Nuno Barroso, em Riachos, Torres Novas. Foto: Rafael Ascensão/mediotejo.net

Diz ser descendente, pelo lado materno, da dinastia Afonsina, a primeira de Portugal, e assumiu recentemente a responsabilidade da Casa Real de Borgonha, passando a usar o título “Dom”. Nessa qualidade, Nuno Barroso tem feito comunicações ao país, mas os portugueses continuam a vê-lo sobretudo nos palcos, a exercer um outro “dom”, o que recebeu do pai, Pedro Barroso. Com quase 25 anos de carreira, sempre guiado por uma “enorme paixão” pela música, pela criação, pelo ato de oferecer-se à cultura portuguesa, diz que sente ser esta a sua “missão espiritual de vida”.

“Eu sou o mesmo de sempre, sou aquele que olha para a vida de forma diferente, que é crítico e, ao mesmo tempo, construtor. Sou um construtor na sociedade através da arte, da cultura e da filosofia do pensamento humano”, apresenta-se-nos, durante uma afável conversa no restaurante Mama Mia, em Riachos, terra onde toda a gente o conhece, assim como toda a gente conhecia ao seu pai, bem como o seu avó, António Chora Barroso, que dá nome à escola da vila de Riachos, no concelho de Torres Novas.

Para si, a recuperação de património histórico e identidade cultural portuguesa assume um peso (cada vez mais) preponderante. O exemplo mais recente pode ser ouvido no single “Ai Flores do Verde Pino”, do rei trovador D. Dinis, mas antes disso já havia recuperado “A Ceifeira”, de Fernando Pessoa, com o qual quis criar “um ambiente de amor ao Ribatejo, às raízes e tradições regionais” que o acompanham desde sempre.

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Nuno Barroso gostar de ir à história buscar a inspiração para depois refazer o conceito e recriar algo que é “nosso, português e que faz parte do cancioneiro”, pelo que este novo single vem um pouco na sequência de pensar raízes e tradições, ao mesmo tempo que pretende também recuperar “poetas antigos portugueses que merecem ser recuperados”. O seu pai, Pedro Barroso, também já tinha cantado este poema, assim como Ana Laíns, outra artista da região (Montalvo, Constância), de uma forma mais lenta. Mas Nuno Barroso defende que, em termos de arquitetura musical, a canção se trata de uma roda, uma dança, pensada a propósito da música medieval feita naquela altura, pelo que da forma como musicou a canção “fica assim com um conteúdo mais alegre, mais de entretenimento e mais de dança”.

No videoclipe, gravado no Convento de Cristo, participam as Trebaruna, um grupo de danças medievais ligada à Thomar Honoris, associação templária de Tomar, sendo que “todo o vídeo é envolvido num espírito ancestral”. A obra surgiu também numa sequência “espiritual e de homenagem” ao legado de D. Dinis, enquanto poeta e trovador, apesar de ser comummente conhecido pelo cognome de lavrador. “Fez muitas canções, a maior parte não está musicada, e esta foi uma forma de homenagear alguém muito antigo e ancestral da minha família”, revela.

“Dom” Nuno Barroso… de onde surge esta linhagem real?
A linhagem surge da minha parte familiar materna. Somos da casa real afonsina, ou seja, da primeira dinastia de Portugal – Portugal teve nove. A Casa de Borgonha sou eu que estou a representar em Portugal, através de um acordo familiar. É uma casa que tem a curiosidade de ter nove pessoas que foram reis em Portugal, e envolve muita gente. Na nossa ordem associada templária, Ordem do Templo da Casa Real Afonsina, há mais de cem pessoas, é uma casa de Lordes também associada ao templarismo e à nobreza antiga portuguesa. E vamos assim promovendo às vezes jantares convívio, coisas culturais, objetivos sociais de benefício para a sociedade, é uma instituição. Envolve projetos de âmbito social, com uma família carenciada no Porto, por exemplo, projetos de apoio a membros da sociedade que precisam, projetos de recuperação de património histórico e cultural, como é o caso deste cancioneiro, porque a identidade nacional precisa de ser reforçada, precisa de apoio, o amor à história de Portugal também precisa, de facto. Vivemos um período onde a identidade está muito fragilizada pela colonização da cultura anglo-saxónica.

