“Não tive tempo para me ir abaixo mas chorei e emocionei-me com muita coisa” – Diana Leiria, diretora executiva do ACES Médio Tejo. Foto: mediotejo.net

Diana Leiria, diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo, está a lidar há um ano com a pandemia e a gerir 712 profissionais de saúde, muitos dos quais ficaram infetados ou em isolamento neste período devido à covid-19. Lembra-se bem do 1º caso de infeção na região, a 16 de março de 2020, e do 1º óbito, também naquele mês, como o mais marcante. Numa entrevista franca, Diana Leiria disse que este foi um ano que não deu espaço para a vida pessoal mas que, apesar do cansaço e da pressão, também não teve tempo para se ir abaixo. “Não tive tempo, mas chorei e emocionei-me com muitas coisas”, disse a gestora de um Agrupamento de Centros de Saúde que agrega cerca de 225 mil utentes frequentadores de 11 municípios da região.

Diana Faria dos Santos Leiria foi nomeada em fevereiro de 2020 diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo para um exercício de três anos, não imaginando o que seguiria um mês depois da nomeação. Licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada, é especializada em Administração Hospitalar e desempenhou, desde 2012, as funções de Coordenadora da Unidade Hospitalar de Gestão de Inscritos para Cirurgia do Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) e de diretora do Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria, de 2014 a 2018.

Diana Leiria – Diretora Executiva do ACES Médio Tejo. Foto: Jorge Santiago/mediotejo.net

Mediotejo.net – Como é que tem sido lidar com um ano de pandemia, agora que se está a assinalar um sobre o primeiro caso identificado na região? E como tem sido lidar com os momentos mais difíceis?

Diana Leiria – Tem sido difícil, mas ao mesmo tempo muito desafiante. Felizmente tenho uma equipa extraordinária, porque se assim não fosse não teríamos conseguido ter bons resultados apesar da pandemia. Os momentos mais difíceis, foram sem dúvida no mês de janeiro e fevereiro deste ano.

Lembra-se do primeiro caso de infeção e do primeiro óbito por covid-19?

Perfeitamente.

O que foi mais marcante destas duas situações?

O primeiro óbito… foi mais marcante. Entre outras situações que prefiro não divulgar.

Quantos profissionais tem o ACES Médio Tejo? E quais os efeitos da pandemia no trabalho da equipa por si coordenado e nos próprios profissionais?

Temos neste momento 712 trabalhadores, fora os trabalhadores indiretos, designadamente as empresas de limpeza e segurança. Foi muito difícil, foi um ano completamente atípico, tivemos que nos reorganizar e muitas vezes reorganizamo-nos de um dia para o outro. Tivemos que mobilizar pessoas muitas vezes no domingo à noite para estarem às sete ou oito da manhã de segunda-feira num concelho completamente distante mas para conseguirmos dar resposta quer naquela fase de testes em massa numa série de ERPIs e outras instituições, quer agora para a vacinação.

Foi também muito difícil reorganizar as agendas, reorganizar os espaços dentro dos centros de saúde e sobretudo manter tudo a funcionar. Até porque antes de termos a vacina também tivemos muitos profissionais que, ou estiveram infetados com covid ou estiveram em isolamento por serem contactos próximos de utentes infetados com covid, quer do seu círculo familiar quer do círculo profissional. Tudo isto nos criou imensos constrangimentos, porque de repente tínhamos metade de uma unidade e as pessoas ausentes também por causa da infeção e sofremos com isso.

Felizmente houve um espírito de equipa muito grande, em que os profissionais de outras unidades se ajudaram mutuamente e apesar de tudo foi possível com sucesso vencer a primeira fase da pandemia. Veremos agora.

Diana Leiria, diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo. Foto: mediotejo.net

Há uma percentagem apurada dos profissionais de saúde que ficaram infetados por estarem na linha da frente no combate à covid?

Acaba por ser difícil distinguir quando a pessoa se infeta em meio profissional ou mesmo na sua vida privada. Efetivamente houve uma altura em que tudo retomou e ao retomar a atividade a infeção passou a circular pela comunidade. Apesar de tudo, quando estão a trabalhar as pessoas estão protegidas para o efeito, mas no decorrer da vida pessoal, mesmo tomando todas as medidas emanadas pela Direção-Geral de Saúde a proteção não é tão grande. Mas existem sítios, caso da Estrutura de Apoio e Retaguarda em Fátima, o atendimento em Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios e Covid-19 (ADR) com doentes suspeitos de covid e outras situações, em que efetivamente o risco é maior.

