“É preciso provocar sistematicamente confusão – isso promove a criatividade. Tudo aquilo que é contraditório, gera vida.” Salvador Dali
O momento atual do estádio de desenvolvimento das “nações avançadas” (utilizando um discurso claramente evolucionista) assenta na disseminação de uma economia do conhecimento (nos termos de Peter Druker), da informação e da inovação1. A força motriz desta economia, assente nas ideias, é efetivamente a criatividade.
A criatividade passou portanto a ser valorizada como uma força económica de criação do novo: novas tecnologias, novas indústrias, novos produtos, novas formas de riqueza. E foi assim que começámos a dar, coletivamente, valor a esta substância: a criatividade… e foi assim que nas últimas décadas diversos estudos sobre a temática alargaram significativamente o nosso conhecimento acerca da criatividade. Os pesquisadores dedicaram-se ao estudo da criatividade presente em eminentes cientistas, artistas, crianças mas também nos nossos parentes biológicos mais chegados – os chimpanzés. Mas também nas suas diversas dimensões.
A criatividade passou a ser entendida como essencial à forma como vivemos e trabalhamos hoje. Recordo a bicicleta de rodas elípticas inventada e desenvolvida por uma empresa de Ponte de Sôr, a Autoforese, com o apoio do LINE.IPT – uma vez ultrapassada a velha lógica: “É impossível reinventar a roda”, “Tudo o que o pensamento pode conceber e acreditar, pode-se alcançar.” (Napoleon Hill).
Mas a criatividade humana não se limita à inovação tecnológica, à criação de novos modelos, empreendedores, de negócio ou à criatividade artística e cultural. É disruptiva, multifacetada, multidimensional e experiencial. Multiplicam-se diversas formas de criatividade, tipicamente observadas em diferentes contextos. Elas partilham não apenas formas comuns de pensamento, em termos do processo, como também se reforçam mutuamente através de fertilização cruzada e do estímulo mutuo.
Por outro lado, e apesar da criatividade ser perspetivada como um fenómeno universal (TODOS SOMOS CRIATIVOS) e individual, é também e inevitavelmente um processo social – exemplo disto mesmo é a facilidade demonstrada no trabalho de criação em equipas (comunidades de prática) – mas também pode e deve ser exercitada (por exemplo, a técnica SCAMPER – Substitute, Combine, Adapt, Modify, Put to another order, Eliminate, Reverse – uma ferramenta para o desenvolvimento do pensamento lateral ou resolução criativa de problemas).
“A person needs time, and an enormous effort, to amass mental structures and to explore their potential. It is not always easy (it was not easy to Bethoven). Even when it is, life has many other attractions. Only a strong commitment to the domain – music, maths, medicine – can prevent someone from dissipating their energies on other things.” – Margaret Boden, The Creative Mind
E embora dotada deste caráter individual, a criatividade floresce em ambientes específicos – pois reflete normas e valores sociais que a reforçam e alimentam ou simplesmente definham e aniquilam. Richard Florida criou mesmo uma fórmula matemática para medir o desenvolvimento económico e que assenta nos 3 Ts: Tecnologia, Talento e Tolerância (mais informações em The rise of the Creative Class).
E todavia, no seio de um organismo desenvolve-se em permanência esta tensão/ contradição entre a organização e a criatividade. De forma que apenas as entidades mais sofisticadas e conscientes conseguem contrabalançar estas duas forças internas que conduzem à criatividade sustentada e crescimento a longo prazo. Já em 1940, o famoso teórico da inovação, Joseph Schumpeter, escrevia sobre o conceito de “destruição criativa”, e o seu potencial de transformação nas indústrias existentes e a criação de novas.
Mas a criatividade não pode ser perspetivada como a panacea dos tempos em que vivemos. A economia criativa não pode ser entendida como a solução mágica para aliviar a pobreza, para eliminar o desemprego, a exclusão social e trazer a felicidade e harmonia para todos os seres humanos.
1 Duas notas:
1/ Saliente-se que esta lógica evolucionista e progressista já demonstrou uma e outra vez ser desprovida de sentido. A própria história se encarregou de demonstrar que o Fim da História e o Advento generalizado da Democracia, preconizada por Francis Fukuyama, não passa de uma ideia utópica e descendente do Iluminismo.
2/ A economia não está mais nas nações. A globalização das linhas de produção e a deslocalização das empresas constitui hoje a materialização desta evidência.
Foto: Pintura em fachada – artista de Street Art João Mauricio aka VIOLANT, no Rossio ao Sul do Tejo – Abrantes realizada num âmbito de um trabalho com a Associação ENVOLVE.
Fotografia por Pedro Ramos