José-Alberto Marques

Depois de ‘NARRATIVYLÍRICA’ e ‘Épicodrone & etc…’, o poeta e escritor José-Alberto Marques, natural de Torres Novas mas radicado em Abrantes desde a década de 1960, tem um novo livro de poesia pronto a publicar. Na Biblioteca António Botto falou da obra ao mediotejo.net numa conversa centrada no motivo de alguma revolta: a tentativa de lhe negarem a autoria do primeiro poema concreto em Portugal, escrito há 60 anos. Na troca de palavras, o poeta lembrou ainda o momento de prisão em Caxias durante a ditadura do Estado Novo. Entre os dias 13 a 27 de outubro, na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas, decorreu a mostra bibliográfica dos 60 anos sobre a primeira obra de José-Alberto Marques. Foi em 1958, quando tinha 19 anos, que publicou ‘Solidão’ na Revista dos Finalistas do Colégio Andrade Corvo, em Torres Novas, a sua terra natal. O primeiro exemplo de poesia concreta publicado em Portugal e o início de um longo percurso literário.

Numa época em que abundam nas bibliotecas públicas e nos escaparates da livrarias edições de auto-ajuda, romances históricos com credibilidade duvidosa e biografias de gente sem vidas extraordinárias, a divergência é sempre de assinalar, nomeadamente nos poetas. E se há poetas retratados em biografias, outros há sem qualquer livro biográfico mesmo com um trabalho tão marcante como o legado da poesia experimental. José-Alberto Marques, assumido pioneiro em Portugal da poesia concreta, cabe na última parte.

Aliás, não cabe! É porventura difícil para alguém que permanece em constante reinvenção formal dos seus livros, confinar-se a um qualquer espaço, ainda que seja um livro biográfico num qualquer escaparate. E o poeta, (ou escritor) “tanto faz” diz, “José-Alberto” parece-lhe fazer mais sentido, aos 79 anos (feitos a 4 de outubro) prossegue a narração. Prepara um novo romance, enquanto escreve os seus poemas, resultantes de um trabalho preferencialmente matutino, e tem pronto para publicar, (talvez) ainda em 2018, um novo livro de poesia.

“Sempre ouvi dizer que Portugal é um país de poetas mas não há dúvida que não são tão queridos como os romancistas”, observa ao mediotejo.net sentado num sofá vermelho, num dos recantos do primeiro andar da Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes.

Ainda assim, aponta como primeiro amor, pessoal e indispensável, a poesia experimental. O livro intitulado ‘O Espólio do Senhor Maomé’ de inexplicável título, contará com uma “estranha” introdução à semelhança da estranheza que provocou aquando da publicação do ‘Sala hipóstila’ em que às páginas tantas a seguir a ‘Tu’, um espelho, “onde o leitor entra no romance como personagem” algo inédito, nunca feito até então “em parte alguma do mundo” recorda, como marcas do experimentalismo e da visualidade em jogo com a forma narrativa.

José-Alberto Marques e o jogo visual a introduzir no próximo livro de poemas

No próximo livro de poemas, escrito em modelo “quase clássico”, procura a originalidade das palavras e novamente a importância da imagem. Provavelmente uma das páginas será composta por um jogo visual de desenhos abstratos traçados a compasso formando as letras do alfabeto no sentido de dar “um som, um olhar diferente” à obra.

Quanto ao outro romance em preparação, diz ter de “passar os olhos por vários livros para não cair na tentação de imitar seja o que for”, centro da sua ambição de escrever “o que não há”.

Por estes dias interessa-lhe ler Jean-Paul Sartre, grande contribuidor de ideias que originaram o movimento estudantil de Maio de 68, tema que irá abordar brevemente em Lisboa, cidade que não escolheu para viver mas que pode envolver a causa daquilo que origina o seu grito de “revolta”, ao perceber, segundo conta, uma tentativa de lhe ser retirada a autoria do primeiro poema concreto (conceito de poesia experimental nascido no Brasil) em Portugal, atribuindo-se tal feito à poeta natural do Porto, Ana Hatherly, no ano de 1959.

Sem nomear os acusados, aflora um sentimento de inferioridade em relação à interioridade, pertença dos urbanos da capital, justificando a tentativa. “Certamente porque vivo em Abrantes. Na província. Se vivesse em Lisboa era capaz de não ser a mesma coisa, ou se vivesse no Brasil”, desabafa, referindo-se a aparições em documentos publicados no nosso país, fáceis de encontrar através de uma simples pesquisa na Internet, onde é atribuído a Ana Hatherly a autoria do primeiro poema concreto.

“Quem não se sente não é filho de boa gente, diz o povo português. E eu gosto do povo português” declara, sublinhando também gostar “de outros povos”, não gosta é de “vigaristas”. Fala de “jogos de interesse” e conjetura até uma eventual mudança de residência para Paris.

