De Punhete a Constância: Muito mais do que a mudança de um nome
Realizou-se há dias a 5.ª edição do Gostar de Constância que o mediotejo.pt acompanhou e circunstanciadamente descreveu. Trata-se de uma atividade anual, essencialmente dirigida à população do concelho, cujo objetivo fundamental é contribuir para elevar a autoestima coletiva através do enaltecimento de pessoas ou instituições locais que, pelo que são, pelo que fazem ou pelo que representam, se entende serem merecedoras de público reconhecimento e constituírem referência ou incentivo para o conjunto da comunidade.
O Gostar de Constância acontece sempre a 7 de dezembro, seja qual for o dia da semana. E a razão, muito forte, é bastante simples: é que foi nesse preciso dia, há 179 anos, em 1836, que um decreto da rainha D. Maria II mudou o nome que a terra tinha, há tantos séculos, de Punhete para Notável Vila da Constância.
A povoação da foz do Zêzere, que D. Sebastião elevou à categoria de vila e à dignidade de concelho, desanexando o seu termo do da vila de Abrantes, por carta de sentença de 1571, era chamada Punhete desde os primórdios da nacionalidade. Há diversas menções a esse aglomerado urbano ainda na Idade Média, relacionadas com as atividades que os seus dois rios proporcionavam: a pesca e, sobretudo, o comércio e o transporte fluvial, mercê do seu movimentado porto – que foi sempre, até desaparecer nos meados do século passado, um dos principais do Médio Tejo.
Embora levante muitas dúvidas, a justificação etimológica que costuma ser dada para o nome Punhete, que a aldeia e depois vila teve durante mais de meio milénio, é que terá ele derivado da designação que os Romanos, muitos mais séculos atrás, davam à povoação: Pugna Tagi, que quer dizer luta do Tejo, numa alusão ao violento conflito que ocorria, em especial no inverno, entre as turbulentas águas do Zêzere (onde ainda não havia barragens…) e as do manso mas imponente Tejo. De Pugna Tagi terá então derivado Punhete.
Ora, como é bom de ver, não gostava o povo do nome que a vila tinha e que, por sugerir obscenidade, era muitas vezes motivo de troça por parte de gentes de outras terras quando maliciosamente se referiam aos de Punhete… Por esse motivo, resolveu a Câmara Municipal de Punhete, a seguir às guerras liberais, representar à rainha pedindo-lhe que mudasse o nome da vila. Não consta que tenha avançado alguma sugestão de novo nome: verdadeiramente só se queria ver livre do malfadado Punhete que, sem memória já do Pugna Taji dos Romanos e do que ele significava, apenas era então, naquele tempo do século XIX, motivo de escárnio e de maledicência.
E a rainha fez a vontade ao povo. E deu à vila o nome de Constância. Em 1836 – 7 de dezembro.
Por ser parecido com Constança, nome de mulher, houve depois várias lendas que se inventaram e foram sendo reproduzidas, fruto da falta de conhecimento e da prodigiosa imaginação popular, que atribuíam a mudança do nome da vila a histórias de amor e outras invenções, lindas com certeza e bem-intencionadas, mas sem qualquer fundamento histórico.
As razões da mudança são claramente apontadas no texto do decreto real: D. Maria II, grata aos honrados habitantes da vila de Punhete pelo apoio que lhe tinham dado, três anos antes, na luta contra os absolutistas, decidiu mudar-lhe o nome para Constância. Foi, pois, a constância da gente de Punhete no apoio à causa liberal que lhe valeu o belo nome que a vila tem agora.

Mas a rainha fez mais: distinguiu a vila com o honroso título de Notável, que passou assim a designar-se Notável Vila da Constância. Da e não de, como depois o tempo e o uso acabaram por corromper e consagrar. É que, em 1836, estava muito presente a memória da constância com que os habitantes de Punhete apoiaram a causa liberal durante a guerra civil.
Com a rainha assina o decreto o ministro do reino Passos Manuel, figura cimeira do movimento setembrista, vitorioso meses antes, que então governava o país. Passos Manuel, embora tivesse nascido no norte, foi no Ribatejo que viveu a maior parte da sua vida adulta. Casou com uma senhora de Constância, D. Gervásia de Sousa Falcão, filha dos Falcões da vila, uma família de grandes proprietários agrícolas, das mais ricas e poderosas da região. E viveu alguns anos na belíssima casa apalaçada do Largo Avelar Machado, morada de tanta gente ilustre de Constância, que é agora a Casa-Museu Vasco de Lima Couto. A mudança do nome da vila, com tudo o que ela significava e a palavra Constância traduzia, não foi, evidentemente, estranha à figura de Passos Manuel, cuja influência política terá sido decisiva nesse sentido.

Mais do que uma simples mudança de nome, a passagem de Punhete a Constância significou, de facto, o real reconhecimento do lado em que a vila se posicionou no embate político-militar que dividiu o país a seguir à revolução liberal de 1820 – o lado liberal, o lado da monarquia constitucional, o lado do progresso, o lado da liberdade. Foi sempre esse o lado de Constância, como aconteceria, por exemplo, no apoio à causa republicana nos últimos anos da monarquia e na forma entusiástica como a República foi acolhida e proclamada na vila em outubro de 1910.
De Punhete, que vinha do escuro do tempo, a vila passou a Constância nos alvores do liberalismo. Mais recentemente, já nos tempos da Democracia, em 1990, puseram-lhe Vila Poema. Mas essa é uma história que ficará para outra ocasião.
D. Maria II – A Educadora ou A Boa Mãe – não hesitou em aceder ao pedido.