Jorge Lacão, 67 anos, natural de Alagoa, uma freguesia do concelho de Portalegre, licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi ativista do movimento associativo estudantil, aderindo ao PS após o 25 de Abril, em Abrantes. Ao fim de 38 anos de vida parlamentar, despediu-se em novembro de 2021 da Assembleia da República. Foi deputado pela primeira vez na III legislatura, vice-presidente do Parlamento, presidiu à Comissão de Assuntos Constitucionais, à Comissão de Ética, à Comissão de Revisão Constitucional, foi presidente da bancada do PS e Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e Ministro dos Assuntos Parlamentares. Na última legislatura, presidiu à Comissão da Transparência e Estatuto dos Deputados. Reside em Alfragide, na Amadora, junto a Lisboa, mas a sua cidade do coração é Abrantes, e foi na Biblioteca Municipal António Botto que conversou com o nosso jornal.
Em novembro despediu-se do Parlamento dizendo: “Foi há 38 anos, em 1983, que pela primeira vez entrei neste hemiciclo trazendo comigo a condição da juventude e todos os sonhos do mundo.” Disse partir “com a mesma crença nos ideais de liberdade, justiça e serviço ao bem comum”. Se em si pouco mudou, o mesmo não se pode dizer do Parlamento. Quais as principais diferenças que destaca em relação ao que conheceu em 1983?
Há linhas de continuidade e há linhas de mudança. Um Parlamento democrático desde logo assume essa grande linha de continuidade que é a valorização do princípio da representação democrática. Todos os parlamentares têm de ser eleitos e são eleitos pelo voto livre e universal dos portugueses e essa é uma constante da nossa democracia e um valor fundamental. Depois com a mudança dos tempos mudam-se muitas das condições. É significativamente diferente ter a experiência de um Parlamento que funcionava com métodos em que as novas tecnologias de comunicação ainda não existiam, não estavam disponíveis, não havia as inovações que hoje existem, e agora o Parlamento pode utilizar essas tecnologias de comunicação para dispor de uma gama muito mais aperfeiçoada de funcionamento, quer interno quer na relação externa com os cidadãos. Portanto, tudo é muito mais eficaz, na forma de tratamento, e a mensagem pode chegar muito mais longe, nomeadamente através de outros veículos de informação, como seja por exemplo o Canal Parlamento, que faz uma cobertura integral dos trabalhos parlamentares, tanto em sede de plenário como em sede de comissões.
Mas há outras dimensões?
Os problemas de hoje não são necessariamente iguais aos problemas de ontem e há aspetos negativos e positivos quando comparamos as épocas. Porventura numa lógica menos otimista costumo referir que me preocupa alguma perda do sentido de cultura institucional.
Ou seja?
Aqueles princípios fundamentais que marcaram a estruturação da nossa democracia nos primeiros tempos e que ajudaram a criar a Constituição, o nosso regime constitucional e o nosso Estado de Direito Democrático. Foi uma construção impressionante nas décadas que precederam estes tempos e que ajudaram a fundamentar os princípios fundamentais de uma autêntica democracia. As novas gerações muitas vezes tendem a achar que estes aspetos são tão naturais como respirar e não tendem a valorizá-los como a minha geração valorizou, porque sentiu a falta deles no regime anterior, ditatorial, onde a democracia a e liberdade não existiam. Essa cultura institucional faz-nos falta porque é através dela que as instituições se robustecem e são respeitadas. É através do robustecimento e respeito pelas instituições que a passagem de testemunho de geração em geração se pode fazer sem rupturas. Com evolução sim, com progresso sim, mas sem rupturas. E é este o aspeto que me preocupa. Há hoje outras dimensões que são muito positivas, as novas gerações chegam à vida ativa com um grau de preparação muito maior do que as gerações do meu tempo, em que os índices gerais de escolaridade eram muito menores. Nesse sentido temos pessoas mais bem preparadas hoje do que tínhamos no passado e portanto com capacidade para enfrentar os desafios do nosso tempo, desejavelmente à altura das responsabilidades do nosso tempo. Como a vida não é perfeita há aspetos mais positivos, aspetos menos positivos, mas temos de ter confiança em que os aspetos positivos continuem a poder superar os menos bons.
“É através do robustecimento e respeito pelas instituições que a passagem de testemunho de geração em geração se pode fazer sem rupturas.”
Jorge Lacão
Existia mais debate nessa altura do que atualmente?
Temos aspetos diferenciados até porque as regras do Parlamento também foram mudando ao longo do tempo. A agenda parlamentar nos tempos em que iniciei a minha atividade de deputado era formada de uma maneira que havia temas que entravam na agenda num dia e se repercutiam às vezes nos dias seguintes e nas semanas seguintes, esmiuçar até ao tutano a natureza desses temas, em debate, após debate, após debate. Por outro lado, havia momentos que a atividade parlamentar era tão intensa que começava num determinado dia e só acabava na madrugada do dia seguinte, continuando noite fora. Ora estes aspetos eram excessivos. E portanto, as regras do Parlamento foram-se moldando para criar uma racionalidade maior nos debates. Tem porventura uma contrapartida, o lado menos bom.
Qual é esse lado “menos bom”?
