Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa. Fotografia. mediotejo.net

Não há volta a dar e a dissolução da Tejo Energia está já a ser tratada em tribunal, garante Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa, que detém 44% do consórcio que gere a Central do Pego. “Não foi nenhum amuo de namorados, é um desentendimento que se arrasta há dois anos e, sem consenso possível, a única solução era esta”, explica em entrevista ao mediotejo.net, no gabinete da sede da empresa em Portugal, em Paço de Arcos. Num tema de grande complexidade, o ponto da discórdia pode ser resumido numa palavra: biomassa. “Nem toda a mata existente em Portugal chegaria para produzir energia por mais do que meia dúzia de dias”, insurge-se, folheando estudos internacionais que corroboram as suas afirmações. Para a Endesa estava fora de questão investir nessa área numa estrutura com a dimensão do Pego. “Aquela Central é um dragão!”, reforça. E um dragão não se alimenta com “meia dúzia de gravetos”.

A vida dá muitas voltas. A primeira vez que Nuno Ribeiro da Silva teve de lidar com o tema “escaldante” da Central do Pego estava em funções muito diferentes das que exerce hoje. Era assessor do Secretário de Estado do Ministério do Ambiente (cargo que exerceu em 1985-86, no primeiro governo de Cavaco Silva, assumindo depois o cargo de Secretário de Estado da Energia, entre 1986 e 1991) e recorda bem “a fúria da população” numa Assembleia Municipal em Abrantes, onde Carlos Pimenta procurou explicar “as vantagens que a Central teria” para a região. Discutia-se o problema da poluição e do impacto visual daquelas grandes chaminés, acima de tudo.

“Não deixa de ser irónico que hoje a população se insurja ao contrário, e que sejamos nós a defender que aquelas torres devem ir abaixo”, comenta.

Recusando usar a palavra “desmantelamento” quando se refere à obrigatória mudança de ciclo de vida da Central do Pego, que deixará de operar a carvão em novembro deste ano, assume que grande parte daquela estrutura será para ir abaixo, mesmo que a Endesa não venha a ter uma palavra a dizer na estrutura acionista de quem ali continuar a produzir energia – isto porque o Ministério do Ambiente anunciou que vai levar a concurso público, em setembro, aquele ponto de injeção na rede elétrica nacional, apesar de os sócios maioritários na Tejo Energia [a Trustnenergy, composta pelos franceses da Engi e os japoneses da Marubeni] manterem que estão no seu direito legal de manter a exploração, mesmo sem o acordo da espanhola Endesa, posição que já haviam manifestado e que reforçam hoje num artigo no Público.

“Temos obrigações a cumprir com o país e com a população, e não deixaremos de as assumir. É como ter um filho, não é um divórcio que nos liberta das obrigações que temos como pais. É preciso limpar todos aqueles terrenos, e isso levará pelo menos 3 a 5 anos. Além disso, temos 50% da operação de gás por mais 20 anos [através da Elecgás, Central de Ciclo Combinado que produz electricidade utilizando como combustível o gás natural], vamos permanecer sempre no Pego, de forma responsável”, garante.

Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa. Fotografia. mediotejo.net

PERFIL Nuno Ribeiro da Silva é mestre em Economia, Política e Planeamento Energético pela Universidade Técnica de Lisboa, após ter cursado Engenharia e Economia. É professor universitário desde 1983, tendo exercido funções directivas no Instituto Superior de Economia e Gestão, onde é professor catedrático convidado. De 1985 a 1996 exerceu cargos políticos, tendo sido assessor do Secretário de Estado do Ambiente (1985-1986), Secretário de Estado da Energia (1986-1991), Secretário de Estado da Juventude / Presidência do Conselho de Ministros (1991-1993) e deputado à Assembleia da República (1992-1996). Foi Presidente do Conselho de Administração da Partex, administrador da Somague e do OMIP (Mercado Ibérico). É Presidente do Conselho Estratégico Nacional do Ambiente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), vice-presidente da direção da AIP e membro do Conselho da Indústria Portuguesa, conselheiro do CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e pertence a órgãos sociais de várias instituições ligadas à Energia e Ambiente (Conselho Mundial Energia; Associação Portuguesa de Energia; Associação Portuguesa de Energias Renováveis; Sociedade Portuguesa de Energia Solar; International Institute of Energy Economics, entre outras).

