Em Alcanena, a figura de Fernanda Asseiceira, presidente da Câmara Municipal desde 2009, nem sempre foi consensual. Se por um lado há quem a adore e partilhe dos seus valores políticos e sociais, também há quem lhe aponte alguma incapacidade para debater outros pontos de vista que não o seu. Não obstante, a presidente, a primeira mulher a ocupar o cargo neste concelho com um século de história, conseguiu ir somando triunfos, obtendo em 2017 uma significativa vitória nas urnas. Entre vários projetos sociais, obras concluídas e uma luta contínua contra a poluição, os 12 anos de Fernanda Asseiceira no executivo deixam a sua marca na história do município. O mediotejo.net falou com a autarca socialista para fazer um balanço da sua passagem pela Câmara Municipal.
Aos 60 anos, Fernanda Asseiceira pode dizer que deu a vida pela causa pública. Depois de uma carreira já estabelecida como professora de 2º ciclo no ensino público – profissão que considera ser uma “honra” – enveredou pela vida política, tendo sido deputada na Assembleia da República e vereadora da oposição no município de Alcanena.
Ao chegar ao executivo em 2009 encontrou uma dívida de 20 milhões de euros, o que inibiu o investimento durante vários anos. Seguiram-se episódios sucessivos de poluição, que culminaram com uma guerra aberta com os industriais de curtumes para definir uma nova gestão do sistema de saneamento do concelho. Já a finalizar o terceiro (e derradeiro) mandato, a pandemia de covid-19 trouxe-lhe alguns dos piores episódios de mortes em lares na região do Médio Tejo.

A tudo isto Fernanda Asseiceira conseguiu sobreviver, reforçando a sua posição na autarquia, equilibrando as contas municipais, criando novas estruturas de monitorização do ambiente e saindo com obra feita um pouco por todo o concelho, destacando-se em particular a resolução de problemas crónicos do território, como a requalificação da rede de coletores, da ER361 e a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM).

Conhecedora dos vícios da política, nem sempre tolerou bem a crítica da oposição, embora também tenha cedido, ao longo do percurso, em algumas das suas posições. Quem discorda dela tende a apontar-lhe a postura autoritária de professora primária da “velha guarda”, mas há um respeito transversal pela sua figura, as suas boas intenções e o espírito de força e de vontade de fazer, necessário a quem exerce cargos públicos.
Fernanda Asseiceira tem afirmado sair com a sensação de dever cumprido. Com tantas incertezas no futuro, este é sem dúvida o final de um período singular neste território.

Costuma-se dizer que a base de uma pessoa está formada aos sete anos. Como era nessa idade? Que sonhos tinha?
Com sete anos… Não me recordo de ter uma perspetiva de futuro da minha vida, sinceramente. É certo que atualmente tudo é diferente. A escola é diferente, a vida em sociedade é diferente, a vida em família é diferente. Eu estava na escola. Recordo-me que estaria mais preocupada com o presente. Em ter boas notas, em estudar. Em ser cumpridora, que sempre procurei ser. Com o brincar. Era muito brincalhona, gostava muito de brincar na rua com amigos. Uma coisa que se perdeu muito.
Que valores lhe foram transmitidos na infância?
Sobretudo valores – que eu reconheço que marcaram a minha vida – de trabalho, de honestidade, de seriedade. Os meus pais eram realmente pessoas muito trabalhadoras, muito lutadoras, honestas. Fizeram tudo o que estava ao seu alcance para o desenvolvimento das filhas, para o crescimento das filhas. Fizeram esforços, até do ponto de vista financeiro, para que as filhas estudassem e fossem alguém. Tinham um grande orgulho nas filhas. Passaram-me essa imagem de trabalho, de luta, que nada se consegue sem empenho.
[emociona-se] Quando falo nos meus pais não me aguento… A maior perda que tive na vida foram os meus pais.
A minha vida foi dedicada a ações e a funções que estão associadas a serviços de natureza pública e de interesse público. Uma pessoa que tem responsabilidades dessa natureza, do meu ponto de vista, só pode encarar as suas funções com um grande espírito de missão.
