O desafio

A evolução das ideias sobre a melhor forma de se assegurarem fluxos de informação entre os profissionais de saúde e as populações, capazes de satisfazerem as necessidades de ambos, é notável.

Há muito que se sabe que os momentos de contacto pessoal são preciosos e portanto ainda hoje é importante prepará-los bem e retirar dessa ocasião favorável tudo o que ela nos pode proporcionar. Caso contrário, lá vem a conversa das oportunidades perdidas, precisamente num momento histórico em que não é aceitável que isso possa acontecer.

Mas o crescente conhecimento sobre os fatores que condicionam a saúde e a doença das pessoas, veio condicionar o desenvolvimento de um modelo de comunicação paralelo ao do contacto profissional-utente, indispensável ao aproveitamento dos novos saberes. Se pensarmos um pouco, já é do nosso tempo o aparecimento dos primeiros cartazes, panfletos, brochuras com informação de saúde genérica ou dirigida a grupos populacionais específicos, largamente difundidos.

Estávamos numa fase de abertura, de crescente compreensão de que cada um de nós é amplamente responsável pela sua própria situação de saúde. É neste contexto que a educação para a saúde aparece como o caminho mais adequado, rapidamente enriquecido por um entendimento cada vez mais abrangente dos fenómenos que condicionam a vida do ser humano. Com a consequente adoção de estratégias de promoção da saúde, pretendemos exercer influências positivas nos nossos estilos de vida e no ambiente que os condiciona.

Nos nossos dias, fala-se muito em literacia. Dizem os entendidos que numa sociedade inundada de informação acessível a todos, o que interessa, agora o que importa, é o desenvolvimento da capacidade individual para a processar, tendo em vista a sua utilização pessoal.

Vem isto a propósito de um convite que me foi dirigido para utilizar, em prol da missão dos serviços de saúde a que pertenço, um espaço neste novo jornal digital, focalizado no Médio Tejo e suas gentes. Se ponderarmos sobre o que se espera de um médico de saúde pública, sobre o seu perfil profissional, é fácil de concluir que só lhe resta aceitar o desafio e sujeitar-se  ao escrutínio público da sua literacia digital.

Como me dão liberdade para decidir, quero comunicar-lhe, prezado leitor, que tentarei promover um espaço dedicado a temas de saúde, aberto a diferentes opiniões, desejavelmente partilhado por profissionais do ramo, onde se converse, se informe, se alerte, se ajude o cidadão comum a obter um pouco mais de informação, para processamento e utilização pessoal. Numa palavra, queremos contribuir para o aumento da literacia em questões de saúde das pessoas que nos lerem e em particular dos cidadãos do Médio Tejo.

Numa fase inicial, o nosso espaço será preenchido com pequenas rubricas, do género “conheça-nos melhor…”, “na ordem do dia”, “ouvir quem sabe”, “de tudo um pouco”.

Depois, queremos evoluir, atendendo às críticas, às opiniões, aos pareceres. E prometemos  com grande convicção, que procuraremos estar sempre do lado das soluções.

Conheça-nos melhor

Certamente já ouviu falar do ACES Médio Tejo. Pois bem, ACES significa Agrupamento de Centros de Saúde. Neste caso particular, os 12 Centros de Saúde que se agruparam estão localizados em Abrantes, Alcanena, Constância, Entroncamento, Fátima, Ferreira do Zêzere, Mação, Ourém, Sardoal, Tomar, Torres e Vila Novas Barquinha. A sua área de influência abrange 11 concelhos (Fátima e Ourém estão localizados no concelho de Ourém). A gestão administrativa e operacional do ACES é assegurada por um Diretor Executivo e pelo Conselho Clínico e de Saúde, com sede na Extensão de Saúde dos Riachos. É o serviço de saúde público responsável pela prestação dos cuidados de saúde primários aos cidadãos do Médio Tejo, organizado em Unidades Funcionais com diferentes características e missões, que caracterizaremos em próximas crónicas.

Na ordem do dia

O regresso à escola de milhares de crianças, dos nossos filhos, dos nossos netos, é sempre um grande acontecimento. O sucesso escolar e educativo é muito importante para o seu futuro. O esforço de preparação para uma vida que se deseja satisfatória não pode deixar de ser partilhado entre inúmeros atores e intervenientes. Mas é a escola e a família que interpretam os principais papéis. A compreensão de que é necessário integrar os bons desempenhos da comunidade educativa, com comportamentos assertivos dos familiares dos nossos alunos, para se alcançar sucesso escolar, é o maior desejo de TODOS os interessados.

