem dar mais meios para os jornalistas fazerem o seu trabalho.”
Tiago de Matos Gomes
Qual a razão de ter trocado o jornalismo pela política? Não tem saudades?Desgostei-me com o jornalismo. Cheguei a editor no Diário de Notícias, onde estive 20 anos, senti que não ia evoluir muito mais e não havia no jornalismo algo que me desafiasse. Sei que em Portugal há uma gigantesca falta de meios para se fazer bom jornalismo – e não é culpa dos jornalistas mas da sociedade e das empresas que temos, umas não conseguem e outras não querem dar mais meios para os jornalistas fazerem o seu trabalho –, temos muito pouco jornalismo de investigação, temos muito pouco investimento no jornalismo em geral, em Portugal. Claro que está relacionado com o nosso pequeno mercado, em parte explica esse problema, mas também há muita falta de vontade, e falta arriscar. O jornalismo está um bocadinho preguiçoso, temos pouca produção própria. Sempre gostei muito de política, este lado europeísta também esteve sempre presente, antes do Volt estive em movimentos federalistas europeus e investi a minha vida no partido. O Volt Europa foi criado em 2017 pelos fundadores Andrea Venzon, Damian Boeselager – o nosso eurodeputado eleito pelo Volt Alemanha – e Colombe Cahen-Salvador, assustados com o Brexit. Uma amiga que também foi jornalista tinha um amigo do Volt e queriam criar o partido em Portugal e como já estava nos movimentos federalistas contactaram-me. Na altura não quis pegar no Volt, mas inscrevi-me. Aconteceu que Andrea Venzon veio a Portugal em dezembro de 2017 e conversámos no bar da Cinemateca, e tudo o que disse inspirou-me e acabei por aceitar ser presidente do Volt Portugal, ainda como movimento. Não tenho saudades do jornalismo embora continue um consumidor fanático de informação, de jornais e de revistas, mas voltar à profissão não está nos meus planos.

Com raízes e casa em Tomar, qual é a sua ligação à cidade? Visita-a com regularidade?
A minha mãe é natural de Tomar. A minha avó era açoriana e o meu avó era beirão, mas casaram-se e foram viver para Tomar, portanto tenho essa ligação afetiva. Vivi dois anos em Tomar, o meu pai, militar, na altura foi colocado em Santa Margarida e eu e a minha mãe fomos para casa dos meus avós para estarmos perto do meu pai. Portanto fiz a segunda e a terceira classes na Escola Primária nº1 de Tomar, em frente ao Tribunal. Mas tenho ligação a Tomar quase desde que nasci, até aos dias de hoje. Passei várias férias de verão em Tomar, nas Festas dos Tabuleiros de quatro em quatro anos estava lá sempre, e estou. Com a morte dos meus avós (o meu avô em 1985 e a minha avó em 1996), os meus pais compraram uma casa na serra de Tomar, perto da albufeira de Castelo de Bode. Vou a Tomar com regularidade, os Natais são sempre lá, exceto no ano passado, por causa da pandemia. Tomar é a minha segunda cidade.
Quando está por territórios do Médio Tejo, o que costuma fazer?
Estou muito em Tomar. Em miúdo ia ao Convento de Cristo muitas vezes, subia ao castelo e andava lá a brincar. Às vezes sozinho, porque nos anos 1980 as crianças tinham uma liberdade muito maior do que hoje em dia. Conheço muito bem a região do Médio Tejo, passeio por Abrantes, Torres Novas, Ferreira do Zêzere, castelo de Almourol, Sardoal é lindíssimo. O Médio Tejo é a Toscana portuguesa, como se costuma dizer, e gosto muito. A irmã do meu avô vivia em Abrantes, portanto também conheço a cidade como a palma das minhas mãos.
Qual a sua melhor memória no Ribatejo?
São os piqueniques com os meus avós na Mata dos Sete Montes, nos anos 1980, quando ia para Tomar de férias. Às vezes ficava sozinho com eles. Os meus pais viviam em Lisboa e eu passava umas temporadas com os meus avós e retenho essa imagem dos piqueniques com eles e também com outras pessoas. O meu avó foi durante uns tempos uma espécie de administrador do Convento de São Francisco – em Lisboa nasci no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco precisamente por causa disso –, essa recordação é a mais querida. E depois todos os passeios que dava pela cidade, mais na adolescência. O meu amor pela História e pela História da Arte tem muito a ver com Tomar, pelos estilos arquitetónicos, do Romano, do Gótico e do Renascimento.