No dia do concelho, a 8 de maio, referiu que sempre entendeu a vida política como uma missão. De onde lhe veio este espírito? O que quis dizer com isto?
É inerente à minha própria função. O ser professora é também uma função de serviço público. Como deputada também. Como presidente de Câmara também. A minha vida foi dedicada a ações e a funções que estão associadas a serviços de natureza pública e de interesse público. Uma pessoa que tem responsabilidades dessa natureza, do meu ponto de vista, só pode encarar as suas funções com um grande espírito de missão.
Não é uma missão muito fácil… Dar-se aos outros, dessa maneira.
Não. Implica uma entrega total e prosseguir objetivos com grande determinação para se atingirem esses mesmos objetivos. E só assim a missão está efetivamente cumprida.
E quais são os seus canais de apoio para fazer este caminho? As pessoas que estão numa missão por vezes sentem-se muito sozinhas. A que se agarra no seu dia a dia?
Aos meus princípios e aos meus valores. De facto, poderia ser mais fácil com uma estrutura mais próxima em termos familiares. Isso por vezes acontece, ajuda. A minha missão acaba por ser ainda de maior exigência porque é uma missão muito baseada na força que vou buscar a mim própria e na responsabilidade que me é transmitida.
Como presidente de Câmara eu tinha uma pessoa que me incentivava sempre muito, que era a minha mãe. Ambos sentiam orgulho em mim, mas a minha mãe era uma pessoa sempre a incentivar, sempre a aconselhar-me. Essa parte senti falta, de facto.
As pessoas quando nos elegem, isso para mim foi sempre de uma grande responsabilidade e de uma grande exigência. Porque elegem-nos porque… confiam em nós. É como se estivessem a entregar-nos – e efetivamente estão – a responsabilidade de nós fazermos algo por elas e algo por esse território. Isso é uma força que nós também sentimos. De correspondermos ao que nos foi, pelo voto, entregue e solicitado. Essa é também a força que eu sinto no dia a dia para cumprir, para procurar fazer melhor.

Em 2009, quando foi eleita pela primeira vez, que pensamentos lhe passaram pela mente? Estava à espera de ganhar?
Em 2009 estava à espera de ganhar. Eu até digo que em 2005 também estava à espera de ganhar (risos). Penso que só não ganhei porque na altura a conjuntura não foi favorável, ainda havia ali uma grande associação a um passado que as pessoas do concelho tinham ainda muito presente.
O Partido Socialista em 2001 teve uma derrota muito grande e por vezes também há essa tendência de se perder esse ponto de partida. Houve um processo de construção. De 2001 a 2005 é pouco tempo para se passar de uma derrota tão expressiva para uma vitória. Mas eu cheguei a acreditar que já era possível ganhar em 2005. O que também mostra o meu espírito de confiança, que é necessário para ir à luta.
elegem-nos porque… confiam em nós. É como se estivessem a entregar-nos – e efetivamente estão – a responsabilidade de nós fazermos algo por elas e algo por esse território.
Mas qual foi a sua perceção do concelho em 2009?
Há uma grande coerência nos vários programas eleitorais, nas áreas de intervenção. Foi feita a avaliação global ao concelho, logo em 2009. Haviam questões estruturais que tinham que ser asseguradas com toda a responsabilidade.
Logo de início a questão financeira, que como presidente de Câmara eleita tive maior perceção da gravidade em que se encontrava. A questão da estabilização económico-financeira, dos limites do endividamento, da nossa credibilidade junto das entidades, da nossa capacidade de assumir os compromissos.
Depois um trabalho sempre a pensar nas pessoas, virado para as pessoas. As pessoas precisam de ter equipamentos escolares para promover uma boa qualidade do ensino, que felizmente é uma área que tem vindo a ser construída, nomeadamente com o trabalho do Agrupamento de Escolas de Alcanena em colaboração com a Câmara Municipal. Também com a nossa visão de requalificação dos edifícios escolares, que ficarão em quase toda a totalidade ou com financiamentos aprovados.