A Tejo Energia ainda existe? Há ainda alguma possibilidade de o consórcio apresentar uma proposta de consenso ao Governo, para prosseguir a exploração da Central do Pego?
Não. Infelizmente durante dois anos andámos [Endesa] muito empenhados em encontrar um consenso e uma ideia de futuro para a Central com os outros accionistas e efetivamente não conseguimos. O processo de reconversão daquela central representa um investimento de muitas centenas de milhões de euros e terá de ser um projeto que, no quadro das transformações do setor energético – como eu nunca conheci, e ando nisto há mais de 40 anos –, seja uma solução o mais sustentável possível, sob o ponto de vista ambiental, económico e temporal. Não se pode fazer um investimento desta envergadura para uma operação de “toca e foge”, tem de ser um projeto com um horizonte de mais décadas e dentro o quadro do que, gostemos ou não, são os quesitos hoje da política energética, da política ambiental, cumprindo com as obrigações do governo português a nível europeu, ao nível de descarbonização e da utilização preferencial de um painel de tecnologias que são hoje as aceitáveis e mais desejáveis, no contexto internacional.

E a biomassa não faz parte desse leque de tecnologias, no entender da Endesa? Esse foi o principal ponto de discórdia entre os acionistas, certo?
Sim. É o principal ponto de discórdia. O nosso sócio aponta como âncora do projeto para a Central a reconversão para a queima de biomassa, o que, no mínimo, é uma utopia. Não entendo como é que empresas de insuspeita capacidade técnica fazem finca pé nesse caminho. É reconhecido – mesmo nos trabalhos que foram encomendados pelo nosso sócio –, que a biomassa, em primeiro lugar, não existe. Não existe em quantidade suficiente para aquela Central. Não é “acho eu de que”, é “não existe”, ponto. Mesmo que pusesse camiões a circular, a apanhar gravetos de Rio de Onor a Valença do Minho, a Castro Marim, à ponta de Sagres, tinha biomassa, quando muito, para alguns dias do ano. Ora, isto não é dar futuro à Central, não é dar futuro aos trabalhadores, não é dar futuro à região. 

Creio que os estudos de viabilidade apontam para a possibilidade de funcionamento a biomassa durante três meses por ano.
Podem importar, usando o porto de Sines, e vir biomassa da América Latina, ou onde foram cortar árvores.

Mas também não seria ambientalmente sustentável.
Claro… e já lá vou. Mas mesmo que importassem massivamente, o custo médio de geração de um megawatt/hora nunca ficaria abaixo de 140 a 170 euros. Ora isso é o triplo dos preços praticados, mesmo com os valores atuais – que estão em recordes históricos desde que existe o mercado ibérico (há 20 anos). O preço médio do mercado grossista diário esteve esta semana a 98 euros. Mas o preço médio costuma ser na ordem dos 35 a 45 euros. Ora como é que eu – mesmo que o Governo quisesse – estando proibido de voltar às “feed in tarifes”, portanto de voltar a ter o sistema elétrico todo e as pessoas todas a pagarem o diferencial entre os 50, 60 ou 70 euros [pago pelo mercado] e os 140 ou 170 euros [de custo de produção]… qual é o racional? Como é possível?

Não há recursos, efetivamente, e não é conversa dizer que há muita mata no concelho, na região, no país, ou falar da prevenção de incêndios… quando era Secretário de Estado da Energia [anos 90] já se falava na questão dos incêndios e fiz com o Álvaro Amaro, que era Secretário de Estado da Agricultura, um mapa para a recolha da mata e da lenha ardida por todo o país. Não deu em nada. No governo seguinte fui Secretário de Estado da Juventude: punha nos ATL’s de verão verbas para pagar a jovens para irem limpar mata… o que agora é exigível por lei… mas ninguém aparecia. Uma Central de 600 MegaWatts? Aquilo é um dragão…! Não é uma salamandra que se contenta com meia dúzia de gravetos. E não tenho nada contra a biomassa. Eu criei o Centro de Biomassa para a Energia, que continua vivivinho da costa em Mirando do Corvo, e que certifica o poder calorífico dos biocombustíveis, etc., e é o centro de conhecimento sobre biomassa a nível nacional.