José-Alberto Marques com a Revista de Finalistas datada de 1958

Foi em 1958, quando tinha 19 anos, que publicou ‘Solidão’ na Revista dos Finalistas do Colégio Andrade Corvo, em Torres Novas, a sua terra natal. O primeiro exemplo de poesia concreta publicado em Portugal e o início de um longo percurso literário.

Com o propósito de contestação, José-Alberto Marques escreveu um texto com o título “A verdade não passeia, anda” que passamos a citar:

“Fui, aliás, sou um dos maiores admiradores de ‘Queen’ Ana Hatherly, digo eu, da sua obra. Ela sabia. Vêm estas considerações a propósito daquele objeto que utilizam diariamente tão digno a informar como rápido a eclipsar. Pretendo desfazer equívocos. Soube por um amigo que eu era o autor do primeiro poema concreto em português, de Portugal. Rápido, puxei do bolso e não era nenhum extraterrestre. O autor desses texto publicava na Revista de Finalistas do Colégio Andrade Corvo, um tal extra titulado ‘Solidão’. E o mundo não parou.

Não sei quantas voltas já deu até ao dia em que a essa verdade, afinal faltava ‘in’. À colação não se explicitou o substituto. É lógico que não sou o inteligente que passeia na arena. Mas sou com humildade o batalhador de mim próprio e pedi ao meu neto, Francisco Marques da Silva, estudante assisado de tecnologia audiovisual que fizesse uma montagem do próprio poema sobre um quadro de um amigo licenciado em Artes Visuais (Belas Artes), António Folgado, dando um certo alívio e algum descanso àqueles que comungam comigo.

O tal objetivo que mastigámos durante todo o dia resiste inalterável aos costumes dizendo nada sem explicação”.

Aos 16 anos, José-Alberto Marques estudava, então, no Colégio Andrade Corvo, e foi-lhe diagnosticada tuberculose. “Um azar” que descreve como a sua “sorte”.

Durante a convalescença, num estado melhor de saúde, conta ter amigos que encontravam no seu quarto um local propício a encontros amorosos. Não contente com isso, e para passar o tempo, decidiu ocupar-se a enviar cartas às embaixadas.

Descobriu a existência “de uns senhores brasileiros que escreviam uns poemas muito esquisitos”, explicou. A poesia concreta que o despertou para as letras. “Identifiquei-me imediatamente!”. Solicitou por isso ao embaixador do Brasil informação sobre o movimento experimental.

Uma vez restabelecido da enfermidade, voltou para o Colégio em 1958, ano no qual foi finalista e os alunos decidiram publicar uma revista cultural. Correu bem, “era a parte doce do regime”. Sem censura, a Cultura “não fazia mossa”, ironiza.

Revista na qual aparece a poesia concreta, “uma coisa esquisitíssima, que nunca ninguém tinha visto”. Na faculdade acabou por estudar Direito, que não concluiu. Na verdade via-se num cenário diferente das batalhas na barra do tribunal e transferiu-se para História, assumindo depois a sua profissão de professor.

O primeiro poema concreto português, ‘Solidão’

Foi como docente que, mais tarde, colocado na Covilhã, conheceu e estabeleceu uma forte amizade com E. M. Melo e Castro, como quem viria a organizar a Antologia da Poesia Concreta em Portugal.

“Sem querer, fui encontrar o melhor poeta experimental português, que era filho do diretor da Escola Industrial e Comercial Campos Melo. O destino estava traçado. Mais uma sorte que tive na vida”, afirmou. Já na capital, conviveu com muitos outros, como Mário Cesariny, Eduardo Guerra Carneiro ou Luiz Pacheco.

O mais é história conhecida, a única exceção talvez passe pela sua prisão durante a ditadura por causa da sua ideologia política, ligada ao Partido Comunista Português. “Fui preso político” conta.

Não sendo militante ainda hoje assume a proximidade. “A seguir ao 25 de Abril fiz parte da Assembleia Municipal de Abrantes” eleito pelo PCP. Mais tarde “concorri como cabeça de lista pelo distrito de Santarém à Assembleia da República pelo Movimento de Esquerda Socialista (MES) liderado por Jorge Sampaio”.

Antes da alvorada da liberdade, José-Alberto Marques esteve um mês em Caxias. Uma experiência “dolorosa” principalmente após “uma malfeitoria” em jeito de protesto que fez aos carcereiros por lhe negarem os jornais pedidos. Valeu-lhe um dia inteiro debaixo de chuva torrencial no pátio da prisão.

O poeta havia sido denunciado pela proximidade ao PCP, por causa de uma ação de sabotagem em Tancos ocorrida em 1971, nome de código ‘Águia Real’. Uma sequência de explosões que destruiu o principal hangar da Base Aérea nº 3, com aviões e helicópteros da Força Aérea no interior.