A Casa de Borgonha, também designada como Afonsina (por ter quatro soberanos com o nome de Afonso) foi a primeiradinastia do Reino de Portugal. Começou em 1096, ainda como condado Portucalense, e durou até 1383, quando a Casa de Avis assumiu o trono. A Casa de Bragança viria a reinar após a restauração da independência, em 1640, e Duarte Pio é reconhecido como atual chefe dessa Casa e, por inerência, da Casa Real portuguesa.

Considera que Portugal se está a esquecer da sua história. Os artistas têm um papel a desempenhar nessa matéria de preservação identitária nacional?
Obviamente que sim. A música e a canção, e a poesia e arte são uma fonte de afirmação muito grande dentro daquilo que representa a identidade e a cultura do país. A identidade reflete-se através da cultura e das tradições, e portanto a música não foge à regra. E se a cultura não apoia a identidade nacional, nem a identidade nacional apoia a cultura, é porque há um divórcio complexo que vai provocar mais tarde ou mais cedo um vazio de identidade e de cultura nas gerações vindouras, que já está criado por irresponsabilidade do ministério cultural e dos nossos governantes, que não têm seguido um rumo de política que apoie jovens e encaminhe-os dentro da valorização da sua própria história, mas sim, tem por vezes até criado bloqueios aos criadores e tendências que é para aniquilar precisamente a história portuguesa e a identidade nacional. Porque esse é um objetivo político da Europa, que é desvanecer as culturas europeias, para criar uma identidade única entre a identidade europeia, e a nacionalidade supostamente é um ataque às tradições, às culturas, a estratégia passa precisamente pelo diluir da história, a negação da sua própria cultura, os seus feitos, as suas tradições, não só na arte mas também na gastronomia e em todo o lado. Interessa é a formatação de uma sociedade para termos uma forma de pensar formatada e assim mais bem controlada. As nações neste momento são um alvo a atacar assim como as suas próprias culturas. Espanha, que é um reino, tende a proteger-se melhor desses ataques externos, precisamente porque tem uma política de defesa de soberania nacional, que tende a defender a identidade e a cultura. Assim como Marrocos, que também é mais defendido nesse aspeto, que também é um reino, aqui ao lado, estamos rodeados de dois. A República vai-se limitando aos apoios internacionais, e por isso está totalmente dependente da vontade internacional.

“Sou monárquico acérrimo e representante de uma casa real. Sou democrata, acredito na valorização de uma verdadeira democracia (…) não acredito em ditaduras, acredito nos valores de tolerância, de verdade e honestidade, e também nos valores de Portugal. E esses sim, estão a ser diluídos com esta desresponsabilização, esta anarquia de hierarquia”

Foto: Rafael Ascensão/mediotejo.net

Além da linhagem real, é portanto um monarca acérrimo
Sou monárquico acérrimo e representante de uma casa real. Sou democrata, acredito na valorização de uma verdadeira democracia, assim como vários países o têm, como a Inglaterra, Dinamarca, Holanda, a maior parte dos países do Norte da Europa, os mais ricos, são monarquias constitucionais, como é lógico. Não acredito em ditaduras, acredito nos valores de tolerância, de verdade e honestidade, e também nos valores de Portugal. E esses sim, estão a ser diluídos com esta desresponsabilização, esta anarquia de hierarquia. Portanto, é de facto uma postura social que não tenho medo nenhum de dizer, é o que é. Falei com a família e tive autorização para tocar num assunto que era tabu, ninguém sabia que a família tinha descendentes. Faço orgulhosamente parte da Associação Salgueiro Maia e de outras instituições, como a ASSINPREC (Associação Internacional de Prevenção Civil), portanto trabalho em várias áreas, fui autarca, sempre tive uma vida de ação política, como independente, não posso ser partidário de coisa nenhuma uma vez que não me identifico com o sistema republicano. Mas posso trabalhar socialmente, fui presidente do Rotary Club de Mafra, mais uma instituição de valor social acrescentado, e portanto sabemos o que é que estamos a fazer. A associação Afonso Henriques está neste momento a ser constituída, para ter uma ação concreta em diversos projetos de recuperação de património histórico e cultural, e a intenção é colmatar este vazio que há na identidade, e que é importante. E depois logo se vê, com muita calma, não há aqui nenhuma ansiedade, o problema é que Portugal está recheado de escândalos de corrupção, todos os dias se ouve falar de mais um ou outro e é transversal, é da esquerda à direita e é da direita à esquerda, portanto não temos aqui nenhum interesse partidário nem coisa nenhuma. O único interesse é a defesa do património histórico, cultural e da identidade nacional, mais nada.

