Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

O Coronel de Infantaria Luís Fernando Machado Barroso é o novo Comandante do RAME, em Abrantes, e apresenta-se como um transmontano que nasceu, por acaso, em Porto de Mós, a 20 de setembro em 1967. Passou a adolescência em Mogadouro, terra da mãe e do avô. O pai era sargento-chefe da GNR, também ele transmontano de Salto. Entrou para a Academia Militar em 1986 e terminou o curso de Infantaria em 1991, tendo ficado colocado na Escola Prática de Infantaria onde desempenhou as mais variadas funções de comando e de instrução. Depois de terminar o curso de Estado Maior no Instituto de Altos Estudos Militares (2005) desempenhou funções no Estado Maior do Exército e no Instituto de Estudos Superiores Militares onde foi professor de tática e de estratégia nos vários cursos ali ministrados.

Na Joint Force Command Brunssum, na Holanda, foi responsável pela coordenação da obtenção de informações para a área de implementação norte da NATO. Após o regresso, desempenhou as funções de segundo comandante do Regimento de Infantaria nº1 em Beja, e desempenhava, cumulativamente, funções de professor de tática e operações militares e as de coordenador científico dos mestrados integrados dos cursos de Infantaria, Artilharia e Cavalaria da Academia Militar. Além dos cursos de carreira é qualificado com o curso Estado Maior das Forças Armadas de Espanha, e tem várias condecorações e prémios científicos. É doutorado pelo ISCTE em História, Defesa e Relações Internacionais, colabora com várias instituições do ensino superior e centros de investigação. É casado com Maria José Venâncio Pacheco Barroso e tem duas filhas.

O mediotejo.net foi conversar com o novo comandante do Regimento de Apoio Militar de Emergência (RAME), nesta missão desde 21 de novembro de 2019.

Assumiu o cargo à menos de dois meses. Qual a sua prioridade para o Regimento de Apoio Militar de Emergência?

A prioridade do comandante do RAME é cumprir a missão. A missão do RAME é aprontar a unidade de Apoio Militar de Emergência, o destacamento CIMICEx (Cooperação Civil Militar – do Exército) e ministrar, como um polo de formação, os cursos de formação geral comum de praças do Exército. Esta é a nossa missão orgânica e para a qual o RAME está desenhado. Estamos a dar a prioridade ao Apoio Militar de Emergência (AME) no sentido de afirmar essa missão como ‘novo normal’ no Exército. É o apoio à proteção civil, mas são operações militares, que representam um quarto do espetro das operações do Exército. São as projetadas para o apoio à proteção e bem-estar das populações.

Através do Centro de Operações de Apoio Militar de Emergência, o comandante do RAME exerce o comando operacional dos módulos que o Comando das Forças Terrestre (CFT) atribui ao Apoio Militar de Emergência às autoridades. Pode ser feito de forma programada, o que é comum quando não há uma emergência inesperada, quando há períodos previsíveis de apoio, como no verão ou nas cheias durante o inverno; ou através do apoio não programado essencialmente orientado ao apoio às populações, numa situação de emergência inesperada. O Regimento pode ser empenhado como força de intervenção inicial quando a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) não pode acorrer a todos locais. O apoio programado está corporizado pelo Plano de Apoio Militar de Emergência do Exército (PAMEEX), onde está explicitado o que cada unidade do Exército tem de aprontar em apoio à ANEPC ou outra entidade. O PAMEEX dá-nos também uma previsão de emprego de meios, o que permite aos comandantes do Regimento planear com relativa certeza que meios tem de empregar em AME.

Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

É essa a importância do RAME?

É a sua singularidade nas Forças Armadas. É um regimento único no âmbito do sistema de forças nacional, porque temos uma missão única. Em virtude disso estamos a levar a cabo um conjunto de atividades internas para desenvolver as normas de execução permanente em termos de operações – técnicas de procedimentos operacionais – para que qualquer oficial ou sargento que desempenhe a função no centro de operações militares de emergência, o possa fazer com o mínimo de erros e omissões. Ao mesmo tempo, estamos a preparar-nos para a próxima grande atividade que é o exercício Fénix, o exercício de apoio militar de emergência, que tem como finalidade principal testar prontidão dos módulos designados para Apoio Militar de Emergência do Exército. Este ano será feito em Bragança.

