Sete em dez portugueses que estiveram em quarentena ou já recuperados da covid-19 acusaram sofrimento psicológico e mais de metade apontou sintomas de depressão moderada a grave, revela um estudo do Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA). Das pessoas infetadas com o novo coronavírus SARS-CoV-2, que provoca a doença covid-19, internadas no período em que decorreu o estudo, entre 22 de maio e 14 de agosto, 92% relataram sintomas de ansiedade moderada a grave e 43% sintomas de perturbação de stress pós-traumático.
“Isto é extremamente relevante, mas também seria expectável e vem em linha de conta com o que está a acontecer nos outros países da Europa, que também têm estudado o impacto da pandemia na saúde mental”, disse à agência Lusa a coordenadora do estudo Saúde Mental em Tempos de Pandemia e investigadora do INSA, Teresa Caldas de Almeida.
Promovido pelo INSA, em parceria com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, o estudo visou caracterizar a saúde mental da população adulta portuguesa, bem como de grupos específicos, nomeadamente profissionais de saúde e indivíduos infetados ou suspeitos de infeção pelo SARS-CoV-2 que vivenciaram episódios de quarentena, isolamento ou tratamento da covid-19. Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do apoio RESEARCH 4 COVID-19, o inquérito envolveu 6.079 residentes em Portugal, incluindo 2.097 profissionais de saúde, e a recolha de dados decorreu em dois períodos: de 22 de maio a 20 de julho de 2020 e de 23 de julho a 14 de agosto.
A maioria disse estar preocupada com a possibilidade de o país entrar numa crise económica muito grave (96%), de não conseguir recuperar o rendimento que tinha antes da pandemia (75%) e de a sua forma de viver não voltar a ser a mesma (79%)
Segundo o estudo, um quarto dos inquiridos que se mantiveram a trabalhar, excluindo os profissionais de saúde, apresentava sintomas de `burnout´ (exaustão física e emocional), destacando-se os profissionais de lares de idosos (43%), de atendimento ao público (38% e operários fabris (36%).
No caso dos profissionais de saúde, os grupos mais afetados por `burnout’ são os que estiveram em contacto regular com doentes (33%), os que estavam a tratar doentes com covid-19 (43%) e os que tiveram um aumento do horário de trabalho (39%).
Relativamente ao acesso a cuidados de saúde, a investigação revela que 46% consideram ter o mesmo acesso ao Serviço Nacional de Saúde e 52% aos serviços de urgência em comparação com o período anterior à pandemia.
A maioria disse estar preocupada com a possibilidade de o país entrar numa crise económica muito grave (96%), de não conseguir recuperar o rendimento que tinha antes da pandemia (75%) e de a sua forma de viver não voltar a ser a mesma (79%). No grupo dos profissionais de saúde, 95% apontam preocupação com a possibilidade de o país entrar numa crise económica muito grave e também com a sua forma de viver não voltar a ser a mesma (76%).
São sobretudo as mulheres, os inquiridos entre os 18 e os 29 anos, os desempregados e os indivíduos com mais baixo rendimento quem apresenta mais frequentemente sintomas de sofrimento psicológico moderado a grave, ansiedade, depressão ou perturbação de stress pós-traumático
Quanto às perspetivas após a pandemia, perto de metade destes profissionais sente-se otimista, sendo principalmente homens, com mais de 60 anos, com rendimentos superiores a 2.000 euros e os que não tiveram necessidade de se afastar da família.
Segundo dados do Infarmed, nos primeiros oito meses de 2020, foram vendidas mais de 6,5 milhões de embalagens de antidepressivos, um aumento de cerca de 5% em relação a 2019.
“A pandemia covid-19 provocou, a nível global, alterações profundas nos estilos de vida, com potencial impacto na saúde mental e no bem-estar das populações”, refere o estudo.
Em Portugal, acrescenta, as medidas extraordinárias para evitar a disseminação do vírus implementadas pelo Governo a partir de março “vieram alterar os estilos de vida individuais, bem como os relacionamentos interpessoais”.
