Os voluntários no espaço de Santarém na 47ª edição da Festa do Avante. Créditos: mediotejo.net

José Pratas, de boina à Che e mochila às costas, confirma a lista de passageiros. “Estão todos, podemos seguir”, diz ao motorista do autocarro. E seguir é viajar de Abrantes até à Quinta da Atalaia, no Seixal, apanhando até Constância alguns “camaradas e amigos” pelo caminho. Depois é viagem rápida e quase direta, com uma paragem a meio do percurso para um café ajudar a abrir os olhos, que o espírito está bem desperto e a alegria é visível.

Do distrito de Santarém partiram no sábado, dia 2 de setembro, cinco excursões para a 47ª edição da Festa do Avante, este ano dedicada aos 50 anos do 25 de Abril. A excursão é o primeiro momento que nos permite constatar a famosa “capacidade de organização” do PCP. No autocarro fazem-se contas, vende-se o programa da Festa e distribuem-se panfletos informativos, nomeadamente dando conta da Jornada Nacional em defesa do Serviço Nacional de Saúde, no dia 16 de setembro, e ainda do Espaço da Organização Regional de Santarém.

Chegados à Festa, a primeira perceção, além da grandiosidade do espaço, com enormes avenidas, palcos para concertos e espetáculos, lagos e relvados e quarteirões de restaurantes, é que toda a gente se trata da mesma maneira… e que não há pressa.

O primeiro fim de semana do nono mês do ano é sempre a escolha para a reentre política do PCP, que este ano arrancou no primeiro dia de setembro. Mas a Festa do Avante é também um momento cultural vivido por milhares de pessoas, não só nos espetáculos musicais mas também em exposições artísticas, na Feira do Disco e do Livro. Parafraseando Miguel Esteves Cardoso: “É muita gente; muita alegria; muita convicção; muito propósito comum. É espantoso ver o que se alcança com um bocadinho de colaboração. Não só no sentido verdadeiro, de trabalhar com os outros, como no nobre, que é trabalhar de graça.”

E como é “o País numa Festa”, no espaço de Santarém, composto pelo restaurante Tasquinha, um expositor dedicado aos bolos do Ribatejo e outro aos vinhos, encontrámos o reflexo dessa afirmação: voluntarismo, colaboração e alegria.

Além da oferta gastronómica típica do distrito, como a sopa da pedra, carne de touro avinhado, sopa de peixe e bifanas em pão de caralhota, não faltou a rica doçaria, como as tigeladas de Abrantes, o arrepiado de Torres Novas, o pão de ló de Rio Maior, o pampilho de Santarém, o bolo de cabeça, as broas de erva doce, de mel e de café, a torta de noz e gila de o quindim de amêndoa. Os vinhos foram representados pela Adega Cooperativa de Almeirim, Benfica do Ribatejo, Cartaxo, Companhia das Lezírias, Quinta da Lapa e Centro Agrícola do Tramagal, numa envolvência também no que toca aos setor empresarial.

A animação esteve no sábado a cargo do Rancho Folclórico São Miguel de Carregueiros, de Tomar, com um folclore bastante marcado pelas Beiras devido sobretudo às migrações de trabalhadores rurais, pelo que nas suas danças de roda está bem patente essa influência, embora o povo do norte do Ribatejo acabasse por lhe dar o seu cunho pessoal.

Valter Cabral, responsável pelo espaço de Santarém, explicou tratar-se “da Festa de um povo” construída “com esforço e grande militância para os outros” revelando “o projeto, as ideias, a capacidade de convergência” que o PCP tem para o País, defende.

“Uma questão essencial que assumimos e a nossa Festa é a festa do nosso povo, independentemente de onde vêm. A Festa tem esta abrangência, esta convergência, muitos democratas, patriotas, independentemente de serem do PCP ou não mas que veem na Festa um projeto”.

Uma Festa que começa a ser preparada “com muita antecedência, em coletivo, por distritos desde junho, com jornadas próprias” para a sua construção, “com diferentes militantes do Partido, venham eles de onde vierem com o que sabem fazer, mas vêm para a Festa aprender, contribuir.

Desde operários, trabalhadores de supermercados, motoristas, independentemente do que fazem na sua profissão vêm para a Festa ajudar a construir com as suas capacidades e alegria. Vamos construindo pouco a pouco” e depois o “funcionamento, não só com militantes do Partido mas também com muito boa gente que não é militante mas quer contribuir”, acrescenta.

O responsável lembrou que até nos anos de pandemia “a Festa do Avante foi exemplar”. Mostrou ao País “que era possível continuar a viver apesar dos ataques constantes e das falsas capas de jornais norte-americanos que apareceram” a Festa foi uma realidade embora “num contexto distinto”, disse, recordando que o plano de contingência para a Festa do Avante de 2020, a pedido do Museu da Farmácia , integra agora o espólio daquele Museu, em Lisboa.

“Este ano a Festa é diferente, não temos a distância, já podemos abraçar-nos uns aos outros. Algo que temos na Festa: os encontros”.

Mas a evidência que salta aos olhos do visitante que chega ao espaço de Santarém prende-se com a Saúde – um dos temas em foco nesta 47ª Festa do Avante, a par do direito à habitação e do apelo à paz.

No âmbito dos 50 anos da Revolução de Abril, Santarém escolheu a conquista do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e organizou um debate, na manhã de sábado, sobre a defesa do SNS no distrito e no País com a presença de Bernardino Soares, do Comité Central e responsável pelas questões da saúde, André Gomes, da direção da Organização Regional de Santarém e dirigente do Sindicato dos Médicos da zona Sul, e Rui Raposo, também da direção da Organização Regional de Santarém e membro dos Movimento de Utentes dos Serviços Públicos.