Já estão definidas as tarefas para 2020?

Além do exercício Fénix, outra atividade será o seminário do Apoio Militar de Emergência, no dia 2 de abril, com o apoio do Agrupamento de Escolas nº1 de Abrantes, a Escola Solano de Abreu. Um seminário internacional dedicado ao Apoio Militar de Emergência que este ano vai tratar do empenhamento de forças em situações de catástrofe natural complexa, ou seja, com incidentes em várias dimensões, como é o caso de um sismo de grande magnitude. Estão convidadas várias entidades como o IPMA, o LNEC, a ANEPC e personalidades de países estrangeiros com experiência nesse tipo de situações.

Então não se pode falar na missão ‘mais importante’ do RAME?

Importantes são todas as missões, dependendo dos períodos. A missão de formação é essencial para o Exército por causa da retenção, da não desistência dos recrutas, embora seja uma missão de rotina. Temos uma missão de janeiro a dezembro previsível com um conjunto de incorporações e atividades de formação. E depois temos a parte do encargo operacional do Apoio Militar de Emergência que é a área nobre do Regimento; aquilo que o distingue dos outros. Quer o Centro de Operações do Apoio Militar de Emergência, quer seja o Grupo de Intervenção e Emergências que está numa fase de edificação. Apesar de termos pessoal nomeado em quadro orgânico, estamos na fase de aquisição de equipamento e viaturas para edificar essa unidade que tem uma missão muito específica ser utilizado como módulo de primeira intervenção.

E o que é previsível?

O incremento das missões de vigilância e a preparação de módulos para intervenção no caso de ser solicitado pela ANEPC. São exemplos do transporte, evacuação de pessoas, poder instalar os módulos de apoio de alimentação com confeção e local de distribuição em apoio às populações em emergência ou autoridades como aconteceu nos incêndios em 2019, com as nossas cozinhas de campanha. Pode ser também apoiar através de alojamento pessoas que tenham de sair de suas casas porque estão em perigo. Apoios pontuais em termos de apoio à manutenção, reabastecimento de combustíveis, fornecimento de energia, apoio sanitário. Quando for solicitado estamos sempre preparados para o fazer. A nossa prontidão mínima é de 6 horas.

Há capacidade para essas missões, quer humana quer material?

Sempre.

Cerimónia do 3º aniversdário do RAME, juramento de bandeira e tomada de posse do novo comandante do RAME, Coronel Luís Barroso. Tomou posse, tendo assinado o Termo de Posse e recebido das mãos do Vice-CEME e Comandante das Forças Terrestres, Tenente-General Guerra Pereira, o Estandarte Nacional à guarda daquela Unidade. Créditos: mediotejo.net

 Já conhecia o Regimento? Desde que chegou algo o surpreendeu? 

Já conhecia o Regimento. Sabia do esforço que o Exército estava a ter para edificar o Centro de Operações de Apoio Militar de Emergência e também o esforço que o Exército ainda está a realizar em programas de aquisição de material, no âmbito das leis da programação militar, para que possamos ter aqui a Unidade de Intervenção e Emergências que servirá como ‘ponta de lança’ na intervenção inicial em apoio às autoridades.

Da minha experiência, mais ligada à formação no Instituto Universitário Militar, na antiga Escola Prática de Infantaria e agora na Academia Militar, o facto desta unidade ter esta missão específica não é uma surpresa, é antes de mais um desafio. Não há aqui nenhuma surpresa além da minha motivação como comandante.

Excluindo os recrutas, quantos militares tem o RAME?

É público que o Exército vive uma situação de alguma restrição de número de praças. Mas no RAME, em termos de oficiais, sargentos estamos francamente melhores, na ordem dos 70%. São 49 oficiais e sargentos e 43 praças. Não tenho nenhum condicionamento em termos de oficiais e sargentos porque a esmagadora maioria dos cargos está ocupada. Cada vez que tenho mais de 4 pelotões em formação tenho de pedir apoio à Brigada Mecanizada em Santa Margarida. Temos 103 recrutas em formação e, dia 20, recebemos mais 60. O RAME tem 90 militares em permanência a que se soma uma média de 100 recrutas em permanência, havendo momentos em que o número ultrapassa os 170.