Se por um lado hoje há maior representação no Parlamento, ou seja há mais pluralidade de formações políticas no Parlamento, por outro lado criou-se uma diminuição dos tempos de intervenção, de tal maneira que muitas vezes agenda-se um tema e cada grupo parlamentar tem uma oportunidade de falar sobre o tema três ou quatro minutos em discursos sucessivos. Não há tempo para um debate esclarecedor, para aquilo que chamamos “contraditório esclarecedor”, e como não existe, às vezes, cada partido tem tendência para, na rivalidade, marcar as suas bandeiras, mas depois não vamos ao fundo das questões com o grau de exigência que seria desejável em função do tema que estiver na agenda. Temos de fazer uma espécie de reequilíbrio, aliás foi isso que fui defendendo ao longo dos últimos tempos no Parlamento: reequilibrar os tempos do debate para que cada debate seja esclarecedor e não meramente tribunício. Não seja apenas um pretexto para cada um fazer uma facilitação demagógica da sua mensagem mas que, ao haver contraditório, se possam pôr em evidência a verdadeira natureza das propostas que são apresentadas para que sejam compreensíveis para quem tem de decidir sobre elas e para os cidadãos em geral.

No dia da despedida de Jorge Lacão da Assembleia da República, a presidente do Grupo Parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, destacou o seu contributo para “a valorização do poder local democrático” e por ter demonstrado “como o poder local é essencial e foi essencial e determinante para o desenvolvimento” de Portugal. “O Jorge Lacão despede-se deste Parlamento com aquilo que foi a sua bandeira de sempre: a justiça, uma justiça transparente, um exercício dos poderes políticos com transparência, com rigor”, frisou. Também o primeiro-ministro, António Costa, dirigiu uma palavra de “profunda gratidão e de reconhecimento de todos os socialistas” pelo “trabalho extraordinário que, ao longo de 38 anos, o Jorge Lacão desenvolveu na Assembleia da República”.
Assistiu a milhares de intervenções, de políticos que marcaram a história do país. Quais os discursos que mais o marcaram? Quais os parlamentares que destaca com mais carisma e capacidade retórica?
Foram tantos ao longo do tempo que é sempre uma injustiça citar alguns nomes em detrimento de outros. Naturalmente que houve uma geração de grandes políticos que foram aqueles que ajudaram a enraizar a vida democrática e que foram, de alguma maneira, políticos inspiradores. Não se leva a mal que cite à cabeça aqueles que identifico na minha própria família política, pessoas como Mário Soares, como Salgado Zenha, que estiveram no cerne essencial, na construção do nosso regime democrático. Mas nas outras formações políticas houve grandes parlamentares. Essa grande geração deu toda a sua vida à causa dos ideais em que acreditava e quando alguém dedica o essencial da sua vida à causa do ideal em que acredita, pode ter mais acertos ou mais desacertos na sua conduta, pode acertar mais ou errar mais, mas tem uma linha de rumo e essa marca uma espécie de destino e é esse aspeto que não é tão fácil nas gerações atuais. Que haja uma dimensão da vocação política que se assuma plenamente. Até porque temos um problema, que cada um à sua maneira deve tentar superar; hoje a imagem dos políticos não é famosa portanto o apelo a que as pessoas se dediquem mais integralmente à atividade política não é um apelo tão estimulante como possa parecer. A política como vocação pode surgir mais prejudicada relativamente à política como uma oportunidade circunstancial.
A política deve ou não dar lugar a uma carreira?
Há pessoas que acham que a política não deve dar lugar a uma carreira porque isso traz malefícios relativamente a defeitos da ação política. Acho que o País, o Estado, as instituições públicas precisam de pessoas preparadas para responder às responsabilidades de cada momento e pessoas preparadas em todos os setores, incluindo na vida política. As pessoas não se preparam no âmbito do improviso, com um pé fora e outro dentro da ação que estão a fazer. Têm de se preparar com o sentido dos ideais de que falava mas também com sentido de profissionalismo porque quando se está numa missão tão responsável como é representar os interesses da comunidade, deve-se fazer isso com plena dedicação. Foi assim que procurei estar na vida política.
Acha que é devido às “carreiras” que os políticas refletem hoje uma má imagem na opinião pública?
Nem sempre todos os políticos servem a imagem da política da melhor maneira, como sabemos, é uma vicissitude da condição humana. Mas também há uma espécie de hipercriticismo na sociedade que muitas vezes não é suficientemente construtivo, e tende-se a olhar para os políticos estimulado por uma espécie de espírito de desconfiança à nascença. E esse aspeto estabelece aquilo que se vem chamando a crise cíclica das democracias. Não é apenas uma questão portuguesa, é uma questão que afeta as democracias por esse mundo fora. Uma espécie de vento da nossa época. Acho que temos de o procurar combater, de uma forma mais positiva, com o desenvolvimento de um conceito de solidariedade. E refiro-me a solidariedade enquanto sentido de responsabilidade cidadã. Cada um de nós, cidadãos, vive numa comunidade, e cada um tem responsabilidades perante os outros. Além dos nossos direitos, deve também procurar aprofundar-se esse sentido de responsabilidade, para gerar na representação democrática maior valor e maior confiança. É esse exemplo que temos obrigação de dar quando estamos na vida pública.