47ª edição da Festa do Avante!. Créditos: mediotejo.net

“Consideramos um momento importante, junto das populações” defender o SNS por ser ”uma conquista de Abril, base desta temática que dedicamos ao espaço deste ano”, referiu Valter.

Falou de “lutas importantes” dos utentes travadas no distrito, um espírito que quiseram “transportar” para Festa, caracterizado na própria decoração expositiva, designadamente “a carência de médicos de família e as opções políticas do Partido Socialista juntamente com o PSD, Chega e Iniciativa Liberal que querem destruir o SNS. Neste espaço queremos afirmar as propostas e a solução. No quadro pandémico a grande solução para os problemas de saúde foi o SNS e queremos continuar a valorizá-lo”, reforçou.

ÁUDIO | RUI RAPOSO

Sublinham os comunistas que “mesmo enfraquecido foi o SNS que deu resposta durante o recente período pandémico. No tratamento de casos positivos, na identificação de cadeias de transmissão, na vacinação”.

Como resultado desse “enfraquecimento”, os números são visíveis e decoram as paredes do expositor de Santarém onde se podia ler que “80 mil utentes do distrito não têm médico de família (20% da população)” salientando os casos de “Ourém com 12 mil utentes sem médico de família, Salvaterra de Magos 11500 utentes, Abrantes 9800 utentes, Rio Maior 7300 utentes, Alcanena 5500 utentes e Santarém 4 mil utentes”.

O debate lembrou que o SNS trouxe para o distrito a construção de quatro hospitais, Santarém, Abrantes, Tomar e Torres Novas e um centro de saúde por cada um dos seus 21 concelhos, com as múltiplas extensões de saúde, contabilizando-se centenas. André Gomes deu conta que antes do SNS o distrito de Santarém contava com sete centros de saúde.

47ª edição da Festa do Avante!. Créditos: mediotejo.net

Assim, a existência do SNS, de forma universal, geral e gratuita (mais tarde tendencialmente gratuita, naquele que foi para os comunistas “o primeiro ataque de fundo” ao SNS), incorporou uma nova visão para o País: a visão de que a saúde é um direito constitucionalmente consagrado.

Atualmente, frisaram os comunistas, no distrito de Santarém, “os profissionais de Saúde Pública, são menos de metade do que indica a lei”, por exemplo no Médio Tejo “dos sete que deveriam existir, existem três médicos” de Saúde Pública, deu conta André Gomes.

ÁUDIO | ANDRÉ GOMES

Quanto aos hospitais “têm cada vez mais dificuldade em ter profissionais do quadro, recorrendo a empresas de colocação de médicos (muitos sem especialidade) para cumprir turnos de urgências ou assegurar consultas”.

Além disso, sublinham “os tempos de espera multiplicam-se. No Hospital de Santarém, por exemplo, o tempo de espera pelas especialidades de Cirurgia Vascular pode chegar aos 150 dias, na Ginecologia aos 290 dias, na Neurologia aos 180 dias, na Pediatria aos 130 dias, na Oftalmologia aos 230 dias, na Psiquiatria aos 300 dias”.

Bernardino Soares apontou o dedo ao Governo dizendo que “transfere cada vez mais recursos para o setor privado: em análises, cirurgias, tratamentos, exames médicos e até consultas”. Referiu que o Governo argumenta com um aumento do investimento no SNS, “numericamente sim, mas não para fazer face às necessidades. Em 2022, o SNS apresentou um resultado negativo de 1100 milhões de euros”.

Lembrou ainda que no Orçamento de Estado em vigor aumentou o investimento (previsto) para 941 milhões – pensando inclusivamente na renovação de hospitais e de centros de saúde – mas até à data “foram executados 146 milhões, pouco mais de 15% do total que foi orçamentado, os equipamentos não são renovados, as obras não são feitas e é isto que também vai degradando o SNS”, disse.

Já a concentração, com a criação das Unidades Locais de Saúde, para Bernardino Soares não resolve os atuais problemas do SNS e perspetiva uma “desvalorização dos cuidados de saúde primários”.

ÁUDIO | BERNARDINO SOARES

Depois dos temas políticos, a Festa continuou com animação, música, cinema, desporto, ciência, gastronomia e descanso, já que percorrer toda a Quinta da Atalaia pode revelar-se cansativo. Contudo, zonas verdes com relvado, bancos e sombras não faltam em todo o recinto. Também o ambiente não foi esquecido e a organização adotou medidas para a eliminação do plástico descartável.

A Festa também foi das crianças com um programa pensado para elas, quer na música, no teatro ou no cinema. Além de carroceis, insufláveis, pinturas faciais e workshops, os mais pequenos puderam contar com a animação da ‘Monstrinha’ nas manhãs de sábado e domingo.

A Festa do Avante terminou no domingo, com a estreia de Paulo Raimundo enquanto secretário-geral do PCP no comício de encerramento do evento. Admitiu, entretanto, aos jornalistas, um “certo burburinho” por ser a sua primeira Festa do Avante enquanto líder, mas disse querer demonstrar que o Partido tem capacidade para “construir alternativa”, considerando que esta é cada vez “mais necessária”.

Independentemente das mudanças que possam existir no panorama político, é certo e seguro que no próximo ano a Festa voltará a ser construída “para todos”, com a força e vontade do povo comunista.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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1 Comentário

  1. Excelente reportagem sobre a Festa do Avante e em particular do espaço do distrito de Santarém.
    Retratando com isenção ( como deve ser o trabalho jornalístico) o que viu e ouviu ,ficamos com a ideia clara do que é o antes, o durante e o depois da Festa do Avante .

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