É um regimento que se adaptou aos novos tempos? E é sustentável para o Exército manter um quartel com este número de efetivos em Abrantes?

Se há um Regimento que é dos novos tempos, é o RAME. Senão vejamos: é um Regimento que dispõe dos meios suficientes para o cumprimento da sua missão; o encargo operacional do Regimento através da Unidade de Apoio Militar de Emergência, pela probabilidade de emprego, que é extremamente elevada; e pela missão específica, que é comando operacional dos meios em apoio às autoridades e à população. Esta é uma unidade típica daquilo que é o ‘novo normal’, do dia a dia, em tempo de paz no território nacional.

Este regimento é um regimento de primeira linha e de elevada prioridade no Exército. A grande diferença para os regimentos que aprontam forças é essa mesmo: não temos a missão de aprontar forças para o estrangeiro, apesar de no caso de situação de emergência como ficou demonstrando há pouco tempo na cidade da Beira [Moçambique]. O RAME pode ser utilizado em missões desse tipo, por exemplo nos países africanos de língua oficial portuguesa. Uma missão que, além de corresponder a um quarto das operações militares, pode ser desenvolvida no âmbito da cooperação técnico-militar, que acaba por ser também um ponto importante no relacionamento com os países de língua portuguesa com quem já temos muitos projetos de cooperação e quiçá o Apoio Militar de Emergência seja uma atividade a desenvolver a breve prazo.

Acredito que o RAME será para manter em Abrantes. Não há razões para o retirar daqui.

Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

Como reconheceu há um défice de recrutas. Qual a estratégia certa, em sua opinião, para captar o interesse dos jovens para o serviço militar?

A base de recrutamento em Portugal é francamente menor do que era há 10 ou 20 anos. O modelo mudou quando acabou o serviço militar obrigatório e passou ao serviço efetivo normal e depois para o voluntariado e contrato. Tem sido uma mudança brusca! Dentro do Estado, as Forças Armadas têm sido aquelas que melhor se adaptaram à mudança dos novos tempos. No início dos anos 90, dispõem de 50 e poucos mil militares e meia dúzia de anos depois passam a ter efetivos na ordem dos 30 mil. São 20 mil de diferença e ainda por cima o número de missões aumentou. Foi o momento de missões de apoio à paz e nunca Portugal teve tantas forças empenhadas no estrangeiro como agora. Desde os meados dos anos 90 até ao momento cerca de 30 mil militares foram empenhados em missões no estrangeiro, um número que é muito substancial num País tão pequeno.

Nos finais de 2018, o País precisava de 250 mil trabalhadores jovens com alguma qualificação. O ensino superior, a este ritmo de crescimento, em 2030 ou atrai estudantes estrangeiros ou cerca de 20% a 30% dos cursos vão ter de encerrar porque não há alunos suficientes. Ou seja, há cada vez menos jovens. Os grandes eixos estratégicos das Forças Armadas, e do Exército, para obter recursos humanos passa por: recrutar, reter e reinserir.

Está a ser preparado um conjunto de medidas para melhorar este sistema, porque é necessário garantir os efetivos para o cumprimento das nossas missões para além das forças nacionais destacadas que têm uma relevância muito grande na política externa nacional. Não é por acaso que Portugal é convidado para ser a força de reação rápida na República Centro Africana.

Na prática como é que se conquistam esses jovens?

O número é baixo para o que está autorizado e poderá ser o próximo esforço das Forças Armadas, no meu ponto de vista, focar-se na reinserção. Porque é importante que a economia olhe os jovens que saem das Forças Armadas e pensem que aquele recurso humano valorizou-se, durante o período em que prestou serviço. Que adquiriu um conjunto de perícias que são importantes para a economia; a resiliência, o trabalho em grupo, capacidade de liderança, reação à frustração, permanente disponibilidade para o trabalho.