“Cada um de nós, cidadãos, vive numa comunidade, e cada um tem responsabilidades perante os outros. Além dos nossos direitos, deve também procurar aprofundar-se esse sentido de responsabilidade, para gerar na representação democrática maior valor e maior confiança.”
Ao fim de 38 anos no Parlamento, consegue ver no País as mudanças que sonhava no início?
Muitas sim, felizmente. É muito difícil imaginar o que era o nosso país numa versão a preto e branco. Um país que não tinha uma rede de cuidados universais de saúde, onde a escolaridade era bastante diminuta, quer ao nível do secundário quer ainda mais ao nível dos escalões de ensino superior, um país onde os equipamentos sociais minguavam em todas as dimensões, onde as infraestruturas públicas não existiam como existem hoje em todo o nosso território, e portanto um país com um grau de desigualdade e de pobreza muito mais acentuado do que volvido este meio século.
Mas a passagem do tempo não teria sempre de trazer mais desenvolvimento?
Aceito que sim, mas este desenvolvimento deu-se em grande medida na sociedade portuguesa também por efeito positivo da nossa integração na então Comunidade Económica Europeia e hoje União Europeia. Se não tivesse sido a democratização do país e a nossa inserção no espaço dos países mais desenvolvidos da Europa, teríamos ficado condenados, depois da perda das colónias, a um isolamento fortíssimo que nos teria atirado para uma situação de pobreza da qual dificilmente poderíamos sair por nós próprios apenas. Esta inserção numa Europa civilizada, de progresso, liberdade e democracia foi uma oportunidade histórica, fundamental para o nosso país e é isso que apesar de muitos índices de desenvolvimento portugueses não estarem ainda hoje ao nível do nível médio europeu, a verdade é que somos cidadãos plenos da Europa democrática e as novas gerações já não são capazes de se conceber a si próprios sem se imaginarem nesse espaço alargado, que é esse espaço europeu, ao qual felizmente pertencemos.
Como vê hoje Portugal?
Como disse, esta importância de participarmos de pleno direito na União Europeia foi absolutamente decisivo para marcar o futuro do nosso País. É quase difícil imaginar o que seria um país que fica no extremo ocidental da Europa, que tem uma população não superior a 10 milhões de habitantes, que não tivesse a possibilidade de ter um relacionamento numa comunidade internacional mais vasta. Ficaríamos necessariamente marginais na estrutura das relações internacionais. Quem for marginal na estrutura das relações internacionais fica inevitavelmente marginalizado em termos económicos, sociais e culturais. Felizmente isso não aconteceu. Tivemos homens que marcaram de maneira decisiva esta noção de importância que Portugal tinha para aderir ao espaço Europeu, mais uma vez volto a referir Mário Soares, como posso referir outras figuras políticas que já nos deixaram de outros quadrantes, desde Sá Carneiro, Freitas do Amaral, que tiveram a possibilidade, para além das diferenças políticas de natureza ideológica, ter uma visão estratégica comum para o futuro do País. E foi isso que nos permitiu ter, independentemente das mudanças de natureza político-partidária, um desígnio permanente, que felizmente podemos aprofundar, e é nele que acredito.
Aliás, tenho hoje muita dificuldade em compreender aquelas formações políticas que por razões ideológicas fechadas têm uma atitude de distância ou de quase desejo de abandono do espaço europeu. O que teriam para oferecer aos portugueses, se porventura não fizéssemos parte desse mesmo espaço? Creio que nada, coisa nenhuma. Diria que não temos alternativa para esta nossa dimensão histórica, que é a dimensão do nosso tempo. No passado, na nossa história, tivemos outras grandes dimensões de que nos orgulhamos, nomeadamente aquelas que advieram do período das Descobertas, mas isso faz parte da nossa História. Os tempos mudaram, criaram-se outros desafios e é dentro desses desafios que vivemos.
“Tenho hoje muita dificuldade em compreender aquelas formações políticas que por razões ideológicas fechadas têm uma atitude de distância ou de quase desejo de abandono do espaço europeu. O que teriam para oferecer aos portugueses, se porventura não fizéssemos parte desse mesmo espaço? Creio que nada, coisa nenhuma.”
Jorge Lacão
Contudo, o Reino Unido saiu da União Europeia.
Saiu, mas o Reino Unido tem uma visão geoestratégica em relação à Europa que sempre foi diferenciada. O Reino Unido tem ainda um mito: de continuar a ser a cabeça de um grande império. E esse mito, do qual visto de fora evidentemente não partilho, criou sempre uma certa tendência para algum espírito isolacionista da Inglaterra, ou se quiser até da Grã-Bretanha, e esse espírito isolacionista acabou por desaguar no Brexit. O futuro dirá se os problemas que irão emergir na sociedade inglesa, a vários níveis da sua expectativa de desenvolvimento económico, não vão um dia voltar a bater à porta de Europa no sentido de uma reaproximação. Estes ciclos já aconteceram na história inglesa – maior aproximação, maior afastamento. Enfim, é uma questão do futuro e eu, a capacidade de ler o futuro, confesso que não tenho.

E como vê o mundo?
