Laurinda de Jesus foi uma das utentes do Centro de Acolhimento de São João do Peso, em Vila de Rei, infetadas com covid-19 no surto que afetou a instituição entre janeiro e fevereiro deste ano. Aos 90 anos, esta sobrevivente da pandemia conta ao mediotejo.net que não sentiu “assim muito medo” do vírus mas sim tristeza por “estar fechada” e não poder abraçar a filha desde o ano passado.
Com a simpatia na voz mas com as lágrimas escondidas a quererem sobressair a cada palavra, interrompemos aquele que seria “mais um dia” de Laurinda de Jesus naquela que é a sua casa desde 2017, o Centro de Acolhimento de São João do Peso, em Vila de Rei.
“Boa tarde, Dona Laurinda. Está boazinha?”, perguntamos. “Cá vou estando, tenho que ir devagar”, responde-nos. A conversa acontece por telefone, de modo a garantir a segurança de todos. Mulher de palavras parcas mas certeiras, conta-nos que é de Palhais, localidade no concelho da Sertã. Mais especificamente do lugar de Tira, porque “Palhais há muitos”, explica-nos convictamente.
Capaz de andar pelo próprio pé e com uma cabeça “orientadinha”, a única chatice que a idade lhe trouxe foi a perda de audição. “Ouço algumas coisas, mas não ouço tudo”, avisa-nos. Ao seu lado está a enfermeira Carolina, do Centro de Acolhimento, que nos ajuda quando a voz elevada não é suficiente para fazer chegar a pergunta ao outro lado da linha.
E foi precisamente a “ajuda das raparigas” da instituição que Laurinda de Jesus confessa ter sido o segredo para vencer o vírus. “Fizeram-me muito bem”, diz, provocando um breve riso de satisfação na voz da enfermeira que a acompanha nesta conversa.
Aos 90 anos, Laurinda de Jesus é um dos rostos daqueles que sobreviveram à pandemia. Testou positivo à covid-19 no mês passado, a 11 de fevereiro de 2021. “Claro que uma doença ruim é pior mas não tive assim muito medo”, diz-nos, como quem não faz grande caso do que já lá vai. “Mesmo assim, não estive muito mal. (…) Tinha assim um bocadito de tosse na garganta, o corpo doía-me, mas era só assim o que sentia, mais nada”, explica-nos, com um à-vontade que se vai alargando à medida que a conversa avança.
A parte mais difícil é aguentar o coração apertado com saudades da filha. “Ah, muitas saudades”, suspira. “É muito difícil estar longe dela”, diz-nos, com o choro embargado na voz. “São muito chegadas”, acrescenta a enfermeira Carolina.
Após vinte dias de isolamento, a boa notícia chegou a 2 de março, quando Laurinda de Jesus testou negativo. “Já estava muito triste de estar ali o tempo todo”, desabafa. A nonagenária passou o tempo de isolamento num quarto partilhado com outra utente, também infetada.
Agora, diz, “graças a Deus, já está tudo um bocadinho melhor”. Os idosos já podem, com as devidas regras, estar juntos no mesmo espaço como antigamente e trocar dois dedos de conversa para ajudar a passar o tempo. A recuperar do susto do surto que afetou a instituição entre janeiro e fevereiro últimos, o Centro de Acolhimento de São João do Peso retomou também na semana passada o regime de visitas de familiares, à distância.

E foi a partir da varanda da instituição que Laurinda de Jesus teve na terça-feira, 16 de março, uma surpresa de encher o coração: a primeira visita da filha após ter passado pela covid-19. “Ai, foi uma alegria que eu tive, e ela também”, expressa, com o pensamento a viajar para aqueles minutos já longínquos de acenos à distância e beijinhos enviados pelo ar.
Laurinda de Jesus está “muito cansada de estar fechada”. No entanto, não perde a esperança de que melhores dias estão por vir. Dias que têm mesmo que chegar porque ainda há um sonho para concretizar: “Sair daqui de dentro e ir um bocadinho para o pé da minha filha”