“A história tem alturas onde tem que acontecer, onde há confronto de ideias e embate de civilizações e é mesmo isso. E nós somos precursores deste espírito universalista até, deste espírito de conhecimento, de cruzamento cultural, e devemo-nos orgulhar disto”

Acha que esta pouca valorização do património histórico português pode estar algo relacionada com uma certa cultura de “cancelamento”?
Eu não veja dessa forma. Vejo a desresponsabilização do amor a Portugal, desresponsabilização da valorização do trabalho histórico e cultural, porque a tendência é precisamente essa. A tendência da República – vamos ser sinceros – é precisamente o diluir e atacar tudo o que é monumentos, tudo o que é ligado por exemplo aos Descobrimentos, o que está errado. A história tem alturas onde tem que acontecer, onde há confronto de ideias e embate de civilizações e é mesmo isso, e nós somos precursores deste espírito universalista até, deste espírito de conhecimento, de cruzamento cultural, e devemo-nos orgulhar disto.

E a música – e mais concretamente os artistas – devem portanto desempenhar um papel mais preponderante neste reafirmar do orgulho nacional e preservação da história portuguesa?
Penso que sim, penso que temos de ter a responsabilidade. A língua portuguesa é uma língua falada por à volta de 300 e tal milhões de pessoas, em comunidades desde Angola, Brasil, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Portugal, Macau, Timor, e ainda as comunidades portuguesas espalhadas por esse mundo fora. Em França era “só” mais um milhão. Portanto, há aqui algo que tem de acontecer e que tem sido desprezado pela própria suposta metrópole, que hoje em dia já não somos nós. Neste momento a cultura de português vive no Brasil. Claro que o português deles é diferente, foi-se alterando algumas coisas. O que nós pensamos é que este património histórico da língua portuguesa deve ser mais preservado e mais acarinhado pelos artistas. E se assim for, Portugal sai reforçado, e a sua língua também. Se não, caso contrário, acabaremos, mais tarde ou mais cedo, por deixar acontecer o tal diluir da nossa história e da nossa cultura, e da própria língua. Portanto [os artistas] têm um papel mais que fundamental. São todos embaixadores da língua portuguesa e desta maravilhosa pátria, que é pátria também da língua portuguesa, que não é, nem habita exclusivamente em Portugal continental, se não seríamos, aí sim, os tais supostos colonialistas. É uma realidade, é uma língua falante com mais de 300 milhões de pessoas, e temos de a saber honrar e preservar. Nós temos que entender que de facto Portugal precisa de se preservar, em diversos valores, e principalmente na língua portuguesa. A própria língua é um património inesgotável de riqueza, de poesia, de cultura, de literatura.

Foto: Rafael Ascensão/mediotejo.net

“Às vezes temos a tendência de pensarmos que Portugal é um centro. Não é centro nenhum, é ao contrário até, por vezes. Somos o reflexo histórico de algo muito superior a nós próprios”

Essa ideia de preservação nacional não parece ser consensual no meio artístico… Será possível chegar a um “meio-termo”?
Acho que não. Não tenho também o mínimo de interesse. Posso explicar o meu conceito – sempre fiz isto, desde os Além Mar que faço isto, que falo sobre estes assuntos, os Além-Mar sempre tiveram a ver com isto também [até pelo próprio nome] – portanto é uma sequência do meu trabalho natural e isto como eu digo é uma missão espiritual para mim também, de entrega, e de valorização da nossa língua. Atenção que eu gosto de cantar noutras línguas, canto em espanhol, lancei álbuns em Espanha, cantei pelo mundo fora, mas de preferência gosto de cantar em português. Também gosto de cantar em inglês, como vivi em Inglaterra e estudei lá na universidade, mas de vez em quando lanço uma música em inglês só por uma questão de gozo, ou em espanhol. Portanto, não sou nenhum fundamentalista. Abraço o mundo mas sou português. Quando o abraço não me esqueço das nossas raízes, o que é importante. Acho que os músicos deviam apoiar mais a língua portuguesa, mas essa transição pela qual tenho lutado desde sempre, tem vindo a alterar-se. Antes, 99% das bandas cantava em inglês. Agora já começam a perguntar o porquê. Em Inglaterra ninguém canta em português. Se ouvires uma rádio, fazes um zapping em Inglaterra e provavelmente não vais ouvir ninguém a cantar em português. O que faz sentido é os países apoiarem-se a si próprios. E Portugal durante muitos anos virou as costas a si próprio, panorama que agora está a melhorar. Mas isto foi complicado. Ainda há muitos problemas nas rádios nacionais de apoiarem a música de teor português. 