Com preocupação! Nós, que estamos atentos ao desenvolvimento das situações, preocupamo-nos. Por um lado, há hoje a emergência de certas ideologias que em certo momento considerávamos ultrapassadas, depois do fim da chamada Guerra Fria no final da década de 90, concebemos que o desenvolvimento das democracias estaria mais enraizado, que os confrontos entre ideologias diferentes tinham sido superados e que o espaço triunfante da democracia, ao nível dos vários países, quer os da democracia mais antiga, quer aqueles que chegaram à experiência democrática, se poderia desenvolver de maneira mais harmoniosa. Por outro lado, também tínhamos uma visão mais otimista daquilo que chamamos a Globalização, ou seja, a universalização a todos os níveis das relações económicas, ao nível comercial, ao nível financeiro.
Ou seja, bateu-nos a dura realidade da Globalização à porta?
Sim. A Globalização não trouxe apenas fatores de progresso, trouxe também, e de que maneira, fatores de grande rutura relativamente à desigualdade das relações de troca internacional, com vantagens para uns e grandes desvantagens para outros. Por outro lado, a liberdade de circulação financeira trouxe grande problemas de corrupção, ao nível de uma manipulação de capitais sem capacidade de controlo suficiente desses movimentos por parte das instâncias fiscalizadoras internacionais e por parte dos próprios Estados, a nível internacional. Isso provocou uma reação negativa. Essa tem vindo a alicerçar-se naquilo a que chamamos nacionalismo radical e com este o afloramento de outros valores negativos como sejam a emergência de tendências de racismo, de xenofobia, de discriminação de minorias. Tudo isso são aspetos negativos do nosso tempo. Mais uma vez digo, as consciências de cidadania têm de estar alertadas e de procurar dar o seu contributo para superar este lado mau do desenvolvimento da Humanidade, para não chegarmos a momentos de ruptura mais graves como aqueles que assistimos, neste momento, no Leste da Europa.
“As consciências de cidadania têm de estar alertadas e de procurar dar o seu contributo, para não chegarmos a momentos de ruptura como aqueles que assistimos, neste momento, no Leste da Europa.”
Jorge Lacão
Como comenta a persistência da pobreza extrema em algumas partes do mundo, designadamente a tragédia dos refugiados e, no caso português, a enorme percentagem de trabalhadores que continuam pobres?
No caso português, demonstra que temos que procurar sempre conciliar dois aspetos; o desenvolvimento económico e a solidariedade social. Sem que os dois aspetos se conjuguem criamos inevitavelmente um desequilíbrio. Creio que esse desequilíbrio, quando atinge aspetos mais graves, nem beneficia o desenvolvimento económico nem as condições de vida das pessoas. Já atravessámos, em anos relativamente recentes, a experiência de um excesso de austeridade bloquear o desenvolvimento económico, daí gerar desemprego e o desemprego gerar fatores de pobreza. Uma coisa e outra acabarem por contribuir negativamente para o desenvolvimento da competitividade e, portanto, as consequências são os baixos níveis salariais das camadas trabalhadoras em Portugal. Temos tanto que fazer! Aproveitando a oportunidade do Plano de Recuperação e Resiliência, que está agora ao nosso alcance com as verbas comunitárias disponíveis, vamos ver se conseguimos recuperar este ciclo vicioso da nossa vida económica e da nossa vida social. Mas sem apostar na inovação no plano económico e ao mesmo tempo conciliá-la com o estado social capaz de gerar esses mecanismos de convergência e de coesão social, uma coisa sem a outra a meu ver não dá bom resultado e acredito que é da conciliação das duas que podemos esperar um maior progresso para a sociedade portuguesa.
“Temos tanto que fazer! Aproveitando a oportunidade do Plano de Recuperação e Resiliência, que está agora ao nosso alcance com as verbas comunitárias disponíveis, vamos ver se conseguimos recuperar este ciclo vicioso da nossa vida económica e da nossa vida social.”
Jorge Lacão
No plano internacional as coisas são muitíssimo mais difíceis porque entre países mais desenvolvidos e países que não alcançaram essa bitola de desenvolvimento, são tantos os dramas que se vivem, desde pobreza extrema em zonas de África, onde por exemplo as alterações climáticas e as secas, digamos, já estruturais, criam uma inviabilidade de condição de vida para essas populações, que não têm ainda uma resposta à vista sobre superação desse tipo de problema, que é gravíssimo. E depois muitas vezes as situações de pobreza arrastam à guerra no seio das próprias sociedades e daí as migrações em massa, que chegam à Europa com a ambição de encontrar outras possibilidades de futuro, mas uma Europa que também se tem fechado sobre si própria em excesso e que não tem respondido da melhor maneira a esta necessidade de incorporar de forma sustentada os fluxos migratórios. Porque se houver uma redistribuição dos fluxos migratórios pela Europa, isso pode ter um efeito virtuoso. Sabemos que a população na Europa tem tendência para o envelhecimento, a situação é mais grave ainda em Portugal, e portanto a vinda de camadas de migrantes que se possam inserir no tecido social dos países a que chegam pode contribuir também para o rejuvenescimento do tecido europeu. Tudo isto tem de ter políticas de devido enquadramento e de devida inserção para que não se criem guetos. Quando se criam guetos e há lógicas políticas de marginalização, a consequência depois é que se criam conflitos sociais e formas reativas de tratar o problema como aliás temos visto em vários quadrantes europeus. Esse é mais um desafio muito sério dos tempos que vivemos.

