Diz não estar na política com segundas intenções e, por isso, sente-se sempre tranquilo com as decisões que toma. Serenidade é a palavra chave que traça o perfil de José Farinha Nunes, 66 anos, presidente da Câmara Municipal da Sertã, que aceitou revelar mais sobre si à mesa com o mediotejo.net. Num dia de primavera com temperaturas a fazer lembrar o verão, o autarca escolheu o restaurante “O Delfim”, no centro da vila e perto de uma magnífica ponte romana, tendo o repasto sido degustado, por sua sugestão, ao ar livre, no varandim do restaurante, tendo a Ribeira da Sertã como música de fundo.
Casado, com dois filhos e três netos, Farinha Nunes madruga sem despertador. Há cortesia em cada gesto seu. O tom de voz é afável. Sorri quando recua no tempo para desfiar em memórias. Neste dia, escolheu carne de porco à alentejana e vinho tinto para acompanhar. Em cima da mesa não poderiam faltar os maranhos, uma das iguarias típicas da região, feita a partir de carne de cabra e com um intenso sabor a hortelã. A conversa correu fluída, sem pressas, tal como é apanágio do autarca social-democrata, que raramente sai do seu registo tranquilo. O menino que um dia sonhou ser piloto aviador acabou por fazer uma carreira tributária, tendo trabalhado nas Finanças durante mais de 35 anos – até chegar à presidência da Câmara da Sertã, depois de uma passagem pela Assembleia Municipal.
Durante a hora e meia pela qual se estendeu esta conversa, o telemóvel do autarca não tocou uma única vez. O diálogo apenas foi interrompido, fugazmente, para responder aos muitos cumprimentos que lhe foram dirigidos. Pediu maçã assada como sobremesa e dispensou o café no final. “Não me dou bem e, por isso, evito beber. Nunca sei como é que o meu organismo vai reagir”, confessou, entre outras revelações surpreendentes. E descobrimos que, afinal, também se enerva… com o seu Benfica. Por isso, prefere ver os jogos em casa.

Escutamos o som da ribeira como música de fundo. É uma pessoa que se sente bem no meio da natureza, aprecia a tranquilidade do campo?
Eu nasci num meio agrícola. Os meus pais eram agricultores e foi com o rendimento da agricultura que estudei e que fui evoluindo como pessoa. Gosto muito da agricultura, da natureza e isso faz com que eu me sinta bem neste espaço. Sou da Passaria, uma aldeia do concelho da Sertã, onde nasci e cresci. A escola primária era muito perto da minha casa.
E também estudou na vila da Sertã?
Sim, vinha a pé todos os dias. Fazia 15 quilómetros a pé. Houve uma preparação física muito grande e com alguns sacrifícios porque no inverno, principalmente, em trilhos apertados, cheios e mato e água, chegávamos ao colégio todos molhados. Mas eram tempos bons, alegres. Éramos muitos a fazer este percurso, todos os dias, da Passaria à Sertã. Tínhamos dias em que demorávamos mais a chegar à escola do que outros. Dependia do que nos aparecia durante o caminho. Recordo que, à vinda para baixo, no tempo dos tordos, armávamos as armadilhas e depois, na ida, assávamos e comíamos… Havia tempo para tudo. Brincávamos muito, como era próprio da nossa idade.

Era um bom aluno?
Era médio… Não era mau mas também nunca pretendi ser muito bom (risos). Gostava mais da área das Ciências. Ainda hoje gosto muito de nanotecnologia. Gosto de ler, de perceber aquilo que poderá acontecer, em termos tecnológicos, daqui a uns tempos. Não tenho tempo para ler muito mas há duas edições de livros de nanotecnologia que gosto bastante de ler. Tenho curiosidade de saber como é que isto vai evoluir. Estou convencido que, daqui a uns anos, é considerado um atraso ser ainda necessário um motorista conduzir um automóvel.
O que dizia querer ser quando fosse grande? Tinha uma profissão de sonho?
(Mostra surpresa) Por acaso nunca me perguntaram isso (risos)… Eu tinha um certa curiosidade em como é que era possível manter um avião no ar. Quando passava um avião dizia que queria ser piloto aviador, aquilo era uma coisa interessantíssima para mim. Mas não cheguei a concretizar este sonho porque aos 18 anos acabei de estudar e arranjei emprego.
“Quando passava um avião dizia que queria ser piloto aviador, aquilo era uma coisa interessantíssima para mim. Mas não cheguei a concretizar este sonho porque aos 18 anos acabei de estudar e arranjei emprego”
E qual foi o seu primeiro emprego?