Há um pequeno passo a dar para que a economia reconheça estas perícias. Tem de as reconhecer! Para isso tem de haver uma campanha de comunicação estratégica.
As operações militares atuais e os novos equipamentos de hoje exigem jovens muito qualificados e com muita maturidade.

A reinserção é provavelmente o fator que vai desencadear o facto de se disseminar que vale a pena estar no Exército, cinco ou seis anos, porque o tempo que aqui passaram foi uma oportunidade única. O conjunto de perícias que ganharam serão apreciadas pelos empregadores. Esta é a melhor publicidade. Naturalmente, será necessário que os empregadores o reconheçam, tal como acontece nos países anglo-saxónicos.

Voltar ao serviço militar obrigatório resolveria esse défice?

O serviço militar obrigatório é sempre uma decisão política. De acordo com aquilo que são as exigências da nossa atividade não faz muito sentido. Exceto numa situação de emergência, como a possibilidade de um conflito de longa intensidade ou generalizado em que é necessário mobilizar muitos recursos. Tendo em conta o âmbito das exigências atuais das operações militares… não me parece muito lógico.

Dos recrutas do Exército, podemos afirmar que a maioria tem como objetivo integrar as forças de segurança, ou não?

A maioria não sei, não tenho números concretos mas posso dizer que são um número significativo. Talvez 20%. O que tem alguma lógica, porque o ser humano tem horror à instabilidade e muitos jovens preferem saber com o que podem contar, com alguma estabilidade a médio e longo prazo, em detrimento até de alguma compensação financeira superior.

Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

Considera fundamental a aproximação do Exército à sociedade civil? Recordo os juramentos de bandeira fora da unidade.

O Exército está sempre próximo da sociedade civil. Está completamente aberto. O RAME é o exemplo típico disso, cuja missão é o apoio às populações. Todas as unidades do Exército têm relações próximas com as edilidades, com as autoridades, normalmente têm protocolos com escolas, centros de formação, etc. E a unidade está inserida numa cidade ou numa vila e as pessoas que trabalham na unidade, sejam civis ou militares, pertencem a essa comunidade. Não há nenhuma barreira entre o Exército e a sociedade civil. Os militares também pertencem à sociedade civil.

O facto de os juramentos de bandeira serem realizados fora da unidade não é tanto para quebrar barreiras, mas para disseminar as nossas atividades. Sendo o juramento de bandeira o compromisso mais importante que o jovem tem perante o Estado, simbolizado pelo estandarte nacional, serve também para divulgar o seu compromisso mais importante, porque o compromisso do jovem é também o compromisso dos pais, dos familiares e dos amigos para com a Nação.

Tendo o RAME o Apoio Militar de Emergência e uma relação próxima com a Proteção Civil, sente que há militares que consideram o combate aos incêndios uma menorização da missão?

Não, nunca senti, antes pelo contrário. Se há uma missão para além da chamada do militar para operações de combate, o apoio às populações está a par dessa missão. Aquilo que não era normal até há pouco tempo é que as Forças Armadas estivessem envolvidas com esta regularidade. Mas todos os países têm esta capacidade e alguns até têm unidades específicas de intervenção como é o caso de Espanha que tem a Unidade Militar de Emergências com mais de um milhar de militares. A nossa é diferente, porque não nos podemos dar ao luxo de ter homens só dedicados a essa missão, tendo de ser em dupla valência. Mas é uma missão que está ao mesmo nível das outras. A associação dos militares aos incêndios pode dar a ideia de menorização da missão, mas não é verdade. Antes, é muito relevante.

Falando do Apoio Militar de Emergência, como foi o ano de 2019? Tem havido uma evolução/acréscimo de missões nos últimos anos?