Voltando ao tema inicial, já homenageou Fernando Pessoa (A Ceifeira) e D. Dinis (Ai Flores de Verde Pino), alguma próxima música que esteja na calha para honrar algum poeta?
Acho que sim. Não sei se será com o mesmo género de música. O Zeca Afonso também lembrou o Luís Vaz de Camões. Camões é o nosso grande maior, portanto obviamente faz parte deste leque. Eu gosto muito de cantar este género de música [dito isto brinda-nos com um canto dos versos “Verdes são os campos // De cor de limão // Assim são os olhos // Do meu coração]”.
Penso que Luís Vaz de Camões está na calha para qualquer coisa. Já estou com um olho virado para o Camões [risos] e assim fico ali com três ou quatro [poetas homenageados]. Depois a Pedra Filosofal, acho que também deve ser cantada de novo, com um arranjo novo. É a minha música, tem que ser um bocado diferente, se não também não tenho input nenhum. E já estar a fazer isto, já é estar a “perder tempo meu”, que eu sou um criador, tenho muitas criações próprias, minhas, para fazer. Mas fica ali uma mensagem para o futuro de que isto é importante, fica para sempre. Se as pessoas gostarem, gostam, se não gostarem, que se lixe, mas fiz. Deixei uma mensagem para o futuro, para as gerações vindouras, e de certa forma o que nós podemos fazer é também deixar uma mensagem, um legado, e estas produções também têm muito a ver com isso. Neste caso, é um legado que junta o Ribatejo a grandes poetas portugueses. Tenho que gravar aí muita coisa, tenho criado muito, feito muitas canções, e é complicado porque que não dá para gravar tudo, não há retorno dos projetos. Isto é uma entrega que fazemos à sociedade. Acho que as pessoas às vezes não percebem muito bem isso.

Foto: Rafael Ascensão/mediotejo.net

Quero deixar um legado que junta o Ribatejo a grandes poetas portugueses. Tenho criado muitas canções e é complicado porque que não dá para gravar tudo, não há retorno dos projetos. É uma entrega que fazemos à sociedade. Acho que as pessoas às vezes não percebem muito bem isso.

Muitas das produções artísticas ainda se fazem por “carolice”, sem terem o devido retorno?
Sim. E têm cada vez menos retorno. Então nestes dois anos [de pandemia], criou-se muita coisa mas não houve retorno nenhum, foi muito complicado. 

São já mais de 20 anos de carreira. Como acompanhou esta evolução do panorama musical português e no mundo?
Teve fases, e penso que tudo isto tem também a ver com a indústria da comunicação social, do apoio que dão a determinadas editoras ou a determinados estilos musicais. A televisão é corriqueira nos apoios, normalmente. Rege-se com falta de programas de música ao vivo, as escolhas ao sábado e domingo à tarde, aquilo também… eu acho que toda a gente tem espaço na música portuguesa, a de entretenimento, a mais brejeira, e a mais intelectual. Só que falta inserção de música na televisão que não seja só música de ocasião, no estilo dos “Ídolos”, ou destes programas só de interesse de audiências momentâneas.

Vivemos numa época em que tudo é efémero e nada se prolonga, nada se sustém em algo concreto. Portanto está-se a criar uma sociedade metafórica, efémera, vazia de conteúdo, e muito binária ou quaternária, em que tudo se transforma basicamente no mesmo, onde o sentimento é negado –passa para segundo plano – para existir a estrutura mecânica de venda. E com isso eu não me identifico. Eu tenho vários problemas, além de ser uma pessoa crítica socialmente e de não esconder aquilo que penso, às vezes faço confusão porque penso um bocadinho fora do contexto ou daquilo que é o normal da sociedade portuguesa. Mas eu de facto sinto que este caminho pode ser transformado. Como aliás já se transformou para melhor noutros anos, falando precisamente nesses problemas. Abordando as situações, a cultura pode melhorar. Assim como o ensino na música tem neste momento mais academias de música por todo o país, assim como o problema dos auditórios foi também trabalhado, e hoje em dia temos auditórios de qualidade em todo o país… portanto, nem tudo é mau. Tem é que se começar a trabalhar mais o lado da arte e menos o lado venda, porque às vezes a arte não está muito associado àquilo que vende momentaneamente, mas a arte fica, aquilo que vende depois desaparece, torna-se mais corriqueiro, portanto tem de haver aqui um ponto de encontro e um plano de orientação para a cultura portuguesa, que é uma coisa que não tem havido muito, sinceramente. Falta interesse político e vontade política, porque o orçamento também do Ministério é menos de 1%. Um país que não valoriza a cultura é um país que não se valoriza a si próprio, e infelizmente, durante muitos anos nem Ministério da Cultura tivemos, portanto… não te podias queixar a ninguém, e agora mesmo tendo Ministério, nesta fase tão complexa que todos passámos, vai dar ao mesmo. A política cultural carece de organização, profissional e artística. Assim como o estatuto dos profissionais da arte é uma vergonha.

