A cidade de Baku, no Azerbeijão

Azerbaijão e o seu (quase!)Século tão curto

A 20 de Setembro de 1994, o Contrato do Século era assinado em Baku. O Azerbaijão, país eurasiático desconhecido, saltava para as luzes da ribalta como o próximo fornecedor de energia da Europa. Um documento com mais de 400 páginas traria 100 anos de prosperidade ao Azerbaijão, ao estilo dos petrodólares da Arábia Saudita.

Mas o tal Século de prosperidade parece estar já perto do fim. Os indicadores de que algo está mal, para os lados de Baku, são muitos e só os ignora quem não sabe (ou não quer!) ler a realidade. Os primeiros sinais de que algo errado se passava no Azerbaijão começaram a surgir em finais de 2013 com a imposição de uma malha legal (ainda mais) apertada à imprensa, seguida de vários raides a escritórios de órgãos de comunicação não coniventes com o regime.

Se a imprensa sofreu a primeira onda, as Organizações Não Governamentais, especialmente as que têm na agenda questões como Direitos Humanos e Sociedade Civil, sofreram o segundo impacto. Ao estilo do que fez a sua vizinha a Norte, Baku começou a aplicar legislação menos amigável a quem decide levantar a voz contra o regime.

O terceiro passo era óbvio… Desde meados de setembro de 2014 que é evidente um clima de perseguição política sistemática aos elementos da parca oposição política no país que, sendo independente desde outubro 1991, vive sob domínio dinástico dos Aliyev desde junho de  1993.

É, aliás, interessante que a Europa da União que vê em Al-Assad, presidente desde 2000, a raiz de todos os males da Síria, não vê em Ilham Aliyev, presidente desde 2003 (e com mandato, pelo menos, até 2018), qualquer problema de legitimidade. Mas esta é a mesma Europa que escolheu Baku para organizar os I Jogos Europeus e que não teve celeumas em ter Baku a organizar o 57º Festival da Eurovisão. Afinal, tudo bons rapazes…

O Azerbaijão achou que o Contracto do Século transformaria o país, automaticamente, num actor político independente e nos últimos anos enredou-se numa malha complicada de balanços e contrapesos entre Bruxelas, Ankara e Moscovo. Mas agora que o dinheiro começa a escassear, Baku vê que Ankara tem outros problemas nas mãos (dos curdos ao abrandamento económico); Baku percebe que Bruxelas (refém de si mesma em Kiev) tem em Minsk a sua nova paixoneta; e Baku sabe que Moscovo quererá provas de genuflexão política.

O que falhou no Contrato do Século? Tudo! O Contrato do Século assentava o seu sucesso no desenvolvimento de projectos como o gasoduto Trans-adriático (ainda em fase embrionária), o gasoduto Trans-Anatólio (tão paralisado, que parece comatoso) e o NABUCCO (que só não morreu, porque Bruxelas o mantém ligado ao ventilador). O Contrato do Século assentava todo ele numa premissa falaciosa: Moscovo não se mexe.

E se com Ieltsin no poder a Moscovo dos anos da Catastroika de facto não se mexia, com Putin mudou tudo, mas Baku e Bruxelas entraram em estado de negação. E de tanto negarem a realidade, viram a realidade que tinham desenhada ser-lhes negada. E o Azerbaijão, que não se construiu, que pouco se modernizou, que não desenvolveu riqueza, que não apostou numa transformação estrutural, que gastou com lascívia, prepara-se agora para enfrentar uma intempérie económico-financeira severa.

O Azerbaijão quase não tem classe média, quase não tem pequenas e médias empresas, quase não tem tecido económico empresarial não-dependente da rede de favores e nepotismo tecida pelos Aliyev. O Azerbaijão, louvado por tanto economista demasiado optimista e pela horda eurocrente dos que queriam ver em Baku a nova “Roma” energética, passa agora do onírico mundo do quase à realidade. E o Contrato do Século, em menos de cinco lustros, desmorona numa mão de quase-nada…

Professor Auxiliar no IBA (Paquistão), licenciou-se em Comunicação Social na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes (ESTA-IPT), cidade onde cresceu e viveu até aos 22 anos. Doutorado em Relações Internacionais (ISCSP-UL), colabora com vários centros de investigação internacionais. É autor da coluna “Cadernos do Tiaguistão” publicada na revista PACTA (ISCSP-UL, Lisboa), autor-residente da revista MindThis (Canadá), editor de opinião para a revista think.act.lead (Eslováquia) e editor-chefe do SOJRS (Turquia).
Escreve no mediotejo.net ao domingo, quinzenalmente.

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