O ministro das Finanças, João Leão, anunciou uma nova medida extraordinária para “ajudar as famílias” financeiramente, devido à subida dos custos dos combustíveis. Em resumo, o que o governo anuncia permitirá obter um desconto de 10 cêntimos por litro, até um limite de 50 litros por mês, até março de 2022. Ou seja, no máximo cada contribuinte poderá poupar 5 euros por mês, num total de 25 euros durante o período em vigor desta medida.
Não querendo dizer que é pouco, porque sei bem quantos litros de leite se podem comprar com 5 euros, tenho de dizer: senhor ministro das Finanças, o que quer “dar” às famílias é pouco. Muito pouco.
É sobretudo pouco para as famílias que vivem no Interior, onde os transportes públicos continuam a ser uma miragem, onde o carro é fundamental para trabalhar, ir ao supermercado ou ao hospital.
São as mesmas famílias a quem o governo prometeu no ano passado descontos de 50% nas portagens das antigas SCUT (sem custos para o utilizador, noutros tempos), quando afinal lhes “deu” apenas 30% de redução, com uma manobra que, mesmo podendo ser legal, foi imoral. Continuam a repetir-se as promessas de “acabar de vez com as portagens” no Interior, quando (e se) “o governo puder”.
É pouco, senhor ministro, muito pouco.
Além disso, para poderem usufruir dos descontos desta medida extraordinária, os contribuintes têm de seguir uma série de passos que são muito mais complexos para quem vive fora de Lisboa. Desde logo porque obriga a fazer um registo online, o que não é simples nem para os mais velhos nem para os mais pobres. Não há um computador ou um smartphone em cada casa, por mais que queiramos acreditar. Os meses de confinamento, de teletrabalho e de telescola deveriam ter servido para que se percebesse isso, de uma vez por todas. Mas, pelos vistos, não.
A cobertura nacional de rede de internet continua a ser uma falácia. Sei bem que nos gabinetes do poder se discute a maravilha que vai ser a implementação do 5G em Portugal, mas nas casas de muitas aldeias e vilas deste país ainda se suspira por um sinalzinho que seja de 3G. Em alguns locais nem Televisão Digital Terrestre (TDT) ou telefone fixo há. Nem o sistema de comunicações de emergência do Estado funcionava em 2017 em Mação, quando tudo à volta ardia.
Mas acreditemos que sim, que todos conseguirão fazer o seu registo, com a ajuda de familiares ou amigos, da junta de freguesia ou da assistente social, como tantas vezes acontece quando chega a altura de entregar o IRS (que já não se pode entregar em papel, embora em quase tudo o resto da Administração Pública seja sempre indispensável preencher um papel, e ainda mais outro papel).
O sistema criado é tudo menos simples, num país onde os níveis de iliteracia continuam a ser dos mais altos, a nível europeu.
Senão vejamos: primeiro há que fazer o registo no programa Ivaucher, neste site. Depois, para receber os descontos, não se pode pagar com dinheiro, mesmo pedindo fatura com número de contribuinte. Tem de se pagar com um cartão bancário (mas verifique se o banco é um dos aderentes ao programa, o que pode consultar aqui), e esse cartão tem de ser de uma conta bancária associada ao seu número de contribuinte (se for uma conta com mais de um titular, como sucede com tantos casais portugueses, que possuem contas conjuntas, não é claro que um segundo titular também seja abrangido…)
Há de pôr também combustível numa bomba que seja aderente do programa Ivaucher – e aí mais vale perguntar antes de abastecer, porque não há nenhuma listagem disponível. Depois, tem de pedir fatura, claro. Se tudo correr bem, dois dias depois terá o saldo contabilizado no site do Ivaucher, e poderá usar essa verba em compras num dos estabelecimentos aderentes. Quais são? Também não há uma lista disponível. Apenas uma listagem dos CAE elegíveis, mas sem garantia de que os estabelecimentos desses setores tenham aderido. Há que perguntar, portanto, caso a caso.
Mas não é tudo. Não pode usar o saldo que se tem da forma que se quiser. Só pode ser descontado saldo até 50% do valor da compra. Por exemplo, se fizermos uma compra de 10 euros, podemos descontar 5 euros do Ivaucher, mesmo que tenhamos 10 euros em saldo. E esse desconto não é imediato. Temos de pagar a conta na totalidade e, mais tarde, o desconto que foi permitido (5 euros, neste exemplo) será creditado na nossa conta bancária.
E se não for? Bom, aí mais vale fazer uma marcação online para conseguir um atendimento presencial num balcão das Finanças (boa sorte), onde por certo lhe explicarão que o erro foi seu, que não fez o que era suposto. Deixe lá, eram só 25 euros. Para quê chatear-se com tão pouco?