E como podem os partidos reformar-se para responder às exigências políticas da atualidade?
Espero que respondam, mesmo na posição atual que têm. Que terão capacidade para dar respostas consequentes. Vimos aliás nesta última campanha eleitoral muitos debates travados entres dirigentes políticos dos partidos. Nem tudo foi agradável de ver e ouvir nesses debates mas creio que no essencial, quem os seguiu com atenção, pode retirar que há pensamento estruturado em muitos dos nossos dirigentes políticos. Várias propostas têm mais aceitação nas pessoas e outras menos, mas puderam ser confrontadas e permitiram poder escolher, razoavelmente informadas sobre os seus critérios de escolha, e isso é positivo. Dito isto, há outros aspetos em relação aos quais gostaria que as coisas pudessem mudar bastante. Precisávamos de uma mudança qualitativa no nosso sistema representativo democrático, no sentido de permitir que uma reforma dos sistemas eleitorais aproximasse mais os eleitos dos eleitores.
Durante a maior parte da minha vida como deputado fui eleito pelo distrito de Santarém e aliás, muitas legislaturas, fui cabeça de lista pelo distrito, e portanto era uma pessoa razoavelmente conhecida ao nível do distrito, porque tinha uma grande exposição pública e porque era também líder político no Parlamento e isso permitia esse grau de exposição. Um certo momento em que tive menos oportunidade de ter essa relação mais estreita com o distrito, refiro-me a um momento que tendo o exercício de funções governativas durante um ciclo de 6/7 anos, entendi que não tendo o mesmo grau de presença, deixei de ser deleito deputado pelo distrito de Santarém para ser eleito deputado pelo circulo de Lisboa. Nunca um eleitor de Lisboa está em condições de identificar os deputados que elege no círculo eleitoral de Lisboa, não sabe quem são. Na maioria dos casos não faz a mínima ideia quem é que foi eleito. Portanto, não se cria relação de identidade entre o eleito e o eleitor.
Quando não há relação de identidade há duas coisas que se perdem; da parte do eleitor a relação de confiança, da parte do eleito uma menor responsabilidade pelos seus próprios atos, porque não responde diretamente perante os eleitores senão através de uma forma mais anónima de organização de uma lista plural. Uma alteração do sistema eleitoral deveria permitir criar mais aproximação, mais responsabilidade e consequentemente mais possibilidade de escrutínio direto da parte do cidadão eleitor, em relação a quem vota, em relação a quem o representa mais diretamente, ao qual também estará em melhores condições de exigir responsabilidades pelos ciclos políticos que se vão concretizando em cada fase eleitoral. E este tipo de reforma é muito necessária. Com ela, ajudar-se-ia a cria uma maior autenticidade da representação democrática e reformar a vida dos próprios partidos políticos porque a representação democrática passaria a ser muito mais exigente.
“Precisávamos de uma mudança qualitativa no nosso sistema representativo democrático, no sentido de permitir que uma reforma dos sistemas eleitorais aproximasse mais os eleitos dos eleitores.”
Jorge Lacão
Está a defender os ciclos uninominais?
Estou a defender a conciliação. Aliás, se olhar para a norma da nossa Constituição – passe a indiscrição, foi escrita por mim próprio na revisão Constitucional de 1997 –, lá se fala da conciliação de ciclos uninominais de candidatura com ciclos plurinominais de apuramento. Permite a conciliação das duas coisas, por um lado uma identificação direta do deputado que é eleito, por outro lado uma representação plural e proporcional dos deputados à escala dos partidos políticos que representam. Permite a que se responda a duas exigências do sistema representativo; a tal identificação entre eleito e eleitor, e a representação proporcional da sociedade, para que não haja uma hegemonia de uns sobre os outros independentemente da vontade verdadeira dos eleitores. Esta autenticidade da representação pode ser garantida e é isso que defendo. É um sistema misto.
Como vê os movimentos de cidadãos independentes?
Dei o meu contributo precisamente nessa revisão Constitucional para permitir que as candidaturas de cidadãos independentes pudessem ter expressão ao nível das eleições autárquicas. E temos muitos exemplos no país de candidaturas de cidadãos independentes nessas eleições. Devo dizer que tenho muito mais reservas relativamente à abertura de possibilidades de candidaturas de grupos independentes às eleições nacionais.
Porquê?
Porque o que caracteriza um grupo de cidadãos eleitores é que tão facilmente se faz como se desfaz. E a representação política torna-se muito mais efémera, e quando se torna mais efémera, aquela exigência da responsabilidade que falava há pouco perde-se. Ou seja, se no final de uma experiência de uma eleição de uns cidadãos independentes, a seguir na próxima eleição já lá não estão, são outros. Esta tendência de desbroamento da linha de continuidade dá a que não haja responsabilidade suficiente e os eleitores deixam de ter respostas devidamente estruturadas para o país, e o país precisa de ter respostas estruturadas, essa é uma responsabilidade importante dos partidos políticos. Terem a capacidade de gerarem linhas de continuidade no tempo e de darem respostas estruturadas e responderem por elas, serem avaliados por elas. Neste sentido considero que a importância dos partidos na sociedade é muito relevante e não deve ser menorizada.
