Ao fim de 11 dias, a PaF fez mesmo PUF.

Tendo vencido as eleições e tendo recebido um sinal de que não poderia governar como até aqui, amputada de maioria absoluta, tentou um acordo com o PS. Juntos, os partidos PSD, CDS/PP e PS teriam as melhores condições para governar, retirando neo-liberalismo e arrogância da atuação anterior de Passos e Portas (admito que houve momentos em que não desceram ao diálogo com as outras forças eleitas e representadas na AR e deveriam tê-lo feito de forma amiúde), introduzindo uma dimensão social mais profunda por via da inclusão do PS e sua visão própria do modelo de funcionamento do Estado.

O problema é que, depois da noite de 4 de outubro, a ambição de Costa o “cegou” e conduziu-o a uma atitude inesperada, da qual nunca mais conseguiu voltar para trás. Da ameaça passou à consequência e já não tinha volta. Não digo que não tenha sido democraticamente possível fazer o que fez, e à luz da Constituição é legal, mas contrariou as expetativas e, na minha opinião, defraudou a maioria dos portugueses. Fugiu ao “centrão” e, quando viu uma janela de oportunidade para se salvar e para até poder ficar na história como sendo o primeiro socialista a conseguir um acordo com a esquerda mais radical, não hesitou e não terá medido bem, na minha opinião, todas as consequências para o futuro, para o país, para os portugueses, para o seu partido, para a relação de equilíbrios entre os diversos partidos.

Pelo caminho perdeu popularidade, perdeu dignidade, perdeu prestígio, nunca ganhou legitimidade e dividiu o PS, por mais artificialmente que o mesmo pareça agora unido. O futuro o dirá, estou convencido disso.

Provavelmente liderará um governo. Não será Primeiro-Ministro mas, para sempre, Segundo-Ministro, epíteto terrível mas que traduz o “primeiro dos últimos” e a forma como transformou uma derrota numa “vitória”, que nunca o será sem ir a votos – e isso está bem claro na cabeça da esmagadora maioria dos portugueses.

O grande problema que Costa terá pela frente, se vier a ser Segundo-Ministro, reside na dificuldade de estabelecer pontes, construir consensos e assegurar equilíbrio e estabilidade. Um homem que não é consensual, que não é respeitado pela sua lisura comportamental, que não está legitimado pelo voto popular, que demonstrou pouco sentido de equilíbrio e de respeito pelas tradições democráticas de 40 anos, não terá tarefa fácil, nem mesmo juntos dos seus circunstanciais camaradas de jornada de luta. Agora é a fase do estado de graça, mas quanto mais o senhor Costa tentar ter graça agora, mais contribuirá para a desgraça que se lhe há-de seguir. Quando as coisas começarem a apertar é que vamos ver se o senhor revela sentido de Estado e capacidade de federar, unir, mais do que romper. Tenho as maiores dúvidas. E nem falo, para já, da barafunda que deixou criar em torno do candidato presidencial.

Depois, o chamado “acordo”, ou os vários “acordos”. Todos assinados às escondidas, assim como ficaram às escondidas os autocarros das autarquias comunistas e socialistas que levaram centenas de pessoas para a Assembleia da República (privando até as escolas do seu normal funcionamento), ontem à tarde, para apoiarem um novo projeto que apenas é unido por uma “lista de compras” apresentada pela esquerda radical e onde a demonstração das receitas continua também escondida, escondendo em sim mesma toda a lisura e transparência doutrinária e programática da nova “Frente de Esquerda”. Estes pseudo-acordos  são mais “posições conjuntas” para futuros “acordos” pontuais e baseados na casuística do que robustos compromissos a quatro. Ano a ano, assunto a assunto, cria-se um grupo de trabalho e logo se vê se haverá acordo, sempre negociado em separado com os quatro partidos. Esta fórmula parece-me um acervo de  “bombas-relógio” cujos detonadores o putativo Segundo-Ministro entregou a Catarina Martins e a Jerónimo de Sousa, que os poderão acionar quando assim melhor entenderem. A adjacência de “Os Verdes” nem sequer fica com detonador, apesar de ter um papel assinado à parte do “CEO da holding”, Jerónimo de Sousa…

No fim de tudo isto, o que dirá o Presidente? Dificilmente poderá deixar de equacionar empossar Costa, por mais que isso lhe custe. Deverá ter dias muito difíceis pela frente e não o conhecemos como homem capaz de surpreender muitas vezes, sendo razoavelmente previsível o que fará e dirá na maior parte das ocasiões. Mas admito pode aqui inovar. Pode querer ensaiar algo de novo. Não me arrisco a dizer o que fará Cavaco Silva. Mas posso dizer o que eu acho que lhe ficaria bem fazer. Depois das suas reuniões e de ouvir diversas personalidades, deverá chamar Catarina, Jerónimo e Costa, ouvi-los também e no final, só com Costa, exigir que reforce o “acordo” à esquerda, no sentido de, no mínimo, salvaguardar as questões externas (Tratado Europeu, Moeda Única, Nato, entre outras) e, supletivamente, assegurar que as forças que apoiam o seu futuro Governo não fiquem de fora da governação. Deverá dizer que não viu nenhum “acordo” mas posições conjuntas em separado e que isso não assegura estabilidade. Não havendo aprofundamento e reforço entre a “Frente de Esquerda”, o que chamam de estabilidade para quatro anos, não o é na verdade e é pouco mais do que uma mão vazia e a outra cheia de coisa nenhuma. Sem isso eu não daria posse a António Costa, em nome de um interesse maior que se chama Portugal. A lista de compras dos “parceiros de jornada” do putativo Segundo-Ministro é, por demais, já conhecida. E é apenas isso que os une. Nada mais. Ora, não me parece que para ser líder de Governo e escapar a um “enxovalho” por ter tido um resultado miserável nas eleições, António Costa deva deitar a perder o caminho percorrido com dor e sacrifício (e já com bastantes resultados positivos) pelos portugueses, reverter o caminho árduo que fizemos e conceder poder sindical e reivindicativo ao PC e ao BE, tornando-os o fiel da balança que tudo decide.

Considero, assim, que para que Cavaco emposse Costa, este último terá de apresentar mais, muito mais garantias do que as que apresentou. E não me admiraria que Cavaco optasse por este caminho, como condição inegociável para dar posse, ainda que sem legitimidade do voto popular, a António Costa. Se as condições não forem satisfeitas… veremos o que se poderá passar a seguir.

É precisamente esta falta de legitimidade pelo voto que me leva a apelidar António Costa, simpaticamente, sem nada de pessoal contra ele, de Segundo-Ministro. Só será Primeiro-Ministro quando vencer, nas urnas, em novas eleições.

Por fim uma nota de satisfação. Se algum efeito positivo este período conturbado nos trouxe é que toda a gente voltou a falar de política, a discutir política, a ter opinião e isso é um sinal de vitalidade do nosso sistema democrático. Oxalá continuemos a poder exprimir as nossas opiniões, no contraditório salutar, depois dos “camaradas” chegarem ao exercício do poder. Se lá chegarem…

Pedro Marques, 47 anos, é gestor, gosta de ler, de exercício físico e de viajar

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