Pensar nas pessoas na área social, que foi sempre para nós muito determinante. Avançámos com muitos novos projetos sociais. Assegurar o bom funcionamento e as melhores condições das respostas sociais do concelho. Daí o nosso apoio às IPSS, em ampliações, em apoio a novas ofertas.
cheguei a acreditar que já era possível ganhar em 2005. O que também mostra o meu espírito de confiança, que é necessário para ir à luta.
Desde o início tivemos a perceção da importância do movimento associativo do concelho. As associações viram sempre na Câmara Municipal um parceiro que procura estar atento e que apoia. Apoia em atividades, nas suas sedes, até cedendo instalações. Isso tem tornado o concelho muito rico na dimensão cultural, na dimensão desportiva. Houve desde a primeira hora a procura de valorizar a oferta para as pessoas em todas estas áreas.
Houve uma área determinante, que se veio a tornar determinante e foi sempre um problema do concelho, que tinha a ver com a questão ambiental. O concelho viveu sempre associado a problemas de ordem ambiental e tornou-se uma das áreas mais difíceis de ultrapassar, porque passa pelo envolvimento e pela responsabilização e práticas de todos.
Houve também uma estratégia a este nível e sobretudo com o enquadramento regulamentar. Avançámos com coragem para a criação de uma empresa municipal. Foi um passo exigente e complexo.

Quando foi inaugurada a rede coletores, em 2015, fiquei com a sensação, e julgo que foi essa a sua sensação também, que se estava a resolver, pelo menos em parte, o problema da poluição. Foi uma decepção o que se passou a seguir?
Na altura havia o compromisso de intervir em várias áreas. Sempre houve esse compromisso. A área da requalificação de coletores era uma dessas dimensões, que ficou efetivamente resolvida.
Há registos que evidenciam o mau estado em que se encontrava a rede de coletores. Em alguns sítios não havia coletor; havia derrames com frequência dos efluentes para os solos, para as linhas de água, com uma libertação de odores muito grande. Quando nós temos aquela realidade, com aqueles problemas tão evidentes, é claramente uma perceção real de que com a requalificação da rede de coletores os problemas deixavam de existir. Vinha contribuir para a melhoria, como contribuiu.
Mas não passava só por aí. Passava também por intervenções na ETAR, mas essas já da responsabilidade da AUSTRA. Algumas foram feitas, outras não. Outras estavam para avançar numa fase em que estávamos a avançar para o resgate. Foi essa avaliação que a AQUANENA já fez com o seu Plano Estratégico e há já um conjunto de projetos prioritários que estão previstos de concretizar a curto prazo.
Há outra dimensão, a da origem, que é a das unidades industriais. O cumprimento dos limites de rejeição para as redes de coletores, o pré-tratamento que deve existir. Tivemos alguns episódios mais graves ao nível ambiental em que os efluentes chegaram à ETAR com parâmetros que excediam o limite de rejeição. Por isso é que é um sistema: quando falha alguma das componentes do sistema, é claro que há resultados que perturbam esse mesmo funcionamento.
Temos esta consciência de intervenção em várias áreas.

Ao fim destes 12 anos e de todos os problemas que já mencionou – a rede de coletores, a ETAR, os industriais de curtumes, a constituição da AQUANENA – chegou a alguma conclusão sobre a real origem da poluição no concelho?
Tem que haver o cumprimento dos parâmetros de rejeição. Se não se cumprem, criam-se problemas ao longo dos coletores e à chegada à ETAR. A ETAR tem que trabalhar realmente com níveis grandes de eficácia, mas também tem que estar preparada para efluentes com características que têm condições para tratar. Não pode ter surpresas com efluentes que ultrapassam os parâmetros previsíveis para serem tratados.
O que aconteceu foram cargas poluentes excessivas no sistema que vieram danificar todo um biológico na ETAR e o próprio sistema, que ficou fragilizado e precisa de tempo para recuperar e voltar a funcionar em condições, como o nosso organismo.
Este sistema para ser bem cuidado tem que todos os dias ter uma grande fiscalização, uma grande monitorização, de tudo aquilo que entra, para garantir o adequado tratamento.