Mas não pode diminuir as condições de participação política?
Não é verdade. Veja-se o exemplo que tivemos nestas eleições, com a pluralidade de partidos que se puderam constituir e que se puderam apresentar aos eleitores. Portanto, não é pela dificuldade de criar um partido político ou participar num partido político que não há condições de participação política suficiente. Não ia por aí.

Como imagina que a democracia se estrutura no futuro? Por exemplo, daqui a 30 anos, acha que os cidadãos continuarão a ser representados por partidos?
Como disse anteriormente, não tenho capacidade para adivinhar o futuro, mas há uma coisa que sei: olhando retrospectivamente para a história das liberdades políticas, estas estruturaram-se particularmente desde o século XVIII até ao nosso tempo com a estruturação dos partidos políticos nas sociedades democráticas e foi a contribuição dos partidos políticos que ajudou a cimentar as experiências daquilo que geralmente se chama a cultura do liberalismo político, e foi o liberalismo político que ajudou a identificar nas sociedades as liberdades fundamentais, os direitos fundamentais das pessoas, o respeito pelos direitos humanos. Se historicamente vejo um percurso de dois séculos e verifico que esta componente foi fundamental para que as sociedades se estruturassem, se desenvolvessem, fossem mais iguais, e a dignidade humana prevalecesse, não tenho razões para imaginar que é a ruptura destes modelos que trará mais felicidade no futuro aos povos. Acredito que é no aperfeiçoamento do que temos que devemos caminhar, e não na ruptura daquilo que temos.
“Acredito que é no aperfeiçoamento do que temos que devemos caminhar, e não na ruptura daquilo que temos.”
Jorge Lacão
Onde fica a importância da ideologia?
Faz muito sentido falar da importância dos ideais. As doutrinas políticas existem como os demais ramos das ciências humanas e portanto o desenvolvimento de um pensamento estruturado que procure concretizar respostas políticas coerentes faz todo o sentido e deve continuar. Se neste sentido entendamos a lógica e dinâmica das ideologias, não tenho nada contra. Quando imaginamos certas ideologias que se estereotiparam no tempo e que se fecharam em si próprias, aí sim, tenho uma atitude muito crítica. Porque há propostas ideológicas que a História testou e que a experiência histórica rejeitou e continuar a insistir nelas é anacrónico. Há ideologias abertas que se estruturam em doutrinas políticas dinâmicas e há ideologias que se fecharam sob si próprias e que se sectarizaram, a essas naturalmente não adiro. A uma lógica de dinâmica do pensamento político naturalmente que sim.
Ainda faz sentido falar em direita e esquerda?
Não diria de uma forma geométrica rígida mas creio que há grandes referências que fazem sentido. Quando alguém acredita que conciliar o valor da liberdade com o valor da igualdade deve ser um binómio indissociável exprime normalmente um pensamento que é designado como de esquerda. Quando alguém entende, mesmo no campo democrático, que a liberdade individual deve valer por si própria e que igualdade existe ou não existe e deve ser apenas uma consequência do darwinismo social, da disputa entre as pessoas na sua individualidade concreta, situa-se num outro plano de pensamento, que normalmente se considera à direita. Se tivermos formações políticas que acreditam fundamentalmente no valor do binómio liberdade/igualdade do qual resultam políticas de solidariedade que construíram historicamente o Estado Social depois da Segunda Guerra Mundial na maior parte dos países europeus, ou quem apenas acredita no valor da iniciativa individual e que toda a vida social deve resultar da dinâmica desse liberalismo económico e individual, tem naturalmente uma outra linha de aproximação e isso esbate diferenças. Se lhe quiser chamar uma lógica de esquerda e direita, não me oponho.
E como vê a coesão europeia com a ascensão dos partidos populistas e nacionalistas? Disse que estava preocupado…
Muito preocupado. Uma das questões que acho importante que a sociedade reflita é como no nosso sistema educativo valorizamos ou não valorizamos os valores da cidadania. Hoje discute-se muito, na nossa sociedade, a importância de uma disciplina nas escolas chamada Educação para a Cidadania. Sou inteiramente favorável à existência da Educação para a Cidadania nas nossas escolas, do básico ao secundário. Quando não se dá às gerações mais novas uma formação em relação às grandes questões que marcam a civilização na qual estamos mergulhados, muita vezes corre-se o risco de perder o sentido dos valores que estruturaram essa mesma civilização e não podemos ter a presunção de pensar que o desenvolvimento histórico é linear, ou seja, não devemos ter a presunção de pensar que o degrau que vem a seguir acrescenta sempre ao degrau que está antes. Já tivemos muitos exemplos, e a História do século XX com duas Guerras Mundiais é bem o exemplo traumático de como a História pode regredir.
“Quando não se dá às gerações mais novas uma formação em relação às grandes questões que marcam a civilização na qual estamos mergulhados, muita vezes corre-se o risco de perder o sentido dos valores que estruturaram essa mesma civilização.”
