Pedro Paulo Ramos Ferreira, 64 anos, amante da espeleologia, escuteiro, técnico oficial de contabilidade, licenciado em Ciências Sociais, autarca há mais de duas décadas em Torres Novas. Raramente eleva a voz e revela-se um bom ouvinte. Convida-nos para um cabrito no restaurante da NERSANT e vai-nos falando sobre os sabores algo desconhecidos da gastronomia torrejana. Revela também a sua veia literária e uma capacidade singular de manter a calma, mesmo quando admite que poderá vir a concorrer às autárquicas contra aquele que foi o “seu” presidente durante 20 anos.
O almoço esteve para ser um lanche na Feira dos Frutos Secos, em finais de setembro. Incompatibilidades de vária ordem foram adiando o encontro para uma entrevista à mesa até que, numa tarde de quinta-feira, com uns misteriosos 30 graus para um dia de outono, o encontro acontece, mas já sem frutos secos.
Pedro Ferreira admite: ainda pensou nas enguias do Boquilobo, outro pitéu característico de Torres Novas. Mas acabou por se inclinar para o cabrito, num restaurante que tem expostas várias participações no Festival Gastronómico desta especialidade. Garante-nos que é dos melhores da região, servido ao longo de todo o ano, e promete-nos um bom almoço do que de melhor se faz no concelho.
Nascido torrejano, Pedro Ferreira tem toda a sua família natural de Alcanena. Em jovem foi escuteiro e chegou a chefe de agrupamento, função que ocupou durante largos anos. Na vida profissional foi técnico de contabilidade mas acabou por se inclinar para o serviço social, com 37 anos de ligação ao Centro de Reabilitação e Integração Torrejano (CRIT). Entretanto tornou-se autarca, com um passado ligado à gestão municipal de António Rodrigues, até assumir nos últimos três anos as lides da Câmara de Torres Novas pelo Partido Socialista.
A entrevista acaba por passar por aí – é inevitável! – com a particularidade do ex-presidente estar a almoçar numa mesa próxima. Mas também se falou da poluição da ribeira da Boa Água e dos múltiplos projetos que irão marcar o próximo ano.
Passam populares, Pedro Ferreira cumprimenta-os. Almoça-se sem olhar a horários. O presidente tinha razão quanto ao cabrito. Suculento e extremamente saboroso, até para os que não são apreciadores deste tipo de carne. Terminamos com um brinde com sabor a whisky e desejos de um futuro próspero. Ao redor da mesa os autarcas estão, afinal, quase sempre e também a trabalhar…
Tem sido difícil agendar estas entrevistas com os presidentes da Câmara. Fica a sensação que os presidentes mal têm tempo para comer… é o seu caso?
Não, não. Pelo menos, no meu caso, não. O que acontece é que aproveito sempre os almoços ou jantares para trabalhar, encontrando-me ou com uma coletividade, ou com um presidente de junta, ou com colegas da vereação. Normalmente é ao almoço que nos encontramos com os vereadores e onde cada um faz o ponto do seu dia-a-dia, das suas preocupações e do que vamos fazer a seguir. Diria que temos tempo para comer e para conversar, não me lembro alguma vez sentir que estava com fome à hora do almoço (risos).
Mas basicamente ao almoço e ao jantar está sempre a trabalhar também…
Sempre. Fazer refeições em casa já é muito raro. Tento fazer refeições em família sempre que possível e pelo menos ao fim-de-semana junto-me à minha esposa e aos filhos [tem três] ao almoço ou ao jantar.

Tínhamos marcado esta entrevista durante um lanche na Feira dos Frutos Secos, que já passou. Gosta de frutos secos?