Há registos que evidenciam o mau estado em que se encontrava a rede de coletores. Em alguns sítios não havia coletor; havia derrames com frequência dos efluentes para os solos, para as linhas de água, com uma libertação de odores muito grande.
O legado que deixa, que é a AQUANENA, pensa que terá condições de fazer essa fiscalização a médio/longo prazo?
Já está a fazê-lo. É uma empresa bebé, recém-nascida, criada em dezembro de 2018. Em 2019 foi um ano em que progressivamente assumiu as várias áreas. Em 2020 foi o ano em que, na sua totalidade, integrou todas as áreas. Mas foi ano de pandemia.
A AQUANENA tem tido um arranque difícil e complexo mas tem sido capaz de executar as suas tarefas e prestar um bom serviço.
Quando assumiu funções em 2009 a dívida municipal situava-se nos 20 milhões. A crise obrigou-a a adiar todo um conjunto de obras. Esta situação assustou-a? Como encarou esse período de reajuste económico e financeiro?
Temos que reconhecer que uma presidente de Câmara, na altura mais jovem, que entra com a expetativa de muito fazer e que se vê confrontada com uma enorme dificuldade em fazer alguma coisa….
Nós não tínhamos dinheiro para fazer nada. Estava comprometido o funcionamento normal do município, o pagamento de salários. Não conseguíamos pagar aos nossos fornecedores. Houve aqui um período em que todos os dias eram dezenas de faturas em chegar à câmara. Porque os fornecedores, vá-se lá saber porquê, só enviaram as faturas depois do ato eleitoral, de serviços prestados anteriormente. Alguns em que tínhamos dificuldade em conferir e validar. Foram dezenas de faturas. A dívida a curto prazo chegou a ser superior a 5 milhões. Dívidas, algumas delas, de centenas e milhares de euros.
Todas aquelas dívidas que eram de montantes que permitiam estabelecer um plano de pagamentos, para tentar aliviar a tesouraria no imediato, a primeira preocupação que tive foi contactar todas e estabelecer esse plano. Mas mesmo assim não chegava, porque depois o pequeno fornecedor precisava da sua liquidez e era uma pressão imensa, diária, na Câmara para receber o dinheiro. E eu sem dinheiro para lhes pagar.
Nós não tínhamos dinheiro para fazer nada. Estava comprometido o funcionamento normal do município, o pagamento de salários. Não conseguíamos pagar aos nossos fornecedores.
Foi na altura que a Troika entra no país e houve uma retração nas entidades bancárias. A Câmara já tinha ultrapassado em 4 milhões o limite do endividamento, eu nem sequer tinha condições de ir à banca pedir um empréstimo. Na altura também não tínhamos bancos a emprestar-nos dinheiro. Por isso, fazendo uma avaliação ao enquadramento legal e a situação estrutural de desequilíbrio financeiro, o único recurso era elaborar um Plano de Saneamento Financeiro. Revelou-se uma grande exigência, mas foi o que permitiu à Câmara começar a respirar.
Foi possível com a Caixa Geral de Depósitos e com o Montepio juntar os 5 milhões de euros que nos permitiu fazer aquele momento… Foi um momento alegre, lembro que na altura o registei. Para mim foi de uma enorme alegria poder efetivamente pagar às pessoas a quem a Câmara devia dinheiro. Não tinha sido eu a fazer essa dívida, mas era a mim que me competia regularizar a situação. E regularizei-a.
Havia casos muito complicados com fornecedores?
Sim, porque havia muitos montantes em dívida. Os prazos médios de pagamento a fornecedores eram muitos grandes, alguns chegavam a ser superiores a um ano. Hoje anda dentro da média dos 30 dias. É uma inversão de paradigma. Esta foi uma realidade: a Câmara não ter dinheiro para pagar salários, ter fornecedores que já não vendiam à Câmara.
Foram estes constrangimentos que eu vivi. Entro aqui com uma expetativa de fazer obra, de lançar projetos, e a primeira realidade que encontrei foi esta.
Depois com a Troika e o Plano de Saneamento Financeiro, a Câmara não podia contratar pessoas. Ainda hoje é uma realidade a necessidade de recursos humanos nalguns serviços. Não pudemos ter a estrutura orgânica que queríamos ter. Houve uma intromissão enorme na nossa dinâmica, só fazíamos o que nos era permitido fazer.

