A descentralização de competências da Saúde para as autarquias deve realizar-se através de auto de transferência até 31 de março de 2022, mas, a menos de um mês da data, os autarcas continuam com dúvidas e, na região do Médio Tejo, alguns já assumiram recusar a área da Saúde. É o caso de Ourém e Tomar, entre muitos outros, muito por causa do envelope financeiro que afirmam ser insuficiente. Para debater a transferência de competências na Saúde, o Município de Ferreira do Zêzere organizou um Fórum Autárquico no qual se ficou a saber que dos 52 municípios da ARSLVT apenas três assinaram o auto. A Administração Regional continua em conversações com 45 e os restantes quatro não estabeleceram contacto até ao momento.
O auto de consignação de transferência entre o Ministério da Saúde, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e os municípios – onde se incluem 11 do Médio Tejo – contemplará recursos humanos, no caso os assistentes operacionais, logística, bens patrimoniais, designadamente equipamentos e edifícios, e instrumentos financeiros associados ao desempenho das competências. será assim em todo o país.
No entanto, com a aproximação da transferência definitiva e obrigatória de competência na área Saúde para os municípios, a acontecer a partir de 01 de abril de 2022 – inicialmente prevista para 2021, o prazo de obrigatoriedade da aceitação das competências nesta área foi prorrogado até final de março -, os municípios manifestam dúvidas, com alguns autarcas a afirmarem não terem condições para aceitar a área a descentralizar, sobretudo quando ainda não existe um Orçamento do Estado aprovado para 2022.
A lei salienta que os municípios devem participar no planeamento, na gestão e na realização de investimento relativos a novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente na sua construção, equipamentos e manutenção.
Além disso, passa para os municípios, como já referido, a gestão dos trabalhadores, inseridos na carreira de assistente operacional, das unidades funcionais dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que integram o Serviço Nacional de Saúde.
Apesar de, no processo de transferência e no exercício de competências, ser assegurada a autonomia técnica dos ACES, na qualidade de serviços desconcentrados das ARS, durante o Fórum Autárquico em Ferreira do Zêzere, na quinta-feira, 3 de março, o próprio ACES do Médio Tejo manifestou algumas preocupações, com a diretora executiva, Diana Leiria, a enumerar os “desafios” que terão de ser ultrapassados para que a descentralização resulte.
As Câmaras, após ouvir o conselho da comunidade do ACES, deverão, por exemplo, elaborar ou atualizar o Plano Municipal de Saúde, enquadrada com os planos nacionais e regionais, mas Diana Leiria considera “pouco exequível” um órgão com 21 representantes ter capacidade para estabelecer pontes.
“Estamos a falar de um órgão consultivo, reúne ordinariamente duas vezes por ano e tem uma participação que impossibilita na prática levar isto desta forma”, afirmou, defendendo a necessidade de encontrar “interlocutores e formas claras de comunicarmos”.
Falando em aspetos “práticos” a diretora executiva do ACES Médio Tejo referiu a transferência de bens para os municípios, como as viaturas. “Como é que os nossos profissionais conduzem as viaturas sem problemas?”, interroga. “Uma das formas que encontrámos no passado foi acordos de comodato. Vai ser-nos exigido alguma imaginação de forma a ultrapassar algumas questões”, declara.
Na transição dos assistentes operacionais, que no dia a dia estarão nas unidades de Saúde, “quem é que trata da assiduidade, da avaliação?”, questiona Diana Leiria, ao mesmo tempo que encontra a resposta na lei, ou seja, “os presidentes de Câmara podem delegar no diretor executivo matéria de gestão”.
Mas pergunta: “será que vamos continuar a ter este sentimento de pertença que o SNS tinha? Pertencemos todos à mesma equipa e fomos capazes de vencer esta pandemia através deste sentimento de vestir a camisola. É um desafio! Apesar de em entidades diferentes, temos de ser capazes de manter este sentimento que temos no SNS; somos todos uma equipa”.
No meio das dúvidas, Diana Leiria referiu alguns fatores “facilitadores” desde processo, como o bom relacionamento com as autarquias, a proximidade geográfica, os utentes serem munícipes das autarquias, o histórico de cooperação entre as autarquias e o ACES, os municípios conhecerem a realidade das unidades de saúde instaladas no seus territórios, e o ACES ficar mais liberto das tarefas administrativas e poder dedicar-se mais à governação da Saúde e à gestão clínica. Há ainda uma expectativa de maior celeridade.