Foi nas Finanças. Ofereci-me para trabalhar nas Finanças da Sertã e estive lá três meses como voluntário. Entretanto, fui falar pessoalmente com o diretor de Finanças de Castelo Branco, que era quem geria a instituição no distrito de Santarém. Disse-lhe que gostava de trabalhar nas Finanças e respondeu-me que havia falta de pessoal no serviço na Sertã. Lembro-me que não apontou o meu nome pelo que lhe perguntei se não era melhor que o fizesse para depois poder ser chamado. Respondeu-me que eu tinha razão e puxou de um lápis de pau. Apontou o meu nome e a morada e, passados poucos dias, chamou-me. É curioso. A partir daí, optei por progredir na carreira com formação profissional permanente. Todos os anos ia a concursos. Fui subindo até ao máximo possível na Sertã. Poderia subir mais se fosse trabalhar para Castelo Branco ou para o Fundão mas pedi sempre para continuar a trabalhar na Sertã.
Nas Finanças trabalhava no atendimento ao público?
Trabalhei durante 36 anos nas Finanças da Sertã, sempre no atendimento ao público. Quando concorri à Câmara, parecia que a minha profissão não ajudava muito, mas acabou por ajudar porque a minha função também passava por esclarecer os direitos das pessoas. Não é só pedir e exigir do contribuinte, também ajudamos a que percebam porque pagam os seus impostos.

Como é que a política entra na sua vida?
Nos anos 90 fui convidado pelo PSD para ocupar o lugar de 1.º secretário na assembleia municipal. Passado um mandato concorri ao cargo de presidente deste órgão e tive sucesso. Estive oito anos nessa época, quatro como primeiro secretário e quatro como presidente da assembleia municipal. Aliás, curiosamente, fui eleito para a assembleia municipal quando o Partido Social Democrata perdeu para a câmara.
Alguma vez pensou chegar a presidente de Câmara?
Não, nunca pensei nisso. Em 2009, quando me convidaram para ser cabeça de lista pelo PSD à Câmara até tinha feito um interregno na política. Mas apareceu-me esta oportunidade para concorrer e aceitei.
Consultou a família antes de aceitar?
Consultei. A família não colocou obstáculos e disse-me que eu é que tinha que decidir. E decidi. Cheguei à presidência da Câmara de uma forma muito natural. Considero que é um trabalho muito abrangente. O que fazemos é para ajudar as pessoas e sentimo-nos mais realizados. Apesar de nas Finanças, onde trabalhei, também existir uma noção muito forte da Justiça. A família já sabe como é que isto funciona, não exige muito de mim. Sinto que é importante ter este apoio. Aliás, se assim não fosse não me candidatava. Mas gostei muito de estar nos Impostos.
O que é que o levou a aceitar este desafio? Sendo uma pessoa tranquila por natureza, ao ocupar um cargo politico tem que estar disposto a dar o corpo às balas?
É verdade. Parece que andamos sempre em guerra mas eu entendo que não é necessário entrar em guerra, nem mesmo quando confrontarmos os adversários políticos. As decisões têm que ser tomadas e tomam-se. As oposições, normalmente, não concordam com quem está a gerir porque é esse o seu papel – senão são criticados pelos próprios partidos a que pertencem. A oposição tem que dizer mal, muitas vezes, sabendo que aquilo que criticam não está mal.
Pelo que tenho assistido, tem uma forma muito diplomática de lidar com as críticas da oposição.
Sempre fui assim porque gosto de ponderar muito antes de tomar uma decisão. Sinto-me bem sempre nas decisões que tomo. Se estivesse a pensar em cometer alguma injustiça não me sentiria bem mas, depois de ponderar e decidir, fico bem com a minha consciência. Mais do que os valores materiais, agradeço aos meus pais os ensinamentos que me deram, os valores que me passaram e que não se aprendem na escola, e a oportunidade que tive para estudar. Considero que o berço é fundamental.
“Mais do que os valores materiais, agradeço aos meus pais os ensinamentos que me deram, os valores que me passaram e que não se aprendem na escola”
Mas nunca perde a calma?
Exteriormente não. Interiormente posso enervar-me. Tenho de me controlar porque sei que tenho que ser assim. Faz parte da minha personalidade. Não vale a pena sofrer por antecipação. As coisas devem ser resolvidas de forma muito natural. Se as pessoas agirem assim são muito mais felizes. Como não estou na política com segundas intenções, fico sempre tranquilo com as decisões que tomo. Se não compreenderem as minhas decisões, o problema é delas.