Jorge Lacão
E como é que a História corre menos risco de regredir?
Se tivermos a cidadania suficientemente cimentada na cultura dominante em cada época, e é nisso que acredito profundamente. O futuro está nas mãos dos nossos educadores, do nosso sistema de ensino e de como olharmos para ele e quisermos formar estas gerações mergulhando-as na cultura da civilização a que chegámos e não contra essa cultura da civilização onde estamos, ou à margem dela.
Diz ter aprendido, ao longo do seu percurso, que “qualquer que seja a inspiração política e doutrinária, só uma atitude de independência pessoal” permite respeitar as convicções de cada um. Quer explicar? Na sua opinião, os deputados deveriam ter sempre liberdade de voto?
Não se trata de defender de uma maneira dogmática a liberdade de voto. Também exerci algumas vezes, sempre que foi preciso. Trata-se de ter aprendido à minha própria custa que uma coisa é ter uma convicção ideológica, uma profunda adesão aos princípios que estruturam a formação política a que pertencemos, a que eu pessoalmente pertenci, e outra coisa é podermos reservar para nós próprios a independência pessoal que nos permita a cada momento poder dizer sim ou não. E poder ter uma atitude que dê o seu contributo próprio para a construção da decisão final que se tome e não apenas numa lógica subordinada à hierarquia que num determinado momento seja a hierarquia dirigente. Um político que perca a sua autonomia pessoal não é um político que esteja à altura da sua responsabilidade perante o país. Sempre defendi, e foi esse testemunho que procurei dar também no momento da minha despedida, de que é tão importante desenvolvermos em nós os fatores de solidariedade que nos juntam aos outros como ao mesmo tempo sabermos preservar a autonomia da nossa consciência.

Pode referir uma medida que tenha contribuído para aprovar, e que tenha feito a diferença?
Lembro o contributo que demos para essa transformação, de pluralidade do nosso mundo radiofónico, com a legalização das rádios locais e também de emissoras nacionais de rádio por iniciativa particular. Mas se tiver de escolher um momento marcante, escolherei a comoção que tive de fazer na época, em 1997, a revisão da Constituição. Nessa circunstância era presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista, e tive de conduzir a quarta revisão da nossa Constituição, que permitiu uma grande modernização do nosso texto constitucional, uma grande abertura às novas dimensões da participação, com maior abertura à democracia direta, ao direito de participação, à possibilidade do recurso ao referendo, à possibilidade de modernizar os sistemas de representação democrática eleitoral tanto para a Assembleia da República como para as autarquias locais e que permitiu uma maior congregação do consenso nacional à volta da nossa ordem constitucional que por isso mesmo não teve de ter rupturas, apesar do desenvolvimento e progresso que se foi registando ao longo destas décadas e essa contribuição, que tive ocasião de fazer nessa altura, foi politicamente bastante difícil na ocasião mas orgulho-me de a ter feito.
E agora, quais os planos para o futuro?
Cheguei àquele momento da vida em que, sinceramente, digo a mim próprio que tenho o direito de descansar. O direito de poder deixar esta pressão constante das exigências da vida pública e poder dedicar-me com mais disponibilidade à minha própria vida, digamos, e aos meus maiores prazeres de natureza pessoal, que são ler e escrever, e ainda nesse plano, eventualmente, poder dar testemunhos futuros. Se o tempo, a saúde e a longevidade ainda me ajudarem, a própria teorização das minhas experiências pessoais enquanto protagonista da vida política poderá ajudar ainda a dar um outro contributo para a sociedade em geral. Veremos se terei capacidade e talento para o poder fazer, mas quero poder fazê-lo sem estar dependente de compromissos com terceiros, e assumir uma maior autodeterminação do meu tempo para poder dispor dele, coisa que ao longo de quase 40 anos de vida política ativa não pude fazer, na medida em que gostava.
“Cheguei àquele momento da vida em que, sinceramente, digo a mim próprio que tenho o direito de descansar. O direito de poder deixar esta pressão constante das exigências da vida pública e poder dedicar-me com mais disponibilidade à minha própria vida.”
Jorge Lacão
Licenciou-se em Direito, como foi parar à vida política?
Licenciei-me em Direito e durante muitos anos lecionei numa das nossas universidades, Direito Constitucional, Ciência Política, Sistemas Eleitorais e também fiz advocacia, não tanta como poderia ter gostado de fazer porque a vida política não permitiu. Não deixei de ter uma atividade profissional estruturada, além da vida política propriamente dita. Estava no primeiro ano da faculdade de Direito quando se deu o 25 de Abril e fui apanhado no vórtice da revolução, que desde então nunca mais me largou. Aderi muito cedo ao Partido Socialista, junto das pessoas de Abrantes, com quem já tinha relações de muita amizade e companheirismo, até de muito compromisso, na oposição anterior ao 25 de Abril.