Isto causou constrangimentos e ao princípio até alguns receios e medos, que depois foram sendo ultrapassados paulatinamente. Porque temos de reconhecer que os profissionais de saúde, apesar de treino e formação, não deixam de ser homens e mulheres com os seus filhos, com os pais, com a sua vida familiar. Também se sentem.

Chegou a ter cerca de metade da equipa indisponível, uns com infeção outros em isolamento?

Em algumas unidades. Cheguei a ter unidades encerradas em isolamento e ter outras unidades vizinhas a atender os utentes daquelas que estavam afetadas pela pandemia. Chegámos a uma altura em que tivemos cerca de 60 pessoas fora por infeção, o que representa quase 10% dos trabalhadores. E foi de facto muito difícil.

Neste último ano, enquanto cidadã e na qualidade de diretora executiva do ACES, e para a equipa que coordena, praticamente não houve tempo para vida pessoal?

Não, de facto não. É algo que roubamos aos nossos filhos, aos nossos maridos, aos nossos pais, sem dúvida. O que vale é que eles compreendem.

“O primeiro óbito… foi mais marcante. Entre outras situações que prefiro não divulgar” – Diana Leiria. Foto: mediotejo.net

Um ano depois do primeiro caso no ACES Médio Tejo, e estando num centro de vacinação… É como que um centro de esperança onde cada inoculação é uma injeção de esperança rumo à imunidade de grupo?

É algo que nos deixa cheios de alegria, porque a comunidade científica conseguiu, em tempo recorde, encontrar várias vacinas que permitem criar imunidade ou pelo menos permitem proteger as pessoas contra formas graves da doença. Isso, sem dúvida, enche-nos de alegria.

Para nós, significa mais trabalho também. Muito trabalho, implica muita logística e capacidade de organização. Mas que fazemos com muito gosto por sentirmos que se trata de uma esperança para voltarmos à nossa vida normal.

No ACES Médio Tejo, desde o início do ano 2021 e até 16 de março, registam-se cerca de 35 mil vacinas administradas… é um número razoável tendo em conta a disponibilidade das vacinas que chegam?

Sim, tendo em conta a disponibilidade e também aquilo que é preconizado na primeira fase. Porque não é uma fase que esteja aberta a qualquer cidadão. Estamos praticamente a finalizar toda a vacinação de segundas doses em ERPIs e só ainda não finalizámos porque ocorreram surtos em várias instituições e isso impediu de terminar o processo mais rapidamente. Mas temos já alguns concelhos fechados nessa matéria. Agora estamos na fase dos utentes, designadamente utentes com 80 ou mais anos ou utentes com 50 ou mais anos e uma das quatro comorbilidades.

Para além disso também vêm sendo introduzidas no primeiro grupo os profissionais de saúde, agora do setor privado, as forças de segurança, e estamos a aguardar a qualquer momento que nos introduzam no programa os professores e funcionários quer das escolas de 1ºciclo, quer do pré-escolar.

Este último ano os profissionais dos cuidados de saúde primários estiveram praticamente sempre dedicados ao combate à pandemia, e os serviços de cuidados de saúde primários ficaram um pouco para trás… quais as principais debilidades com que o ACES vai ser “confrontado” para tentar recuperar algum do tempo que foi necessário dedicar à pandemia?

Não é verdade que tenhamos deixado tudo o resto para trás. Houve atividades que nunca descuidámos e que mantivemos sempre e realizámos sempre no tempo em que as normas assim o definem. Bem como tudo o que é doença aguda. Nunca houve qualquer reporte relativamente a atividade da doença aguda também nunca houve qualquer ‘perturbação’ na vigilância da saúde materna, grávidas e crianças até aos dois anos, do plano nacional de vacinação. Houve atividades que nunca interrompemos apesar de todas as dificuldades.

Naturalmente que há outras consultas, designadamente de vigilância de adultos na área da hipertensão, da diabetes, ou mesmo até de rastreios oncológico que ficaram prejudicadas porque os recursos são finitos e se os alocamos a uma determinada atividade não conseguimos fazer exatamente o que fazíamos antes.