O ACES Médio Tejo é parceiro dos Agrupamentos de Escolas no que se refere às questões de saúde da comunidade educativa. A nossa atenção recai especialmente nos alunos, nos seus problemas de saúde, tendo em vista a sua prevenção e/ou resolução. Para esse efeito existem em todos os concelhos equipas de saúde escolar, devidamente organizadas e disponíveis para colaborarem com a Escola, sempre que necessário ou no desenvolvimento de intervenções em áreas importantíssimas para o conjunto dos alunos como são a alimentação/nutrição, a vacinação, a saúde oral, os comportamentos saudáveis, o combate às adições, entre outros.

Em próximas crónicas teremos oportunidade de desenvolver os diferentes componentes da nossa colaboração com a Escola.

Ouvir quem sabe

O crescente conhecimento sobre os fatores causais das doenças tem condicionado importantes modificações na relevância que a comunidade científica lhes atribui. Vem isto a propósito da preocupação atribuída pelos profissionais de saúde ao excesso de peso e obesidade, em consequência dos incontáveis malefícios para a saúde que condicionam. E da pressão que vem sendo exercida sobre os serviços de saúde para que intervenham nesta matéria, com especial enfoque nos mais jovens, para que no futuro não venham a ser portadores deste fator de risco. Mas será que no Médio Tejo, os jovens apresentam níveis de excesso de peso e obesidade que justifiquem uma intervenção específica para os combater? A resposta a esta questão legitimou a realização de um trabalho de investigação que já produziu as necessárias respostas. Para as conhecer, pedimos aos autores para nos descreverem o que fizeram e que resultados obtiveram. E a sua resposta foi a seguinte:

No ano letivo 2014-15, aplicámos um inquérito aos alunos do 1º ciclo do ensino básico da área do ACES Médio Tejo. Foi escolhida uma amostra aleatória e representativa desses alunos e aplicado o mesmo Inquérito COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative), que serviu de base ao estudo realizado pela DGS para o território de Portugal e pela OMS em vários países europeus. Os resultados revelaram que a percentagem de crianças que apresentam peso indesejável no Médio Tejo e no todo nacional é muito semelhante. Por isso, foram emitidas recomendações várias para suportar intervenções no âmbito da prevenção, nos seus variados níveis. Que estamos a divulgar junto dos responsáveis dos Agrupamentos de Escolas, como sugestão de trabalho na escola e em casa”.

De tudo um pouco…

A comemoração do Dia Mundial da Alimentação é um acontecimento internacional de grande significado para o setor da saúde. Hoje, ninguém duvida que os erros alimentares se pagam muito caros, dada a sua relação com um número infindável de doenças. Se cada um de nós decidisse começar a “comer bem” o impacto desse comportamento favorecedor da saúde no nosso bem-estar coletivo seria enorme. É esta certeza que transforma um ato voluntário de comemoração quase num dever para os profissionais de saúde. É por isso que o ACES Médio Tejo vai comemorar o Dia Mundial da Alimentação. É  nossa  obrigação alertar as  populações para o seu papel decisivo na construção de um futuro melhor, lembrar-lhes que doenças tão graves como a diabetes, “doenças do coração”, “tromboses” estão muitas vezes  relacionadas com a hipertensão, obesidade e outros fatores associados a erros alimentares. Insistir na divulgação desta informação poderá ajudar cada um de nós a tomar as decisões mais acertadas. Muitos dos nossos problemas de saúde seriam resolvidos se a moderação fosse adotada como a regra-base dos nossos comportamentos alimentares. Sejamos responsáveis e adultos. Recordo como um aviso muito sério,  transmitido por quem tinha autoridade para o fazer, a seguinte afirmação de António Variações, contida numa sua canção: “quando a cabeça não tem juízo… o corpo é que paga”.

De facto, depende apenas da nossa vontade reduzirmos ao mínimo o consumo dos alimentos que nos prejudicam mais, isto é, o sal, o açúcar e as bebidas alcoólicas. Sim, reduzir o consumo de sal, de açúcar e de bebidas alcoólicas é meio caminho andado!

Rui Calado é médico epidemiologista e especialista em Saúde Pública. Foi coordenador da USP (Unidade de Saúde Pública) do ACES Zêzere e do Médio Tejo.

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