A sabotagem foi conduzida por um comando clandestino da ARA, a Ação Revolucionária Armada, o braço guerrilheiro do PCP.

Acusado, José-Alberto Marques passou primeiro pelas instalações da PIDE na rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde “batiam, torturavam”, recorda, e depois Caxias. Apesar das peripécias políticas, a sua obra nunca foi censurada. Durante a ditadura, nas letras, “andava o mais calmo possível”, porventura numa operação de sobrevivência.

A sua obra em livro inclui poesia, ficção, teatro e literatura infanto-juvenil. Da sua extensa bibliografia fazem parte A Face do Tempo (1964), Hoje. Mas (1967), Estórias de Coisas (1971), Aprendizagem do Corpo (1983), flexõesREflexões (1985), Loendro (1991), Zara (1995), Eu disse que Baudelaire andava a pé (1999), Padrões (1999), Cantologia 1964-1999 (2000), Hiperlíricas (2004) e British Barthes: Poesia (2011).

Organizou, com E. M. de Melo e Castro, a Antologia da Poesia Concreta em Portugal (1973). Publicou as obras de ficção Sala Hipóstila (1973), O Elefante de Setrai (1977), Nuvens, no Vale (1985) e As Tiras da Roupa de MacBeth (2001). Mais recentemente NARRATIVYLÍRICA (2016) e Épicodrone & etc… (2017).

60 anos sobre a primeira obra de José-Alberto Marques – mostra bibliográfica

Entre os dias 13 a 27 de outubro, na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, decorreu a mostra bibliográfica dos 60 anos sobre a primeira obra de José-Alberto Marques.

José-Alberto Marques nasceu em 1939 em Torres Novas, tendo estudado no Colégio Andrade Corvo.

Em 1958, com 19 anos, depois de um problema de saúde, descobre o poema concreto (conceito de poesia experimental nascido no Brasil) e faz uma primeira publicação do género em Portugal, com “Solidão”, num jornal universitário.

Estudou Direito, curso que abandonou, tendo-se formado em História. Foi professor e crítico literário. Reside em Abrantes desde a década de 1960, tendo sido aí professor efetivo de Português na Escola D. Miguel de Almeida.

Das diversas atividades de intervenção cultural e artística, participou no segundo número da revista Poesia Experimental (1966), Operação 1 (1967) e na Conferência-Objecto (Galeria Quadrante, 1967).

Recebeu o 1º Prémio Nacional de Literatura Infantojuvenil nas comemorações dos 20 anos do 25 de Abril, com o livro A Magia dos Sinais (1996).

Em 1996, recebeu a medalha da cidade de Abrantes.

Sessenta anos após a publicação do seu primeiro poema concreto, a Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, de Torres Novas assinalou a data com uma mostra documental sobre o autor e toda a sua vasta obra publicada, onde também se puderam ver objetos de criação pessoal da sua coleção particular.

 

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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3 Comentários

  1. conheço bem o josé-alberto marques, como a revista de finalistas que apresenta como prova do seu poema concreto, Solidão, visto também ter sido um dos finalistas duma fotografia que a revista guarda. Sempre o ouvi reclamar o título do primeiro poema concreto publicado em Portugal. O problema do José é o de qualquer intelectual que vive na província. Não existe. E, mesmo que seja bom, mesmo que concorra, os juris são sempre primos e compadres das tertúlias lisboetas. Para ele um abraço. para a jornalista que o entrevistou, um aplauso

  2. João Moutinho (O "Pedro Moutinho" num exame de Português que um dia me fez e que eu jamais esquecerei) disse:

    Tenho ma enorme admiração e respeito pelo Professor José Alberto Marques, que conheci na Covilhã e que mais tarde reencontrei em Abrantes.
    Talvez pela grande admiração que ele tinha pelos Surrealistas, Mário Cesariny, José Maria Lisboa e outros, sempre o considerei um enorme e ignorado escritor Surrealista. Recordei-o agora, que se estão a comemorar os 70 anos do Movimento Surrealista Português.
    Onde quer que esteja deixo-lhe um enorme e fraterno abraço.

  3. Conheci o José-Alberto Marques em 1982 e fiquei logo com a sensação
    de ter “inaugurado a palavra amigo”, como no poema de O`Neill.
    “Incapaz de enxotar um caranguejo”- como disse de si numa entrevista,
    para ele os amigos são plantas preciosas que tem cultivado, delicadamente, lealmente,- não
    raro com favores e obséquios! E sempre nos fomos encontrando, nos demorados
    entardeceres, onde aparecia sempre com um braçado de sílabas frescas…
    De poesia, não falo, pois nunca lhe conheci outra linguagem!
    Arnaldo Resende

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