Como encara o futuro do setor dos curtumes no concelho?
O setor dos curtumes do concelho é um setor tradicional, que começou por ser uma indústria associada à tradição das famílias, modernizou-se, inovou, avançou para a qualidade da matéria prima, associada a produtos de luxo. Quando nós falamos no mundo automóvel, no vestuário, na aeronáutica, está associado a áreas de luxo.
As empresas que tiveram capacidade de se capacitar em termos de gestão, de modernizar em termos de produção, de procurar novos mercados, de aumentar os segmentos de mercado para fazer chegar os seus produtos, essas empresas considero que têm e continuarão a ter futuro.
Na última ExpoPele, em 2019, sentiu-se uma tensão ao nível da indústria de curtumes, na medida em que os empresários dizem que precisam crescer, mas depois as condições ambientais, as regras instaladas não os deixam crescer e eles sentem que ficam prejudicados a nível competitivo internacional. Poderá gerar-se aqui um problema a longo prazo?
É uma questão de paradigma, de conceito e de atitude. Considero que muito pelo contrário.
Houve uma tendência, não direi de todos, mas de muitos empresários em considerar que o investimento em produtos e tecnologias mais sustentáveis eram custos que punham em causa a sua competitividade. Sempre disse o oposto.
Uma empresa que se posiciona com as boas páticas ambientais, que hoje firma a sua distinção por essa melhoria, por ter nos seus processos essa preocupação, o cliente, seja ele qual for, é cada vez mais sensível a quem dá provas de ter responsabilidades de natureza ambiental. Por isso estas preocupações, do meu ponto de vista, não podem ser associados a custos. São fatores competitivos que mais valorizam a indústria de curtumes.
Foi possível com a Caixa Geral de Depósitos e com o Montepio juntar os 5 milhões de euros que nos permitiu pagar às pessoas a quem a Câmara devia dinheiro. Não tinha sido eu a fazer essa dívida, mas era a mim que me competia regularizar a situação. E regularizei-a.
Um dos seus pilares foi a ação social. Deu apoios, criou cabazes, houve um grande esforço de apoio ao associativismo. Ficou alguma coisa por fazer a este nível?
Há sempre coisas para fazer. A ação social exige uma atenção diária à vida das pessoas. Penso que o que há a fazer é ir continuando a reforçar e valorizar os muitos projetos que foram lançados.
Muitos municípios optam por dar cheques às pessoas. No seu caso, com o programa dos cabazes a bebés, crianças e idosos, optou por dar bens. A que se deveu esta opção?
É precisamente para nós termos a garantia que os bens que são necessários chegam às crianças e aos idosos. É uma garantia de que isso acontece.
É um trabalho acrescido para os serviços, de facto. Mas assim temos a certeza que o montante é para os bebés ou idosos. Não é a desconfiar das pessoas, mas pode haver a tentação de direcionar para outro fim o dinheiro e não atingir o objetivo para que é atribuído.

O que gostaria de ter feito nestes três mandatos que não conseguiu?
Gostaria de em vez de ter canalizado 15 milhões de euros para as entidades bancárias, ter tido estes 15 milhões de euros para investir no concelho. Imaginem o que poderia ter feito. Também é importante que saibamos ter esta avaliação.
O trabalho é para continuar. Com as condições encontradas foi feito o que era possível fazer. Se não fosse a pandemia, em vez de ter deixado obras a decorrer, para inaugurar em 2022, talvez ainda pudessem ter sido inauguradas em 2021. Gostaria de as ter inaugurado eu.
Qual foi a sua grande vitória e o seu grande fracasso?
A minha grande vitória foi ter sido eleita presidente da Câmara, reconheço isso. Foram três grandes vitórias e a última deu-me particular prazer, porque fui eleita presidente de Câmara em todas as freguesias e em todas as mesas de voto. Quando tive essa perceção, foi uma satisfação que não vou esquecer. Foi seguramente a minha maior vitória.