Gosto. Sinceramente gosto de todo o tipo de fruto seco. Tenho um carinho especial e sabe-me muito bem, e dá-me uma estaleca diferente, o figo de Torres Novas. Mas mesmo o figo preto! Eu gosto dos figos todos, figo fresco também. Mas gosto mais do figo preto, porque é um autêntico bombom. O figo preto é doce demais, não tem nada a ver com os outros figos a nível nacional. Aliás, nem há. Por isso é que defendemos Torres Novas como a “Capital dos Frutos Secos” mas também temos as nozes, as amêndoas…
É produtor? Tem alguém na família que produza?
Não. É engraçado que eu fui presidente da Associação Nacional de Frutos Secos uma série de anos – a representar a Câmara, que tinha a presidência da associação – e fui sempre acompanhando a Associação dos Frutos Secos com uma figueira no quintal, que já nem tenho. Tive que a cortar para fazer uma obra. Mas nunca fui produtor. Conheço-os todos, aplaudo, acho que eles são uns heróis. Quando era criança, Torres Novas estava cheia de movimento sobre os frutos secos. Sobretudo sobre o figo, para destilaria. Então o que acontecia: entrávamos em Torres Novas e havia um cheiro característico – nada incomodativo como o outro que a gente conhece. As caldeiras dos figos passavam nas carroças pelas ruas da cidade e largavam um líquido, ficava às vezes um rasto nas ruas. E ninguém se preocupava, porque sabíamos que aquilo não fazia mal a ninguém, e o cheiro também não incomodava ninguém. Nessa altura o figo dava dinheiro a muitos agricultores de todo o concelho. Era um riqueza, era o part-time agrícola de Torres Novas.
“É um romance, estou farto de falar nele. É um bocado mais para os jovens, mas tenho que ganhar coragem para o pôr na rua. É passado nas grutas do Almonda, uma parte real outra parte inventada por mim, no tempo dos escuteiros, no tempo dos espeleólogos. É outra paixão que tenho”
Quando entrámos na CEE foi a desgraça! Não foi a desgraça para o país, mas foi para o figo, porque as aguardentes de figo começaram a deixar formalmente de aparecer. Houve sempre aguardente de figo em casas particulares, etc. Mas porque o imposto a pagar à CEE era incomportável e não chegava para pagar pessoal, para apanhar o figo, etc… Quando eu ainda vejo pessoas a ganhar dinheiro com o figo tenho que aplaudir e considerá-los uns heróis. Primeiro pela paixão, pelo respeito pelos antepassados e por conseguirem ainda ganhar dinheiro e colocar no mercado um produto que acaba por ser um desafio para outros seguirem…
Regressando à sua infância, de que sabores se recorda?
Lembro-me dos bolos secos, dos bolos de novembro, dos bolos dos santos, lembro-me bem disso, que a minha avó trazia de Alcanena. Os bolos podres, que eram os bolos de café, e agora estamos na época deles, por isso que me lembrei logo. Da infância lembro-me muito das torradas de azeite e açúcar. O miúdos normalmente não são grandes gastrónomos, até às vezes é um castigo para comerem alguma coisa. Eu acho que não fugi à regra, queria era brincar e fugir rapidamente da mesa de almoço ou de jantar. Acho que todos se recordam das sopas da mãe. Felizmente em minha casa continuam as sopas todos os dias… Diria que levo realmente os bolos, a doçaria tradicional e o cabrito, já que também escolhemos cabrito, que a minha mãe fazia.
Sabe cozinhar?
Muito mal. Eu direi que não sei cozinhar. Quando tenho que me desenrascar sozinho tento fazer uns bifes o melhor possível, em que faço uma grande miscelânea, aquilo sai mais ou menos bem. Ponho-os em molho de leite (…) muito alho por cima e uns condimentos que possa lá ter em casa e aquilo normalmente sai bem. Gosto é bem passado.
Cozinha de vez em quando?
Nunca. Embora a minha mulher me incentive várias vezes a começar a treinar, mas eu tenho sido um bocado molenga…
Diz que as refeições de fim-de-semana costumam ser com a família. Ao domingo?