Fundámos o PS em Abrantes e a partir daqui comecei a ter alguma visibilidade política no distrito e houve um particular momento em que se fez um grande comício no concelho da Barquinha, com a presença de Mário Soares, e com a presença de um grande líder europeu que nos deixou cedo demais porque foi assassinado, o primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme, e tive a oportunidade de intervir pelos jovens. Foi aí que conheci Mário Soares e ele me conheceu. De alguma maneira ficou com o olho em mim. E estavam presentes outras personalidades como António Reis, que era do distrito e dirigente do Partido Socialista, e em Coimbra, onde eu estudava, Manuel Alegre, também personalidade marcante do PS. Acabei por receber o convite para ir dirigir em Lisboa o gabinete de imprensa do Partido Socialista. Num momento virei a agulha nos meus projetos de vida jurídica e dei comigo, como um provinciano em Lisboa, com esse enorme desafio pela frente. Pelos vistos não me dei mal e o resto do percurso político foi aquele que é conhecido.

Começou em Abrantes, que foi determinante na sua vida política. Mais tarde chegou a ser presidente da Assembleia Municipal. O que recorda desses tempos?Com muita saudade, até pelas pessoas que aqui constituí como grandes amigos. Tive aqui desde o principio ligações muito fortes… olhe, ao primeiro presidente da Câmara que tivemos a seguir ao 25 de Abril, que toda a gente em Abrantes conheceu, o engenheiro Bioucas. Era um homem extraordinário, com uma personalidade muito singular, amado por toda a gente. O Manuel Dias, que era uma das personagens que vinha da oposição antes do 25 de Abril e que depois foi o primeiro deputado à Assembleia Constituinte, eleito a partir de Abrantes, e com o qual me dava muito bem. Também um casal que professores que tinham sido meus professores aqui, o António Bandos e a Helena Bandos, o António Mor, que é atualmente o presidente da Assembleia Municipal em Abrantes, e que foi correligionário comigo desde esses primórdios, para citar apenas alguns.
“Aderi muito cedo ao Partido Socialista, junto das pessoas de Abrantes, com quem já tinha relações de muita amizade e companheirismo, até de muito compromisso, na oposição anterior ao 25 de Abril.”
Jorge Lacão
Criámos aqui uma grande família que se foi desenvolvendo, depois com o Nelson de Carvalho, presidente da Câmara, e foi a partir desse mandato do Nelson de Carvalho que assumi a responsabilidade da presidência da Assembleia Municipal, que mantive durante 16 anos seguidos, não foi pouca coisa. Creio que demos também, nessa altura, um contributo muito grande, mais ele enquanto presidente de Câmara do que eu próprio. Enquanto presidente da Assembleia Municipal tinha funções mais representativas, para a modernização do nosso Município, da nossa cidade, e portanto orgulho-me naturalmente daquilo que foi o meu contributo para a vida pública do nosso concelho.
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A política acabou para si ou pode considerar uma contribuição futura, a nível regional?
A política não acaba porque continuo a ser um cidadão atento e um cidadão comprometido. Ao nível da participação em termos de cargos com responsabilidade política, sinceramente acho que acabou, porque as coisas têm o percurso que têm e por iniciativa própria entendi que tinha chegado a altura de parar. Creio que agora é, como disse, um tempo de reflexão que quero dar a mim próprio, com o fruto que daí possa vir a resultar. Isto não exclui a possibilidade de participação de variada natureza, se as circunstâncias assim o propiciarem. Não me fechei à sociedade e continuo a ser um cidadão ativo nesse aspeto, mas agora sem pretensões ou ambições a mais cargos de natureza política, seja a nível local seja a nível naciona
Nasceu numa freguesia do concelho de Portalegre, em Alagoa, como é que Abrantes surgiu na sua vida?
Os meus primeiros 10 anos de vida foram vividos no concelho de Gavião e foi lá que fiz a escola primária. No final da escola primária, para poder continuar os estudos, os meus pais deixaram o Gavião e vieram trabalhar para Abrantes. Vim precisamente para a Escola Comercial e Industrial, comecei por tirar aqui o curso comercial depois passei para o Liceu que entretanto tinha sido criado. Fiz a transição do final de curso comercial para o Liceu onde depois tirei o 6º e 7º anos. E daqui finalmente para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Portanto, a minha ligação a Abrantes começou a partir dos 10 anos de idade.
Deixando de lado a política, o que gosta de fazer, além de ler e escrever, como já referiu? Quem é o Jorge Lacão?
Estar com a família! Pai de dois filhos que já são adultos, aos quais também é importante dedicar atenção, e o Jorge Lacão é isso que lhe fui dizendo no decurso desta entrevista. Alguém que tem muito do seu compromisso ligado a um permanente tipo de estimulo – e não gostaria de ser presunçoso a dizer isto – de natureza intelectual, de pensamento. Aquilo que me dá identidade é poder estar permanentemente a testar o mundo das ideias, a validade delas e o seu significado para a sociedade em que vivo, num plano mais imediato ou num plano mais universal. O Jorge Lacão é esta pessoa que ainda tem a pretensão de, nesse plano da reflexão e da produção que essa reflexão permitir, dar o seu contributo nesse campo, que foi dado mais especificamente no domínio político ao longo desse trajeto todo, mas do qual guardo muitos dossiers e muitas pilhas de cadernos de apontamentos para, se tiver talento e longevidade ainda para o fazer, poder desbravar e poder retirar sentido de experiência e de ensinamento que possa ainda aproveitar a alguém na nossa sociedade.