Não tenho tido perceção de ter tido derrotas na vida autárquica. Posso ter tido situações que me desagradaram, mas não considero isso derrotas. Ouvi críticas injustas, sofri ameaças gravíssimas, até à minha entidade física. São questões que marcam. As pessoas tinham razão, mas eu via quem estava envolvido nesses comentários e havia claramente associações de natureza política, como se vai ver no próximo ato eleitoral. Mas não considero isso derrotas, mas situações que entristecem, magoam, e quem está nestas funções tem que ultrapassar com a consciência tranquila de que se fez o que está ao nosso alcance.

Qual foi a situação mais difícil que viveu nestes 12 anos?
Ao nível autárquico teve a ver com acusações injustas, em que eu cheguei a sentir receio pela minha segurança, pela minha integridade física e dos meus familiares. Havia mensagens anónimas que me iriam fazer mal.
A presidente sempre fez parte da solução, nunca fez parte do problema. Quando se fez passar a mensagem de que a presidente era culpada por cheirar mal em Alcanena (…) eu cheguei a temer pela minha integridade física. Houve o claro objetivo de me prejudicar, de denegrir a minha imagem, de me fragilizar e eu não percebo porquê.
O que é que aprendeu como presidente de Câmara?
Muito. Muito. Quem leva esta função a sério como procurei levar, entrar dentro dos processos como procurei entrar, as competências de uma autarquia são tantos que saímos daqui com conhecimentos em todas as áreas. Isto é uma amplitude de conhecimentos. É preciso uma capacidade de gestão diária, de relação com as pessoas, com tantas entidades. O termos que estar capacitados para falar sobre qualquer assunto, de concretizar qualquer projeto. É um enriquecimento enorme.
Do ponto de vista humano sinto-me com as mesmas características. Nunca coloquei em causa os meus princípios e os meus valores. Física e emocionalmente é muito desgastante.
Do ponto de vista do enriquecimento, em termos de competências e capacidades, sinto-me realmente uma pessoa com um enriquecimento imenso. Nem sei como as nossas cabeças aguentam tantos assuntos. (risos).
A presidente sempre fez parte da solução, nunca fez parte do problema. Quando se fez passar a mensagem de que a presidente era culpada por cheirar mal em Alcanena (…) eu cheguei a temer pela minha integridade física. Houve o claro objetivo de me prejudicar, de denegrir a minha imagem, de me fragilizar e eu não percebo porquê.
Como socialista, como feminista, o que significa para si ter sido a primeiro mulher presidente de Câmara em Alcanena?
Na realidade tenho sido uma defensora atenta e ativa na promoção da igualdade de oportunidades, na presença das mulheres em várias áreas. Considerando que as mulheres já estão tão presentes no ensino superior, na educação, no nível social, mas depois há outras áreas que tradicionalmente têm estado mais associadas à presença dos homens. Nomeadamente quando falamos em lugares de liderança, lugares de topo de empresas e organizações. É esse caminho que tem vindo a ser percorrido
A lei das quotas, que tive a honra de participar e votar, serviu sobretudo para dar esse sinal de que era importante haver essa preocupação.
Tive a honra de já respeitar e ter em conta essa realidade na elaboração das listas nas várias eleições em que concorri. Quando fui deputada já houve esse critério. Depois ter sido eleita presidente da Câmara, mulher, pela primeira vez, após toda uma história de poder autárquico democrático de liderança masculina, teve uma grande importância e terá sempre.
É um sinal de uma mudança na própria sociedade. As pessoas votam em pessoas que entendem reunir melhores condições e competências para o efeito e neste caso com as eleições autárquicas é um facto que as pessoas podem reconhecer que as mulheres estão à altura destes grandes desafios, como reconheceram em mim
É uma honra. É com gratidão que constato esse reconhecimento que foi feito à minha pessoa enquanto cidadã e também pelo facto de ser mulher.
Apesar das mudanças, este ainda não é assim um universo tão feminino. Sente que deixou um exemplo?
Sim. Eu no município Alcanena, e todas as presidentes de Câmara que têm sido eleitas noutros municípios, sem dúvida alguma que abrimos caminho. Procuramos ser bons exemplos de que é possível.