E não aufere qualquer vencimento como presidente de câmara.
Sim, a maior parte das pessoas não sabe disso. Pensam que se aqui estou é por algum motivo ou porque tenho outros interesses. Pensam errado, mas estou descontraído, o que pensam é problema deles. Sou uma pessoa simples, que gosta de receber toda a gente. Gosto muito de ouvir a opinião das pessoas, principalmente dos jovens com quem aprendo muito.

É uma pessoa madrugadora?
Sou. Cinco, seis horas da manhã é, para mim, a hora de acordar. Há muitos anos que não uso despertador porque já sei que são estas as horas a que acordo. Curiosamente, é nestas horas do dia que encontro, muitas vezes, a solução para muitos problemas. Não há televisão, não há ruído, pelo que produz-se muito mais. Normalmente vejo nascer o sol. Durmo seis, sete horas, e é suficiente para mim.
Como é que é a sua rotina diária?
Levanto-me cedo, vejo as notícias e vou para a Câmara, onde faço a vida normal de autarca. Há sempre muito papel. Os políticos deviam ter mais tempo para decidir e dedicarem menos tempo para o papel. Com a desburocratização dos documentos há muita informação que passa por nós, o que não devia ser necessário. Os técnicos deviam ter mais competências do que os políticos. Os políticos devem pensar é nas decisões. Mas estamos muito presos ao papel. Saio da Câmara entre as 19h30 e as 20 horas e não levo trabalho para casa. Muitas vezes, vou ver as obras de noite. Gosto de lá chegar, ver a obra e verificar se foi ou não bem feita.
“Os técnicos deviam ter mais competências do que os políticos. Os políticos devem pensar é nas decisões. Mas estamos muito presos ao papel.”
Vai sempre almoçar a casa?
Sim, prefiro. A minha esposa é que cozinha, gosta muito. Eu não me ajeito muito, confesso. Ainda comecei mas ela depois disse-me que era melhor ser ela a fazer. O prato de que gosto mais é caldeirada de peixe. Não preciso de comer muito para ficar satisfeito, mas gosto de comer a horas e bem. Vivemos num concelho com uma excelente gastronomia. O nosso prato forte são os maranhos.
A Sertã tem muitas potencialidades.
A economia da Sertã baseia-se na floresta e na gastronomia. E, por isso, temos investido bastante na divulgação da nossa gastronomia. Temos paisagens muito bonitas e o turismo também é um prato forte.
O que é que sonha para a Sertã?
Simplesmente que as pessoas se sintam bem, que sejam felizes aqui. Para isso temos que ajudar a criar condições para que exista mais qualidade de vida na Sertã. Eu entendo que se vive muito melhor no concelho da Sertã no que na grande Lisboa ou no grande Porto.
Já anunciou que volta a concorrer à Câmara. Com que espírito parte para mais um mandato?
Tal como da primeira vez. Tenho consciência que fiz o melhor, as pessoas têm noção de Justiça e espero que as coisas corram bem por causa disso. Trabalhamos porque queremos satisfazer as necessidades das pessoas. Não conseguimos fazer tudo o que nos pedem porque é impossível. Temos vontade de o fazer, podemos é não conseguir fazer dentro do pouco tempo que o esperam. Depois, há situações às quais temos que dar prioridade e isso faz, muitas vezes, com que os planos de trabalho sejam interrompidos.
Tem algum hobbie?
Agora tenho o tempo “livre” muito ocupado porque tenho dois netos (risos) em Portugal e mais uma neta na Noruega. Quando me veem começam logo a correr na minha direção. E nem sequer lhes dou brinquedos ou dinheiro para o mealheiro. Sinto que gostam muito de mim, e isso é ótimo. Ocupam-me o tempo todo. E depois, gosto de futebol, embora não goste de ir ao estádio, porque começo a suar. Sou uma pessoa calma mas recordo uma vez que fui ao Estádio da Luz (ao antigo, ainda), e levei algumas garrafas de água, que têm que ir destapadas, porque com tampa não podem entrar. Quando o Benfica marcou um golo reparei que as minhas garrafas desapareceram todas e que as pessoas que estavam à minha frente ficaram molhadas (risos).
E lemas de vida?
Não. Tudo, na minha vida, decorre muito naturalmente… o que tiver que acontecer acontece. Não há nada que me obrigue a modificar alguma coisa em mim para atingir determinado objetivo. Nunca sofro por antecipação.
Por último, convido-o a fazer um brinde…
À saúde, que é o principal. Ao sucesso na profissão e na vida familiar. Muito obrigado.