E a uma escala mais pequena, faz sentido? A Endesa também tem centrais de biomassa em Espanha, ou já não?
Fez-se uma central de biomassa na Galiza, por obrigação do governo espanhol, e as conclusões foram contundentes… mas sim, a uma pequena escala pode fazer algum sentido. Eu também estive envolvido em 1985, quando estávamos a negociar a adesão à União Europeia, num projeto que era o Valor N – Valorização dos Recursos Energéticos Endógenos. Aí fizemos um programa de centenas de pequenas estações para a queima de biomassa para aquecer escolas, pelo país fora. Mas não tem nada a ver com uma coisa desta escala. E vejamos… cereja em cima do bolo disto tudo: se olharmos para as conclusões dos documentos todos que foram produzidos por Bruxelas no âmbito do chamado “Fit for 55”, para atingirmos as metas de descarbonização defendidas para Europa, as centrais de biomassa não são consideradas para entrarem na contabilidade  para a descarbonização e no contributo dos países para a quota de renováveis a que se comprometeram! Não sejamos negacionistas.

Mas, como diz, os sócios da Endesa na Tejo Energia são empresas de reconhecido mérito, com que interesse então insistem nesta solução, em seu entender?
Não compreendo, sinceramente.

Terá a ver com o facto de a Marubeni [acionista japonês na TrusEnergy/Tejo Energia] ser um dos maiores produtores mundiais de biomassa?
Terá de lhes perguntar.

De qualquer forma, a proposta da Tejo Energia – ou dos acionistas maioritários, a TrustEnergy – já não se baseia apenas na biomassa, envolve também a exploração de outras fontes de energia renováveis. 
Sim, agora têm outras componentes. Mas a âncora do projeto continua a ser a biomassa, e não tem qualquer sentido.

A Endesa vai portanto aguardar pela abertura do procedimento público do governo e concorrer com um projeto próprio?
Sim.

As apostas da Endesa na reconversão do Pego passam pela fotovoltaica, eólica e também hidrogénio verde?
Sim. A aposta é num complexo de acumuladores de baterias e na disponibilização de hidrogénio verde na região. A nossa proposta é instalar vários pólos de produção de hidrogénio junto de zonas industriais, para se fazer a substituição do gás natural ou até do hidrogénio “sujo” por hidrogénio “limpo”, e isso também será uma mais valia para a competitividade da região e inclusivamente para a instalação de novas empresas e novas atividades.

Falamos de zonas empresariais como a da Daimler/Mitsubishi, no Tramagal, por exemplo?
Sim. E da indústria do papel, como a Altri (Caima), ou de empresas como a Renova, tudo isso.

Mas o hidrogénio verde também é mais caro que o gás, certo?
É mais caro, sim. Mas dentro dos planos da União Europeia, e considerando que tem um papel importante em certos nichos, sem o qual esses nichos não poderão descarbonizar, haverá compensações para que se faça essa transição. A Endesa já está a trabalhar nisso em Itália e em Espanha.

E como prevê a Endesa acomodar os trabalhadores existentes nestes novos projetos? O Ministério do Ambiente já revelou que a manutenção dos postos de trabalho fará parte do caderno de encargos do concurso público a lançar.
Trataremos de honrar esse compromisso e nem sequer vemos isso como um problema, porque metade desses trabalhadores continuarão a fazer o mesmo que fazem hoje, na parte do gás. Os restantes, trataremos de lhes dar formação adequada para outras funções. E também haverá muita criação de emprego para limpar toda aquela zona, como lhe disse são 3 a 5 anos, pelo menos, para a desmontagem e limpeza de tudo aquilo. Será trabalho de curto prazo, é certo, mas haverá muito trabalho para fazer. E depois, a par disto, também faremos um investimento muito grande em desenvolvimento e investigação de todas estas tecnologias, com parcerias com pólos universitários, na área do solar, ao eólico, do hidrogénio, do elétrico, das baterias, dos eletrolisadores, que é mil vezes mais rico do que aquilo com que temos estado a lidar. E quer queiramos quer não, as tecnologias ultrapassadas não podem continuar, temos é de preparar as pessoas, formá-las e ajudá-las a agarrar estas oportunidades de futuro.

Patrícia Fonseca

Sou diretora do jornal mediotejo.net e da revista Ponto, e diretora editorial da Médio Tejo Edições / Origami Livros. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

Entre na conversa

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *