Festival de Filosofia, em Abrantes. Foto: mediotejo.net

O Festival de Filosofia regressou esta quinta-feira, dia 16 de novembro, à cidade de Abrantes, celebrando mais um dia Dia Mundial da Filosofia. As cidades de hoje, a sustentabilidade e a crise climática foram o mote para a 6ª edição desta iniciativa, que decorre até sábado, dia 18 de novembro, com dezenas de oradores chamados a debater o “tema emergente” da “sustentabilidade: verdade ou consequências”. O evento convida os cidadãos a participar e a refletir criticamente sobre as problemáticas do mundo atual.

“Alterações climáticas, transição energética e sustentabilidade” foram o mote para o painel da noite inaugural do evento, que decorreu na Biblioteca Municipal António Botto, no centro histórico abrantino. Margarida Fonseca, Filipe Duarte Santos e José Manuel Martins foram os responsáveis por conduzir os presentes numa reflexão sobre os desafios do século, marcados pelas já visíveis alterações climáticas e a necessidade de adotar medidas para o seu combate, destacando-se uma transição energética, através do recurso às energias renováveis.

Margarida Fonseca é licenciada em Engenharia do Ambiente pela Nova School of Science and Technology, com uma pós-graduação em Gestão Integrada de Sistemas – Ambiente, Segurança e Qualidade e mestre em Engenharia do Ambiente – Gestão e Sistemas Ambientais, contando com uma vasta experiência em direção e coordenação de estudos e projetos ambientais.

Durante a sua intervenção, começou por sublinhar os grandes desafios do nosso século e que se prendem com temas tão diversificados como a degradação dos oceanos, a escassez de água, degradação do solo, alterações climáticas e questões inerentes como a transição energéticas e as energias renováveis.

Margarida Fonseca. Foto: mediotejo.net

Os desafios que são reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) como de “resolução urgente”, estando em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030. O destaque da sessão foi para as alterações climáticas e a necessária transição energética para o seu combate. Para a oradora, as alterações climáticas são, atualmente, uma “ameaça” e serão uma “ameaça maior se não tomarmos cuidado”, daí que seja importante o debate sobre a transição energética e os impactos que esta pode ter.

Uma das necessidades atuais, frequentemente apontada, é a da redução da emissão de gases com efeito de estufa, pelo que Margarida Fonseca defende a eliminação do uso de combustíveis fósseis que representam “a origem e a fonte de toda a energia que produzimos”.

Em Portugal e de acordo com os dados da Direção Geral da Energia e Geologia, entre 2014 e 2023 a tecnologia com maior crescimento foi a hídrica, “mas a tecnologia que mais cresceu em termos relativos foi a solar”, afirma. De facto, verifica-se que “passámos de uma potência instalada de 419 megawatts para 2560 megawatts“, um crescimento de 5,1%, representando um “grande crescimento em termos de energia renovável”.

Os projetos de energias renováveis têm sido apontados como um importante mecanismo para colocar um “travão” às alterações climáticas, considerando Margarida Fonseca que se trata de uma questão “preemente e pertinente”. No entanto, como qualquer projeto, para lá das vantagens, encontram-se associados a um conjunto de desvantagens que dificultam a sua implementação.

“Verificamos que os projetos têm algumas desvantagens, nomeadamente o facto de não termos sempre solo; a eficiência das tecnologias que, apesar de cada vez ser mais elevada, ainda não é tão elevada como o desejável, ainda precisamos de ter torres muito grandes para uma boa potência de energia eólica; os custos de investimento nesta tecnologia são elevados; implica a utilização de espaço e pode ter impactos negativos quer na socioeconómica quer na paisagem”, destaca.

No lado das vantagens, Margarida Fonseca aponta o facto de serem fontes inesgotáveis, com fiabilidade e designadas como “amigas do ambiente”, podendo ainda ter influência nos preços da energia, aumentando a independência económica dos países.

ÁUDIO | Margarida Fonseca no Festival de Filosofia de Abrantes

Quando comparada com uma central de produção de energia com recurso a combustíveis fósseis, a central fotovoltaica “não consome quase energia” e na sua exploração não emite gases poluentes e contribuidores para as alterações climáticas.

Como solução, a oradora entende que se “deverá fazer um plano de envolvimento das comunidades locais e de criação de valor para a região” em que estes projetos se encontram inseridos, contribuindo assim para que o território se desenvolva em determinadas vertentes.

Foto: mediotejo.net

“Estes trabalhos podem começar com a identificação de partes interessadas, fazer um diálogo com estas partes interessadas e depois com base nesse diálogo, definir que tipo de estratégia é que pode haver para que estes projetos tragam valor e desenvolvam a região”, acrescenta.

Para a transição energética e, consequentemente, o combate às alterações climáticas, é necessário adotar comportamentos e medidas que se estendem a diversos domínio. Relativamente à mobilidade elétrica, é essencial trabalhar para perceber onde é que são necessários, por exemplo, postos de carregamento. (…) Também a valorização dos solos, para se criarem mais áreas florestais e agrícolas.

No domínio da formação, desencadear cursos técnicos de formação em recursos renováveis, de maneira a poder aumentar a empregabilidade nessa área. “As energias renováveis vão ter um grande futuro e precisamos de técnicos que tenham capacidade para trabalhar nessa área”, para além da promoção de bolsas de investigação em energias renováveis em conjunto com universidades.

Na área da produção primária, Margarida Fonseca aponta a necessidade de promoção de pastoreio nas áreas das centrais e valorizar produtores locais. Também no setor turístico há medidas a tomar, nomeadamente a dinamização de percursos pedestres e, ao longo dos mesmos, a introdução de literacia ao nível das alterações climáticas e da biodiversidade.

Filipe Duarte Santos foi responsável pela intervenção subordinada ao tema das “Alterações Climáticas: situação atual, desafios e soluções”. Licenciado em Geofísica pela Universidade de Lisboa, é doutorado em Física Nuclear com agregação em Física Teórica pela Universidade de Londres, e um dos maiores especialistas portugueses em alterações climáticas, área de estudo a que dedicou a sua vida, tendo sido condecorado pelo Estado Português com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

Aos presentes começou por recordar o conceito da “Grande Aceleração” e que corresponde ao período “distinto da época contemporânea”, que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, no qual se registou um grande desenvolvimento social e económico, marcado pelo aumento do consumo de recursos naturais, aumento populacional, telecomunicações, mobilidade, as aplicações da ciência e tecnologia.

ÁUDIO | Filipe Duarte Santos no Festival de Filosofia de Abrantes

No entanto, se por um lado se registou um desenvolvimento positivo, o aumento destes indicadores teve consequências no planeta Terra, como o aumento do dióxido carbono, associado às alterações climáticas, do óxido nitroso, do metano, etc.

Filipe Duarte Santos sublinhou a importância da conferência realizada pela ONU em Estocolmo, há 51 anos, a primeira conferência sobre ambiente e desenvolvimento. “A conferência foi uma semente que deu lugar à Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, que fez um trabalho interessante e chegou a um relatório, em que aparece pela primeira vez esta definição de desenvolvimento sustentável: satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”.

Foto: CMA

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adoptada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas em 2015, definiu as prioridades e aspirações do desenvolvimento sustentável global para 2030 e procura mobilizar esforços globais à volta de um conjunto de objetivos e metas comuns – os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – que representam um “apelo urgente à ação de todos os países”.

Quanto ao contexto mundial atual, o orador lembrou que durante um período de 77 anos, entre 1945 e 2022 existiram conflitos, mas não “polarizavam o mundo de uma forma mais ou menos explícita”. O conflito na Ucrânia, resultante da invasão russa, “foi algo que tornou as coisas bastante complicadas”.

“A guerra destrói a sustentabilidade, é absolutamente incompatível com a sustentabilidade”, defendeu. “Aquilo que penso que é um tema importante para refletir é por que razão continuamos a ter este entusiasmo com os ODS e simultaneamente temos uma guerra agora na Europa e estamos todos os dias dependentes das notícias extremamente perturbantes do que se passa na Palestina e Israel.”

Para Filipe Duarte Santos, o progresso rumo à sustentabilidade num determinado país, medido pelo cumprimento das metas dos ODS, depende em grande medida da cooperação internacional. “A razão reside na atual interdependência comercial e económica entre os países, apesar de estarmos a assistir a uma tendência de fragmentação global”.

Para o futuro, considera que as emissões irão provavelmente diminuir até ao fim da década, estabilizando posteriormente, o que considera serem “boas notícias”. No entanto, essa diminuição não será suficiente para travar por completo as alterações climáticas.

Em 2019, 84% das fontes primárias de energia globais são combustíveis fósseis. Em Portugal em 2021 são 66% e na UE 69%. “Por que razão não tem sido possível descarbonizar a economia mundial? Por causa da utilidade. A utilidade dos combustíveis fósseis é extraordinária, não só para os consumidores como para os acionistas. Agora, o que nós temos de fazer é mudar de rumo, fazer uma transição energética”, vincou.

No final da sessão e em declarações ao mediotejo.net, o orador afirmou que, embora a nível municipal e intermunicipal exista caminho a ser trilhado, a necessidade de adotar medidas tem de ser global. “Acho muito importante que se faça um esforço a nível local, mas penso que se devia fazer um maior esforço na área da adaptação às alterações climáticas”.

ÁUDIO | Filipe Duarte Santos em declarações ao mediotejo.net

“Tem de haver uma descarbonização global. É muito importante darmos o exemplo e a UE tem feito um caminho muito significativo, uma vez que reduziu as emissões desde 1990 até 2019 em 32%. O pico das emissões da UE foi em 1990, nos EUA foi só em 2015. No conjunto dos países da Europa, Portugal também foi só em 2015 que atingiu o máximo das suas emissões. Depois tem estado a decrescer”, afirmou.

Na região do Médio Tejo, e no concelho de Abrantes, lembrou o encerramento da central a carvão do Pego, que permite reduzir as emissões e mitigar as alterações climáticas. Apesar de Portugal ter a necessidade de importar energia a Espanha, considera ter sido “uma boa decisão”.

Foto: CMA

“Outra resposta às alterações é adaptarmo-nos a um clima mais seco, em que há menos precipitação e um clima que é mais quente, com ondas de calor mais frequentes, aí assim temos o problema dos incêndios florestais. É necessário fazer reformas, porque nós temos um problema recorrente de incêndios florestais, que quando não são extintos num período de tempo relativamente curto, podem-se transformar em grandes incêndios, extremamente difíceis de apagar”, considerou.

Para Filipe Duarte Santos, além do investimento na prevenção dos incêndios florestais é necessário repensar as questões da água. “Esta região do Tejo tem problemas de água, mas o Algarve está com barragens a 8% da sua capacidade. (…) Toda a região do sul e Alentejo está numa situação difícil no que respeita a água e não se veem as medidas de adaptação, de criar resiliência que permitam que as pessoas não tenham o problema da escassez de água a bater-lhes à porta se não chover”, acrescenta.

“Penso que Portugal podia fazer um esforço maior, no sentido de se adaptar a um clima em mudança, que está a ficar mais seco e mais quente”, considera Filipe Duarte Santos. Como uma das soluções, aponta a diminuição das perdas de água nas autarquias, uma média de 30% de perdas de água, considerando “não ser aceitável”.

“Outra coisa é criarmos novas disponibilidades de água, através do tratamento das águas residuais urbanas. É aplicação da economia circular aos recursos hídricos e isso pode-se fazer nas zonas urbanas maiores. Portanto, podemos encontrar novas disponibilidades de água, mas não tenho visto um empenhamento suficientemente forte no sentido da adaptação aos impactos das alterações climáticas no nosso país”, afirmou ao nosso jornal.

O Festival de Filosofia de Abrantes, que vai já na 6º edição, decorre até sábado, dia 18 de novembro, na Biblioteca Municipal António Botto. A par dos painéis, o programa inclui a realização de sessões de Filosofia para crianças das escolas e para o público em geral com Joana Rita Sousa, “filósofa, perguntóloga e mestre em filosofia para crianças”, oficinas sobre alimentação consciente, saudável e sustentável, com a Chef Cléo Martins, e uma feira do livro sobre filosofia. Durante a iniciativa, as entradas serão gratuitas no Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA), Museu do Ano 2023.

Atualmente a frequentar o Mestrado em Jornalismo na Universidade da Beira Interior. Apaixonada pelas letras e pela escrita, cedo descobri no Jornalismo a minha grande paixão.

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