Temos agora intenção, uma vez que os números da covid estão bastante mais baixos, de tentar recuperar, mas temos o plano de vacinação em mãos que absorve bastantes recursos e teremos que ser capazes de conciliar a atividade normal com a vacinação.

O Governo já anunciou incentivos para aumentar a atividade nos centros de saúde, o que é que isso pode significar? Aberturas até mais tarde, e durante os fins-de-semana eventualmente?

Só conheço o que foi publicado em Diário da República, que se trata de alguns incentivos voluntários para aumentar atividade em várias linhas, caso das vigilâncias, no período pós funcionamento normal dos centros de saúde e nos sábados de manhã. Agora falta a regulamentação e que se definam aspetos para que depois possa ser aplicado na prática.

Um ano de pandemia, mas ainda muito trabalho se perspetiva pela frente. Para já é esta fase de vacinação que está a concentrar a maior parte dos esforços…

Na verdade acho que nenhum de nós sabe o que ainda nos espera. Os nossos esforços em termos de trabalho da área de covid estão concentrados na vacinação e tentarmos, de acordo com o número de vacinas que temos e as regras, chegar ao máximo de população possível. Sem dúvida que é esse o nosso grande objetivo.

Falou há pouco sobre se recordar bem do primeiro caso de infeção que ocorreu no ACES Médio Tejo, tem também bem presente o primeiro óbito, um idoso… Também teve um dos seus braços direitos, a Delegada de Saúde Pública Dra. Maria dos Anjos Esperança, infetada… Teve algum momento em que se sentiu mais em baixo, ou algum momento em que chorou por causa de tudo o que se passava em torno da pandemia?

Eu acho que não tive tempo para poder ir abaixo, sinceramente. Chorar, sim. Sim. Olhe, chorei quando vi as imagens dos bombeiros com as pessoas dentro das ambulâncias horas a fio para entrarem nos hospitais. Sim… várias vezes me vieram as lágrimas aos olhos e me emocionei com muitas coisas e sobretudo com pequenos gestos dos nossos profissionais e às vezes sinto-me um bocadinho triste por sentir que a maior parte da comunicação social se centra nos cuidados intensivos e nos hospitais e se esquece do trabalho imenso que foi feito e que ainda está a ser feito ao nível dos cuidados de saúde primários.

Diana Leiria – Diretora Executiva do ACES Médio Tejo. Foto: mediotejo.net

Já falámos do passado e do presente, mas estando numa casa de esperança, quer deixar uma mensagem para o futuro?

Penso que melhores tempos virão, embora a percentagem de população vacinada ainda seja reduzida e, portanto, também não podemos cair no facilitismo e achar pelo facto de já termos alguns dos nossos idosos vacinados que podemos descurar. Não podemos descurar para não voltar àquilo que tivemos nos meses de janeiro e fevereiro.

No entanto, acho que devemos retomar as nossas vidas com algumas precauções. Da parte dos cuidados de saúde primários tudo faremos para corresponder à população na parte da vacinação e estamos neste momento já a fazer os planos para retomar e fazermos até o plano de ação para 2021, tentando retomar tanto quanto possível a normalidade também dos nossos serviços.

A ajuda e a resposta a este problema está também nas mãos de cada um de nós, cada um dos cidadãos, alguma mensagem também para a população em geral?

Sei que as pessoas estão bastante cansadas, eu também estou, todos estamos muito cansados desta falta de convívio, da falta da nossa vida e do nosso tempo. Mas temos que ter um bocadinho de paciência, temos que pensar em nós e nos outros e sermos capazes, apesar da nossa vontade, de evitar grandes concentrações, evitar estar sem máscara, fazer boa higienização e constante das mãos e dessa forma tentarmos que imagens como as que vimos em janeiro e fevereiro não voltem a repetir-se.

A experiência de trabalho nas rádios locais despertaram-no para a importância do exercício de um jornalismo de proximidade, qual espírito irrequieto que se apazigua ao dar voz às histórias das gentes, a dar conta dos seus receios e derrotas, mas também das suas alegrias e vitórias. A vida tem outro sentido a ver e a perguntar, a querer saber, ouvir e informar, levando o microfone até ao último habitante da aldeia que resiste.

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