A variante Ómicron, que nos casos analisados nos laboratórios do Centro Hospitalar do Médio Tejo representam já 98% total de infeções, continua a pulverizar todos os recordes estatísticos desde o início da pandemia. Os casos já são tantos que há quem defenda que se deixem de contar – até porque os epidemiologistas preveem que no final de fevereiro um terço da população portuguesa tenha já sido infectada com esta variante do SARS-CoV-2.
Nos últimos dois dias, o ACES Médio Tejo deixou de reportar o número de casos em vigilância ativa. Os seguimentos são cada vez mais difíceis de assegurar, sem meios para dar resposta a tamanha avalanche de novas infeções.
“Os médicos de saúde pública estão no limite. É urgente uma intervenção por parte da Administração Regional de Saúde do Centro e do Ministério da Saúde”, denuncia Carlos Cortes, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos.
“Muitos dos novos casos estão a ser contactados com dias de atraso e muitos outros nunca chegarão a receber um contacto da autoridade de saúde. É gravíssimo”, diz Carlos Cortes.
O mediotejo.net procurou obter esclarecimentos junto da direção da Unidade de Saúde Pública do ACES Médio Tejo, desde a passada quinta-feira, sem sucesso. Quando nos hospitais se vive um período de relativa acalmia, estas pequenas equipas de profissionais ficaram sozinhas na linha da frente. Depois de dois anos a trabalhar no limite, com centenas de horas de trabalho suplementar, continuam sem folgas ou fins de semana. Ainda assim, não conseguem chegar a todo o lado (ver caixa no final do texto).
Destes casos, os doentes graves (com internamento hospitalar em enfermaria e cuidados intensivos) e os óbitos mantém-se com valores 70 a 80% abaixo dos verificados no ano passado, o que se deverá à grande percentagem de população vacinada.
Contudo, mesmo que a maioria destas novas infeções seja considerada “benigna”, quase sem sintomas e com a recuperação a fazer-se em casa, ninguém deseja contrair esta doença – até porque é ainda uma incógnita os efeitos que poderá ter na saúde a longo prazo. Daí que seja importante não descurar as medidas preventivas básicas, como o uso de máscara e a desinfeção frequente das mãos, e continuar a olhar para os níveis de risco de contágio na zona de residência/trabalho.
Segunda a análise do mediotejo.net dos dados a 14 dias, para avaliação do risco de contágio, a pior situação continua a registar-se em Ferreira do Zêzere, à semelhança do que sucedia na semana passada. O concelho tem neste momento um número recorde de 5.218 casos por cada 100 mil habitantes. Segue-se o concelho de Sardoal, com 4.385, e o concelho de Ourém, com 3.417 casos por cada 100 mil habitantes.
Recorde-se que o risco de contágio é considerado elevado a partir de 240 casos por cada 100 mil habitantes, e que já foram decretados confinamentos em concelhos com mais de 480 casos (risco muito elevado) ou superior a 960 (risco extremo).
A tendência de subida de infeções na região do ACES Médio Tejo é bem visível na análise da evolução da pandemia nas últimas três semanas.
Ao nível dos óbitos registados, entre 1 de dezembro de 2020 e 9 de janeiro de 2021 verificaram-se 97 óbitos no ACES Médio Tejo, valor que caiu para 18 mortes, em período homólogo.
“Os médicos de saúde pública estão no limite”, denuncia Ordem
A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos está a receber declarações de exclusão de responsabilidade e alertou para as Unidades de Saúde Pública à beira do colapso.
Em comunicado enviado à agência Lusa na passada sexta-feira, a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) expressou “preocupação” com o número excessivo de tarefas e horas de trabalho pelos médicos em saúde pública e alertou para a “escassez de recursos disponíveis” para os casos diários de infeção por covid-19 e tarefas descontextualizadas neste período pandémico.
Como exemplo, referiram que no concelho de Coimbra, na terça e na quarta-feira, os médicos de saúde pública receberam 824 novos processos para inquérito epidemiológico. No final do dia de quarta-feira, aguardavam o “primeiro contacto mais de 600 pessoas” que testaram positivo à covid-19. Neste contexto, a Ordem dos Médicos tem recebido vários pedidos individuais de exclusão de responsabilidade, visto que os especialistas em saúde pública estão a reportar o funcionamento “anómalo dos serviços, perante tão desgastante trabalho”.
“Os médicos de saúde pública estão no limite. É urgente uma intervenção por parte da Administração Regional de Saúde do Centro e do Ministério da Saúde”, sublinhou o presidente da SRCOM, Carlos Cortes.
“Se somarmos a todas as dificuldades de quem vive e trabalha em permanente estado de emergência devido à covid-19 (ao efetuar centenas de horas suplementares, sem direito a tolerâncias de ponto e sem efetivo descanso semanal) é preciso lembrar que os médicos de saúde pública continuam a dar resposta a outras patologias, tais como os casos de doença invasiva pneumocócica, salmoneloses, hepatites, tuberculose, doença dos legionários, etc”, acrescentou.
“É incompreensível que o Ministério da Saúde tenha abandonado, desta forma, estes colegas médicos que continuam a fazer um trabalho inexcedível”, afirmou Carlos Cortes.
Carlos Cortes acrescentou que o trabalho que está a ser exigido, “além de desumano”, não acrescenta uma “mais-valia para combater esta pandemia”.
Relativamente à covid-19, os médicos de saúde pública identificam todos os novos casos, inserem os casos novos em bases de dados elaboradas por eles, realizam inquéritos epidemiológicos, acompanham a evolução do estado de saúde dos casos de alto risco, emitem credenciais para testes, entre outras tarefas.
*Com Lusa