Há uma falha na valorização dos artistas?
Completamente. Um artista que nasça nos Estados Unidos tem logo uma amplitude de mercado muito grande e ganha milhões. Há um grande desfasamento entre os valores e interesses da nação, que não têm muito interesse em valorizar membros da classe artística porque podem ser perigosos, se pensarem. Portanto são uma ameaça à política, porque são críticos, porque são pensadores, filósofos, são incomodativos. Mas essa também é a função do próprio artista pensador, porque há o artista que não é pensador, é só performer. Eu, graças a Deus, não me envolvo muito nessa classe. Sou um artista, sou um compositor, e sou um filósofo da arte, é diferente. Mas como gosto de pensar – eu e muitos –, tornámo-nos um pouco incomodativos, e isso às vezes não interessa ao Ministério.

Há um grande desfasamento entre os valores e interesses da nação, que não têm muito interesse em valorizar membros da classe artística porque podem ser perigosos, se pensarem. Portanto são uma ameaça à política, porque são críticos, porque são pensadores, filósofos, são incomodativos

Foto: Rafael Ascensão/mediotejo.net

Atualmente, Portugal está bem servido artisticamente nesse aspeto “incomodativo”? Ou está menos bem servido do que já esteve há uns anos, por exemplo na geração do seu pai, Pedro Barroso?
Não. A geração do meu pai veio de uma transição política muito grave. Da segunda República para a terceira houve ali um movimento com canção de intervenção, portanto é uma coisa específica de política social e de que “a canção é uma arma”, não tem nada a ver. Estamos a falar de outros tempos. As transferências sociais ajudam sempre à criação. De certa forma existe sempre um processo criativo mais intenso em processos de transição social. A própria arte está associada à transformação da sociedade e vice-versa.

Portugal está então bem servido “filosoficamente” com o panorama artístico atual?
Não. Acho que temos de colocar a fasquia mais alta. Temos de tentar todos recuperar património português, cultural e fazer desenvolver o futuro para a construção de um Portugal melhor. Mas é de um Portugal, não é uma União Europeia vazia de identidade.

Tendo mencionado o seu pai… as carreiras sempre foram paralelas, mas como é ser filho de Pedro Barroso? Sentiu algum “peso”?
Cresci já com isso. Quando comecei a minha carreira a solo é que começaram a perguntar. Mas sempre fiz a minha carreira muito independente, eu valorizo muito a arte. Toquei muitos anos com o meu pai, sempre tentei ajudá-lo naquilo que podia, nos concertos e nas coisas que ele queria, e valorizei-o. Ele entregou 50 anos da vida dele à arte e à cultura, merece todo o respeito. Um criador de excelência, um poeta de excelência. Tenho muito orgulho, fez trabalhos de excelente qualidade, um enorme escritor de canções, uma pessoa incrível, um criador muito bom, um grande cantor com uma voz fabulosa. Honro-o de vez em quando nos espetáculos ao vivo, cantando alguns temas. Fiz “O Último Trovador” em homenagem também ao meu pai [vídeo em baixo]. Ganhou vários prémios, foi uma pessoa da cultura de enorme valor em Portugal e era um ribatejano ilustre. Foi um grande cantautor e merece reconhecimento. Foi agora reconhecido a título póstumo com a Comenda da Liberdade, que devia ter sido entregue em vida. Nós, portugueses temos a tendência de valorizar as pessoa quando morrem e não quando estão vivos.