Contudo, deu conta de “alguns constrangimentos” identificados pelo ACES e pela ARSLVT que “urge ultrapassar”, nomeadamente “autarquias e saúde falam linguagens diferentes, existe da parte da população um desconhecimento da organização dos cuidados de saúde primários, o modelo pode revelar-se frágil sem uma regulamentação forte e podem surgir algumas ambivalências em termos de gestão e de responsabilização, há o risco de iniquidade entre os concelhos, há que encontrar um equilíbrio para não haver mais onde existam mais recursos económicos”, defendeu.
Como desafios, a responsável enumerou três “essenciais”; o da comunicação, priorizar a mais valia da proximidade, e as Câmaras – através delas os seus munícipes – participarem no conceito de política de saúde local, na gestão e na execução, e serem todos os atores responsabilizados por essa ação e não só a Saúde.
ÁUDIO | DIRETORA EXECUTIVA ACES MEDIO TEJO, DIANA LEIRIA:
Pacote financeiro desajustado
Além de Diana Leiria, o Fórum Autárquico contou com outros intervenientes, designadamente José Alho, vice presidente da CCDR-LVT, e Anabela Barata, da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) que admitiu estar o pacote financeiro “desajustado” sendo esta realidade “consensual”.

Dos 52 municípios da ARSLVT “apenas três assinaram, estando em conversações com 45 e os restantes de facto ainda não nos contactaram”, avançou Anabela Barata, admitindo “os desafios que temos de ultrapassar” considerando, no entanto, “normal nos processos de mudança”, designadamente “no entendimento da legislação e passar à prática”.
Vincou Anabela Barata que “o pacote financeiro, não há dúvida nenhuma e aceite por todos, está desajustado! São valores com base na execução de 2018 para se transferir competências em 2022”. Mas para a responsável, a questão passa por “afinar o quando é que vai ser reposto aquilo que todos consideramos ser o que faz sentido. Porque se tudo corresse como estava previsto no projeto inicial ainda assim havia algumas divergências. Há determinados valores financeiros que não estavam à partida plasmados no pacote financeiro […] os preços, mais que não seja pela inflação têm um acréscimo”, notou.
E começa logo pela primeira rubrica do pacote financeiro, ou seja, o que a transferência contempla para os edifícios. “O que está de alguma forma plasmado é o valor para a manutenção e conservação. Não é de todo a construção de novos equipamentos. Não estamos a falar nem de novas construções nem de grandes reparações”, explicou.
Anabela Barata exemplificou com os arranjos exteriores e jardinagem. Esclareceu que o plasmado na lei “eram os custos que as ARS tinham nas suas demonstrações financeiras” sendo que a ARSLVT “nunca despendeu valor para este tipo de serviço”.
ÁUDIO | ANABELA BARATA, ARSLVT:
Por seu lado, José Alho durante a sua intervenção sobre o tema ‘Desafios da Gestão de competências na área da Saúde’ falou sobre a regionalização, do referendo em 2024, dos programas de financiamento como o Plano de Recuperação e Resiliência, bem como da oportunidade para beneficiar equipamentos, das novas três NUT II, como entidades de gestão direta, e dos novos desafios que a Saúde também irá enfrentar com as alterações climáticas, eventualmente com o aparecimento no território português de problemas que atualmente existem noutras zonas do globo, como a malária ou o dengue, ou os problemas provocados por ondas de calor ou ondas de frio.
Também por isso classificou como uma questão de emergência a existência de uma Autoridade Nacional de Proteção Civil “cada vez mais robusta” e “próxima das populações”.
O Município de Ferreira do Zêzere promoveu no Centro Cultural o Fórum Autárquico sobre Transferência de Competências na Área da Saúde. O evento teve com principal objetivo promover o diálogo autárquico e académico sobre a transferência de competências no âmbito da Saúde, especialmente vocacionado para autarcas e agentes da descentralização, contando com a participação de cerca de 80 auditores oriundos de mais de 30 municípios e a representar entidades administrativas da saúde, de norte a sul do país.
O fórum foi uma oportunidade, no quadro da atualidade, de constatar os problemas e desafios da saúde, numa altura em que todos os municípios devem aceitar novas responsabilidades no âmbito descentralização de competências.