Mais o sábado. O domingo vou muito às coletividades. Temos um pouco mais de cem coletividades, todas simpaticamente a convidarem a Câmara. E eu acho que às pessoas das coletividades, que trabalham de uma forma despretensiosa e voluntária, é o mínimo que eu lhes posso dar é a minha presença. E então, de há muitos anos a esta parte que eu faço esse sacrifício, e a minha família já se habituou, de aos domingos, ir às coletividades. E salpico. Às vezes há duas ou três coletividades com almoços ao mesmo tempo e, como não posso ir às três, vou salpicando.
Então come mesmo muito em restaurantes…
Como muito em restaurantes. Todos os dias.
E preocupa-se com a saúde? Consegue fazer uma alimentação saudável?
Eu devia-me preocupar mais, mas também reparo que devo ser moderado porque não estou gordo, não me sinto mal. Portanto presumo que mesmo as coisas que fazem mal eu não exagero nelas.
É um pai galinha ou não tem tempo para isso?
Mesmo não tendo tempo sou um pai super galinha. No sentido da disponibilidade, de abrir as asas sempre que eles queiram. E eles sentem isso.
E vai ser um avô galinha?
Vou ser um avô super galinha. Vou passar por essa experiência, se Deus quiser, e vou ser um avô super galinha. Se calhar vou ser o avô para estragar (…) sempre gostei de brincar com crianças, já me estou a imaginar a fazer desenhos, a inventar brincadeiras. Mas também, e sempre que possível, acho que é uma obrigação de avô, dar bons conselhos e seguir com orientação alguns desvios que possam estar a acontecer dos netos e até dos filhos…
“um dos últimos Festivais de Enguias deu na televisão… E como deu na televisão começaram a chegar carros com pessoas que tinham chegado de um voo qualquer e vinham ainda com a bagagem do avião, em táxis…”
Torres Novas tem um Festival do Cabrito e já chegou a ter um Festival das Enguias. Pensam recuperar esse tema?
Se os restaurantes do Boquilobo quiserem alinhar novamente… Sabemos que é importante o Festival das Enguias, mas não podemos obrigar os restaurantes a colaborar ou a estarem abertos. O que é que aconteceu em anos anteriores? Nem sempre todos os restaurantes ligados às enguias tinham possibilidade de colaborar. E houve uma altura que pensámos: estar a forçar a tecla também não! Porque eles já têm clientela, mas era interessante terem mais. Nunca mais me esqueço que um dos últimos Festivais de Enguias deu na televisão… E como deu na televisão começaram a chegar carros com pessoas que tinham chegado de um voo qualquer e vinham ainda com a bagagem do avião, em táxis… Nunca mais me esqueci disto! E eles não tiveram mãos a medir. Mas ao realizarmos um Festival, o evento tem que ter pés e cabeça. Temos de ter uma conversa muito profunda com os donos dos restaurantes. Eu gostaria de retomar o Festival das Enguias porque é o ex libris do nosso concelho em termos gastronómicos.
Além do Cabrito ou das Enguias há outros Festivais que gostassem de promover? Já percebi que Torres Novas tem vários sabores escondidos…
Nós queremos fazer, para lá do Festival do Cabrito e do Festival da Enguia, um Festival gastronómico mais generalizado. E se possível fora dos restaurantes. Temos dois Festivais que podem e devem ser realizados em restaurantes. Gostaríamos de fazer um mais aberto, tipo a Feira dos Frutos Secos mas aberto, gastronomicamente falando, com pratos mais simples. Para o ano vamos fazer a Feira do Vinho. Foi uma sugestão já dada várias vezes na Câmara e que nós vamos assumir.
É autarca há 23 anos. Imagina-se a fazer outra coisa?