Como analisa o panorama musical e artístico na região?
Acho que os músicos se devem unir mais, foi essa a intenção do projeto Almonda, foi criar uma união e um sinal de esperança numa época onde não nos podíamos se quer praticamente juntar. Vou ser sincero, os músicos sofrem às vezes de um problema de falta ou de gosto ou de perceção de que as coisas se fazem caminhando juntos, o Ribatejo é muito desunido na comunidade musical. Portanto foi um milagre ter-se conseguido juntar aquela gente toda [Os Almonda]. Também um pouco por respeito a mim e ao meu pai, mas fizemos uma homenagem bonita, e manteve-se a homenagem ao Ribatejo com a concretização do projeto Almonda, portanto só tenho a agradecer ao público que nos apoiou e tem apoiado neste projeto, atendendo a que percebem o que é que se está ali a fazer, que isso já é um pouco o legado do meu avó, que era um escritor também regionalista que eu achei que era importante não deixar morrer, que é o amor às tradições, às regiões. Não estou a dizer que vá durar para sempre, não sei, não faço ideia, enquanto eu tiver vontade e força para estar num projeto também assim, porque, tal como digo, estou a tirar algum tempo da minha vida pessoal para me dedicar à recuperação de património histórico. Os Almonda têm a ideia de ir buscar poetas antigos e de lhes dar uma vida nova, dignidade e ao mesmo tempo dar também dignidade ao Ribatejo. Há pessoas que entendem, há pessoas que não entendem, porque há pessoas que também gostam de apontar o dedo a tudo o que se faz, e também não há muita paciência para isso. Estamos quase a navegar contra uma corrente, pois há aquelas pessoas que sempre que fazes alguma coisa tentam apontar o dedo. Há muita gente que às vezes opta por não fazer para não se chatear. Eu sempre optei por fazer. O que é certo é que a caravana vai passando e vai deixando um legado de arte que é indiscutível e depois mais tarde, reavaliando, talvez se perceba que há um legado muito interessante. Eu tenho muito orgulho nas coisas que tenho feito ao longo da minha vida. Passando constantemente, editando, ajudando naquilo que possa, para o país se desenvolver, na minha missão de cultura, que é o que eu faço. Estou ao serviço da cultura portuguesa há mais de 25 anos e vou assim, com humildade, caminhando e deixando um trajeto de criação que acho que é interessante. O mercado mudou muito, os CD desapareceram, as cassetes também, e eu sou desse tempo, vendi meio milhão de cassetes. Para mim a mudança foi talvez rápida demais, a sociedade foi muito rápida a transformar-se em tudo. Acho que até às vezes se transforma e depois passa muita coisa parva por aí, muitas modas, e eu vou, ao longo dos anos, por trás, vou vendo.

[Relembra uma história que o pai costumava contar de um homem que durante 25 anos teve o mesmo fato, e que durante esses 25 anos, dependendo das modas, o fato foi tanto criticado como apreciado, alternadamente.]

Com os artistas, somos um bocado assim. Hoje somos fantásticos e amanhã não prestamos para nada e depois podemos voltar a ser os maiores outra vez. Acho que temos é de perceber e acreditar em nós, fazermos um bom trabalho, o melhor possível, e deixarmos um legado interessante para o resto das pessoas depois gostarem ou não. Espero que gostem. Faço com amor, não vendo a alma a ninguém.

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Com “Almonda de Saudade” Nuno Barroso uniu muitos dos artistas musicais da região.

Num desses pontos mais baixos de valorização – afinal já lá vai perto de um quarto de século nestas andanças – nunca pensou em desistir?
Já pensei, claro, muitas vezes. O mundo da música não é fácil. Mas resisti sempre, até agora. Tive momentos em que tive de descansar ou parar um bocado. Depois vão sempre aparecendo coisas, vai-se sempre fazendo, há uns convites aqui ou acolá, e vai-se deixando fluir a ordem natural das coisas. Isso também é importante. Deus comanda acima de nós, as coisas parece que têm uma razão de ser, nada é por acaso, as coisas parece que vão sucedendo, há um fluxo. Se o fluxo me levar para outro lado, tudo bem. Existe mais para além de mim do que só o Nuno criador, tenho um lado social, tenho um lado de intervenção, tenho um lado de autarca, um lado de pintor, um lado de escritor. Muita gente não sabia que eu escrevia, até começar a receber alguns prémios. Vou sempre tentando melhorar.

Algum futuro projeto que nos possa revelar?
É um livro. Mas não sei se faço livro e CD, com piano. É um livro de poesia, de poemas, que fala sobre vários temas, Portugal, amor, paixão, mar, é uma coletânea. Tem uma mensagem relacionada um bocadinho com o amor e também com a portugalidade. O amor, o mar e a portugalidade.

É esse o título da obra?
Ainda não sei. Se calhar é [risos].

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Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Jornalismo. Natural de Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, mas com raízes e ligações beirãs, adora a escrita e o jornalismo.

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