Ferreira do Zêzere em negociações para a Saúde
Na abertura da sessão, o presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, Bruno Gomes, e o presidente da Assembleia Municipal, José Casanova, foram unânimes em defender que, para além das questões relativas aos meios materiais, é urgente que se fortaleçam medidas que permitam incentivar a vinda de médicos, em especial de medicina geral e familiar para os concelhos do interior.
À margem do Fórum Autárquico, em declarações ao mediotejo.net, Bruno Gomes, falou da importância da iniciativa e as razões que levaram o executivo municipal a promover o debate em torno da Saúde.
“Porque das três delegações de competências, esta é aquela que gera maiores desafios. Percebemos bem que os municípios estão, ainda, numa fase de negociação, não querem assinar os autos de consignação e era muito importante também que pudéssemos sair daqui mais capacitados para decidir em consciência e para com isso os nossos munícipes possam ter serviços de Saúde de maior qualidade”, explicou Bruno Gomes.
A iniciativa partiu da vereadora Ana Elisabete Ferreira, com o pelouro da Saúde, um Fórum que o presidente considerou “um sucesso! Tivemos mais de 70 entidades a participar, muitíssimas Câmaras e acho que saímos todos mais capacitados e mais conhecedores dos desafios que é esta delegação de competências na área da Saúde”.
Relativamente à posição da Câmara de Ferreira do Zêzere quanto à assunção da área da Saúde Bruno Gomes disse ainda estar “na fase de negociação. Estamos sempre disponíveis para negociar, para conciliar vontades mas também não podemos esquecer que queremos sempre o melhor para os munícipes ferreirenses e será sempre nessa ótica que vamos discutir esta delegação de competências”.
Otimista, o autarca diz acreditar “sempre numa solução” e acreditar que “vamos chegar à solução certa” mas faltam as restantes negociações para que a Câmara Municipal possa “ter maior certeza que a assunção destes compromissos seja feita de forma justa”.

ÁUDIO | PRESIDENTE DA CÂMARA DE FERREIRA DO ZÊZERE, BRUNO GOMES:
O primeiro painel, “Contexto e justificação da transferência de competências na área da Saúde. Desafios ético-jurídicos”, foi moderado pelo presidente da Assembleia Municipal e teve intervenções de Carla Barbosa (Centro de Direito Biomédico), Daniel Torres Gonçalves (AMEDIJURIS – Associação Portuguesa Direito e Medicina) e André Dias Pereira (Instituto Jurídico; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra).
O segundo painel centrou-se nos “Objetivos estratégicos da descentralização de competências na área da Saúde” e contou com a moderação de Ana Elisabete Ferreira. Intervieram neste tema, Inês Fronteira (Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida), Albino Pereira (ANAM – Associação Nacional de Assembleias Municipais), Luís Cabral de Oliveira (Departamento de Ciências Jurídicas; Instituto Politécnico de Leiria) e Diana Vilela Breda (Conselho Diretivo do Hospital Arcebispo João Crisóstomo).
O terceiro e último painel permitiu refletir como vimos sobre os “Desafios da Gestão de competências na área da saúde”, com os contributos de Diana Leiria e Anabela Barata , moderados por Orlando Patrício, vice-presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere.
Os trabalhos foram encerrados pela presidente da CIMT – Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, Anabela Freitas, na certeza de que esta jornada de trabalho permitiu pensar, de forma científica, técnica e operacional o grande desafio que se coloca aos municípios portuguesas com as novas competências numa área de intervenção tão sensível e essencial ao bem estar das suas comunidades.
A descentralização de competências é positiva (e necessária) mas creio não fazer sentido, num Executivo autárquico, a eleição de vereadores da oposição porque tal como no Governo central temos ministros responsáveis pelas diversas “pastas” também no poder local (cada vez mais) devemos ter vereadores responsáveis por todos os pelouros: Saúde, Educação, Ação Social,…. E o que acontecerá se não for eleito nenhum vereador com competências num dos pelouros? Com eleição por método de Hondt não é assegurado que na lista mais votada sejam eleitos vereadores com competências (conhecimentos) para todos os pelouros porque não se saberá à partida quantos serão eleitos, logo como fazer uma lista abrangente (em todas as áreas de competências) se não é um dado adquirido o número de vereadores que serão eleitos (3, 4, 5,….)?
Gosto muito de trabalhar na terra. Fazer coisas novas para embelezar os nossos jardins.
Adoro jardinagem, poder mecher na terra e poder criar novas formas de fazer o jardim mais bonito.