Num pequeno romance, considerado pelo autor mais próximo da novela, o escritor José Luís Peixoto recriou ficcionalmente a relação da então pastorinha Lúcia e sua mãe. “Em teu Ventre” teve apresentação ao público dia 23, sexta-feira, e reuniu algumas dezenas de curiosos na Escola de Hotelaria de Fátima (EHF).

A “coragem” do escritor em abordar um tema sensível foi um dos aspetos sublinhados por Miguel Real, a quem ficou o encargo de falar sobre a obra.

“Não se pode falar sobre Fátima sem uma memória de 100 anos”, começou Miguel Real, escritor, ensaísta e professor de Filosofia. “Em teu Ventre” foi por este considerado “um dos melhores romances” de José Luís Peixoto, “uma ousadia” que por certo permitirá a que outros autores venham agora abordar também o tema. “Há pouquíssimos romances sobre Fátima”, recordou. “Para o escritor é extremamente difícil transformar os Pastorinhos em personagens estéticas”. Até porque a Irmã Lúcia, sobre quem incide o foco da obra, “é uma personagem que existiu, que morreu há pouco tempo”.

“É uma ousadia inocente para quem não escreve pensar que é fácil”, ressalvou. “Escrever sobre Fátima não tem sido abundante porque é difícil”. Não esquecendo, tornou a sublinhar Miguel Real, que esta é uma ficção. “Não vamos encontrar aqui a Lúcia verdadeira”, embora ela lá esteja. “As aparições não são narradas, os seus efeitos são”, adiantou.

Já José Luís Peixoto lembrou que o seu trabalho “é um objeto literário, não um documento histórico”, apesar da investigação e o rigor que procurou inculcar na obra. “Não sendo realista, tem aspetos enganchados no realismo”.

Narrado por Deus, o livro decorre entre Maio e Outubro de 2017 e encerra com uma separação abrupta entre Lúcia e sua mãe. “O livro é constituído por duas grandes dimensões”, explicou o escritor. A coletiva, “que tem que ver com a memória histórica, com a dimensão que diz respeito a todos, à história de Portugal e à história deste episódio do catolicismo”, e a dimensão “da reflexão sobre as mães”.

A cerimónia na EHF serviu ainda para apresentar o programa do Festival Literário “Tábula Rasa”, a decorrer em Novembro em Fátima. O filósofo e escritor Eduardo Lourenço será o grande homenageado com um prémio do evento, dedicado à literatura e filosofia.

Cláudia Gameiro, 32 anos, há nove a tentar entender o mundo com o olhar de jornalista. Navegando entre dois distritos, sempre com Fátima no horizonte, à descoberta de novos lugares. Não lhe peçam que fale, desenrasca-se melhor na escrita

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