Costuma dizer-se que “a democracia é o pior dos sistemas, com excepção de todos os outros”… Sérgio Godinho até fez uma canção com este lema. Ele encerra um pensamento sobre a superioridade do sistema democrático, que não está isento de erros e insuficiências e como tal há que acarinhar a dinâmica própria da Democracia que evoluiu no respeito pelos seus princípios que criam aquilo a que também costumamos chamar “cultura democrática”.
Vem isto a propósito da proximidade das eleições autárquicas. Sabemos que estas eleições, embora não sejam as que mais mobilizam o eleitorado, têm a particularidade de mexer praticamente com todas as localidades do país – das cidades grandes às pequenas, até às vilas, aldeias e mesmo os pequenos lugares. Onde houver votos a disputar as campanhas farão por chegar.
Há quem tende a sobrevalorizar estas eleições e há quem tende a desvalorizar. Nem a autarquia resolve tudo, nem a autarquia se limita a tratar apenas do alcatrão para as estradas (quando trata…). Não vou aqui fazer nem o balanço, nem a avaliação das 4 décadas de poder local democrático. Esse trabalho tem vindo a ser feito e vai continuar a ser, com toda a certeza, por quem estuda a política local. Mas existem tendências às quais é preciso estar atento. E uma tendência preocupante é o significado das maiorias absolutas e o que elas significam para a Democracia Local.
A falta de cultura democrática de muitos dirigentes locais leva-os a reduzirem a democracia a contas de somar – quem ganha e quem perde. Ora a democracia diz que quem tem maioria absoluta governa, mas isso não lhe dá um poder absoluto e autoritário, bem pelo contrário, devia significar maior empenho na prestação de contas, maior abrangência nas consultas às oposições e à população, maior transparência em todos os actos, disponibilidade para responder, para justificar e para explicar.
Faltam seis meses para o povo ser chamado a votar. Provavelmente não haverá grandes alterações, mas, no mínimo, devíamos perguntar a nós próprios e aos outros, se vamos melhorar a nossa Democracia ou aproximá-la dos sistemas que não queremos ver implantados.
Ao fim de 47 anos de Democracia temos que ser exigentes. As próximas eleições não devem ser marcadas pelas inaugurações, pelas placas que se colocam em lugares públicos… já é tempo de se avaliar a sério o trabalho que é realizado, o que se atingiu e o que é que ficou para trás.
Termina o mandato em que as autarquias receberam um conjunto alargado de competências em sectores que não estavam sob a sua gestão directa, termina um mandato em que se falou muito de “descentralização”, sem no entanto lhe dar legitimidade democrática, exige-se que os actuais protagonistas prestem contas do que fizeram e que os/as candidatos/as digam o que vão fazer.
Com novas competências, com novos desafios, com novos patamares impostos pela pandemia e com mais dinheiro para aplicar ou simplesmente gastar, como vão os nossos concelhos responder à digitalização, à nova geração de políticas sociais, às alterações climáticas, ao combate à corrupção?
Este devia ser o centro dos debates nos próximos 6 meses. Para fazer cumprir a Democracia.