Desde 1 de junho até final de setembro estamos envolvidos em permanência. Não só o Regimento através do Centro de Operações de Apoio Militar de Emergência, que controla os meios. Não há nenhum regimento que não tenha módulos em prontidão ou empenhados praticamente todos os dias. Não só no rescaldo, mas num conjunto de atividades relacionadas com a vigilância em que temos muita gente envolvida, quer seja através de protocolos com as Câmara Municipais, ou com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, e nos períodos críticos em que o IPMA prevê os famosos 3 vezes 30: menos de 30% de humidade, o vento a mais do 30 quilómetros hora e mais que 30 graus de temperatura. Aumenta-se de imediato as atividades de vigilância e temos centenas de militares envolvidos. Nos locais onde os militares vigiam é muito raro haver incêndios de grandes proporções. É certo que tem havido um aumento de ignições, mas isso depende muito das condições meteorológicas.

Apesar de ter assumido funções no RAME há pouco tempo sente que os abrantinos têm interesse pelo Regimento?

Acho que sim. Falo regularmente com o presidente da Câmara e da Assembleia Municipal, já estive presente em algumas atividades na comunidade e envio sempre alguém em minha representação. Estamos completamente integrados. Temos uma colaboração estreita com as escolas. Em janeiro está prevista uma ação de divulgação do serviço militar junto da Escola Dr. Manuel Fernandes, fui convidado pelo sr. diretor para ministrar ‘uma grande aula’ que junta professores e alunos no auditório para uma preleção subordinada ao tema da conflitualidade, a grande estratégia e o papel de Portugal no âmbito da política internacional.

Quantas mulheres estão no RAME? E quantas têm cargos de chefia?

Existem mulheres no RAME, são cabalmente empenhadas. Estão muito bem integradas e são tratadas como qualquer outro militar. Para além disso, se há um Regimento onde pode haver distinção nula entre mulheres e homens é na missão do RAME. Numa unidade de infantaria, unidade de combate, algumas exigências diferenciam o género. Atualmente temos 18 raparigas em instrução, em 93 formandos. São 20%, é um número relevante, que nos orgulha. Atualmente, o RAME conta com duas praças e uma oficial, a alferes Sousa que está na Companhia de Comandos e Serviços onde é comandante de pelotão. Na Academia Militar andamos na ordem dos 12% de alunas e isto quer dizer que no futuro poderemos ter 12% de oficiais mulheres aqui no Regimento. As Forças Armadas gabam-se de estar dentro das quotas expectáveis/ótimas da Função Pública.

Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

Nasceu em Porto de Mós há 52 anos, mas sente-se um homem transmontano ou identifica-se com outra região do País? É um homem urbano ou rural?

Sinto-me um homem transmontano. Casei com uma mulher transmontana, que estudou comigo no liceu de Mogadouro, onde passo as minhas férias e os períodos festivos, Natal e Páscoa. Durante o ano vou mais duas ou três vezes. No verão reservo uma semana para as festas da vila, na última semana de agosto, em honra da Nossa Senhora do Caminho, onde tenho os meus amigos de infância. Gosto de futebol e fui praticante. Mantenho uma relação muito próxima com a vila porque os meus pais e a minha sogra vivem em Mogadouro, embora resida na Amadora, perto da Academia Militar.

Já estou há 35 anos fora, fui para a Academia Militar aos 18 anos, mas gosto muito do campo, gosto mais de campo do que de praia. Era capaz de viver no campo num sítio calmo. Vivo na cidade, mas durante o ano vou apenas meia dúzia de vezes ao centro de Lisboa. Faço a minha vida no escritório da minha casa e passeio em sítios junto ao rio, faço uma corrida ou uma caminhada com a minha mulher.

O que gosta de fazer extra serviço militar?

Além de praticar desporto por hábito e gosto, tenho uma ligação à universidade e sou investigador no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, sou professor de um doutoramento do ISCTE em colaboração com a Academia Militar, colaboro com algumas formações na Universidade Nova e tenho por bom hábito ler. Sou professor do seminário de Estudos de Segurança e Defesa e acompanho o estado do conhecimento. Vou acompanhando com muita atenção tudo o que se relaciona com artigos e livros sobre estratégia e forças/operações militares. Tenho hábito de ler e armazenar o que mais tarde me pode vir a fazer falta.  Faço o mesmo em relação à História Contemporânea de Portugal para manter o bom hábito de publicar regularmente artigos em revistas indexadas.