“Estas alterações aliaram-se ao medo e incerteza crescentes de infetar ou ser infetado, assim como a alterações na situação socioeconómica associadas à evolução da pandemia”, sendo neste contexto expectável “a manifestação de sintomas e comportamentos ligados ao sofrimento psicológico “.
Os investigadores referem que o estudo apresenta “uma base de evidência sólida para a elaboração de recomendações que visem mitigar os problemas de saúde mental e promover o bem-estar psicológico em tempos de pandemia”.
“Estas recomendações têm particular relevância contextual e temporal, dado que a pandemia covid-19 prolonga-se agora numa segunda vaga, para a qual é fundamental preparar os profissionais de saúde e os indivíduos diretamente afetados pela doença, assim como a população geral”, acrescentam.
É no grupo de profissionais de saúde que os níveis de ‘burnout’ (exaustão física e emocional) são mais elevados, chegando a atingir os 43%
Os mais afetados “como seria expectável” são os profissionais que estão a tratar os doentes com covid-19, que têm um risco de sofrimento psicológico 2,5 vezes superior aos que não estão a tratar esses doentes, disse à agência Lusa Teresa Caldas de Almeida, coordenadora do estudo e investigadora do INSA. É no grupo de profissionais de saúde que os níveis de ‘burnout’ (exaustão física e emocional) são mais elevados, chegando a atingir os 43%.“Este estudo teve em conta o conhecimento que havia de situações semelhantes em anteriores epidemias, por outros vírus, como o ébola ou o SARS, em que houve necessidade de haver confinamento das pessoas, e que já nessas alturas foram reportadas alterações na área da saúde mental”, disse Teresa Caldas de Almeida.
Nesse sentido, adiantou, foi considerado que “seria importante fazer uma caracterização da situação da saúde mental da população portuguesa, maiores de 18 anos, com alguma atenção particular aos profissionais de saúde e um segundo grupo que são os indivíduos infetados ou suspeitos de infeção”.
“São sobretudo as mulheres, os inquiridos entre os 18 e os 29 anos, os desempregados e os indivíduos com mais baixo rendimento quem apresenta mais frequentemente sintomas de sofrimento psicológico moderado a grave, ansiedade, depressão ou perturbação de stress pós-traumático”, adiantou a investigadora. Um terço apresentava níveis de resiliência elevados, nomeadamente os homens com mais de 50 anos, os empregados e os reformados.
Relativamente às novas formas de organização do trabalho, suscitadas pela pandemia, 83% consideraram que, em particular o teletrabalho, podem vir a ter um impacto positivo na sua vida.
O inquérito aponta “a dificuldade na conciliação trabalho-família, a preocupação com a manutenção do trabalho ou preservação do rendimento, a perceção de menos apoio social ou familiar e a preocupação relativamente ao futuro são determinantes relevantes de problemas de saúde mental na população geral e também nos profissionais de saúde”.
No caso dos profissionais de saúde, “o rendimento, o tratar doentes com covid-19, o nível médio/baixo de resiliência, as dificuldades na conciliação trabalho-família, a falta de apoio social e familiar, e as preocupações face ao futuro são os principais fatores preditores de sofrimento psicológico”.
“Este estudo não é um estudo em que possamos ter chegado a um diagnóstico, que é feito com uma consulta de psiquiatria, mas utilizamos estes elementos muito sólidos, validados, com escalas validadas, que apontam para um valor que pode ser um pouco sobreavaliado, mas não muito longe dos resultados reais, ou seja, nós podemos afirmar a prevalência de sintomas e não, obviamente, a existência de uma patologia clínica diagnosticada”, sublinhou a investigadora.
Adiantou que “a intenção foi sempre recolher informação útil para que o Ministério da Saúde possa tomar as medidas que considera mais adequadas e que possam, no fundo, minimizar, mitigar os efeitos da pandemia na saúde mental da população portuguesa e dos profissionais de saúde”.
Os dados deste estudo são “muito semelhantes” a outros que têm sido feitos internacionalmente. “Esta situação era expectável e decorrente desta situação pandémica. Não podemos dramatizar estes dados, mas também não os podemos minimizar. Mas o que é importante em tudo isto tem a ver com a informação para que se possam tomar as melhores medidas”, observou.