Imagino-me a fazer outra coisa, sim, como a tirar partido de alguns gostos especiais que tenho e que não tenho tido tempo para desenvolver. Adoro desenhar, adoro trabalhar o barro, adoro escrever. Tenho escrito pouco. Tenho tido pouca coragem para apresentar trabalhos do que escrevo, quer em termos de poesia, que acho que devem ser só para mim, quer em termos de uma história que tenho há que tempos escrita e que não há meio de sair. É um romance, estou farto de falar nele. É um bocado mais para os jovens, mas tenho que ganhar coragem para o pôr na rua. É passado nas grutas do Almonda, uma parte real outra parte inventada por mim, no tempo dos escuteiros, no tempo dos espeleólogos. É outra paixão que tenho.
Foi espeleólogo?
Andei meses a fio… Saía do meu local de trabalho, às sextas-feiras, a minha mãe já tinha uma lancheira preparada. Entrava nas grutas à sexta à noite e saía ao domingo de manhã com a patrulha. Orgulho-me de ter feito parte da equipa [que fotografou e mapeou grande parte das grutas do Almonda, desde há 45 anos].

O que pensa estar a fazer daqui a cinco anos?
Estar na Câmara. Vou-me candidatar outra vez, portanto… Ah, daqui a cinco anos! Daqui a cinco anos quero estar com a minha netinha, se for só uma, ou se forem mais estar com eles…
Corre o rumor que o antigo presidente António Rodrigues se vai recandidatar. Se ele o fizer, recandidata-se na mesma?
Vou-me recandidatar na mesma porque a democracia é democracia, e se ele for sozinho eu respeito. Se ele se recandidatar, da minha parte será uma campanha não agressiva. Não agrido ninguém, não ofendo ninguém. Portanto todos os que concorrerem contra mim não vão encontrar no Pedro Ferreira um opositor com umas luvas de boxeur, para aleijar. Já me conhecem e ele conhece-me também. Se ele entender ir, muito bem. Fui segundo dele durante 20 anos, acho que me portei bem senão ele não me aguentava 20 anos. Ele comigo, ao longo dos 20 anos, também não se portou mal.
Não tem receio de, eventualmente, o ter depois como oposição?
Não, sinceramente, não tenho receio. Nem sou daqueles que equacionam, se perderem, depois abandonar o lugar. Não sou assim. Devemos respeitar sempre os votos que nos dão e não criar desilusão às pessoas que acreditam em nós.
Falta um ano para as eleições. O que gostaria de ainda deixar feito?
Deixar o problema da ribeira da Boa Água resolvido, em primeiro lugar, e deixar as pessoas tranquilas e o ambiente melhorado. Numa cidade que não tenha essa característica de bom ambiente, não vale a pena o turismo. As pessoas não vão perceber: entrar em zonas bonitas e com um cheiro tóxico e nauseabundo. Isso tem que ser resolvido de vez! E tentar continuar a captar empresas e captar emprego…
“Se António rodrigues se recandidatar, da minha parte será uma campanha não agressiva. Não agrido ninguém, não ofendo ninguém. Portanto todos os que concorrerem contra mim não vão encontrar no Pedro Ferreira um opositor com umas luvas de boxeur, para aleijar. Já me conhecem e ele conhece-me também”.
Porque é que vale a pena viver em Torres Novas?
Há qualidade de vida. Tirando essa história agora do cheiro que invade Torres Novas, nós temos qualidade de vida. Em termos de ensino, em termos de cultura fora do vulgar, temos um Palácio dos Desportos (…) Temos um Hospital que faz parte do Centro Hospitalar do Médio Tejo e que temos esperança que vai ter uma potencialidade maior. Tem uma paisagem boa e sobretudo acessibilidades. Porque há concelhos lindíssimos mas têm muita dificuldade em captar pessoas porque não têm boas acessibilidades. Torres Novas, eu diria até a nível nacional, tem a melhor localização estratégica. Todas as vias principais de acesso passam por aqui.
Um último brinde?
Ao futuro de Torres Novas e também ao futuro do Médio Tejo, já agora com o jornal mediotejo.net. Obrigado.