Afinal quem é o Coronel Machado Barroso?

Não sou a melhor pessoa para falar de mim. Mas sou um homem do povo, filho de um militar da GNR, que foi sargento-chefe e a minha mãe é doméstica. Tenho duas filhas, uma com 26 anos licenciada em Bioquímica, mestrado em Biotecnologia no Instituto Superior Técnico e que agora está a fazer o doutoramento na Alemanha em Biotecnologia relacionada com genética. E outra de 18 anos, que está a estudar no 12º ano no Colégio Militar. A minha mulher é professora de Educação Especial e também é do povo, filha de uma doméstica e de um soldado da então Guarda Fiscal.

Teve outra vocação que não fosse militar? Como despertou essa vocação?

O meu pai influenciou-me a concorrer à Academia Militar. Fui e gostei. Uma pessoa de quem muito me orgulho, tê-lo visto ascender de soldado a sargento-chefe envolveu um esforço familiar importante e, desde o segundo ano do ciclo quase nunca estive com o meu pai, que andou sempre por fora ou em cursos ou em funções pelo País. Aos 18 anos a vocação que temos é salvar o mundo e os pais influenciam muito os filhos por vários motivos, ou porque veem os pais a estudar ou porque veem os pais a fazer um esforço que tem de ser compensado pelo nosso esforço para não os desiludir.

Como militar enfrentou algum cenário complicado?

Nunca estive envolvido em combate, portanto não tive felizmente cenários complicados. Mas há funções que exigem mais responsabilidades do que outras. Provavelmente aquela que me exigiu mais responsabilidade porque não era só o Luís Barroso que estava em causa, mas também o Exército e o País, foi a minha função na NATO onde era chefe de uma secção responsável pela estratégia e obtenção de informações na área de implementação Norte. Ou seja, tudo o que fosse acima da Ucrânia era responsabilidade do quartel-general onde estava inserido e a minha função, dentro da divisão de informações, era propor ao general comandante da Joint Force Command Brunssum as necessidades de informação que geravam os pedidos de pesquisa dos países membros da NATO.

A função era bem na retaguarda, mas em termos de responsabilidade institucional foi provavelmente a mais relevante. E agora esta minha função como comandante do RAME. Tenho o dever de tutela dos meus subordinados, tenho de os preparar para o cumprimento da sua missão e tenho a responsabilidade de perante o meu comandante, o General Comandante das Forças Terrestres, garantir-lhe que a unidade está pronta.

Comandante do RAME, o coronel Luís Machado Barroso. Créditos: David Belém Pereira

É doutorado pelo ISCTE em História, Defesa e Relações Internacionais, cumpriu missões pela NATO, regressou a Portugal. Tem filhos. Falta-lhe plantar uma árvore ou escrever um livro?

Não. Livros já escrevi vários. Brevemente será lançado um livro sobre a guerra colonial e a relação da África do Sul com a Guiné. Para além desse livro tenho a minha tese de mestrado ‘Salazar e Ian Smith: O Apoio de Portugal à Rodésia’ que na altura foi inovador porque praticamente ninguém se tinha debruçado sobre o tema. E o livro da minha tese de doutoramento ‘Salazar, Caetano e o Reduto Branco: A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974)’. Fui coordenador de um livro que é uma homenagem ao General Cabral Couto, uma referência da estratégia em Portugal. Também fui coordenador de um livro sobre estudos estratégicos e sou autor de vários artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Como resultado disto tenho recebido alguns prémios científicos. Já recebi dois do ISCTE, recebi prémio de Defesa Nacional com a tese de doutoramento, e do Jornal do Exército por um artigo que escrevi.

Quanto a árvores também já plantei, e gosto de jardinagem. Na Amadora não tenho jardim, mas temos muitas plantas. Em Trás-os-Montes ajudei o meu pai a plantar oliveiras e maceiras.

O que é que lhe falta fazer?

Falta-me conhecer o resto do mundo. Só conheço uma parte.

Qual a sua maior ambição?

É ser feliz. É estar bem comigo próprio, conforme estou hoje. No fundo, é manter-me assim.

Paula Mourato

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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