Há três anos, a Câmara Municipal de Constância (CMC) aprovou a alteração aos estatutos da Associação Casa-Memória de Camões mas um despacho do Ministério Público vem agora recomendar à Associação que mude essa alteração. Na época, Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância, explicou que tal deveu-se a adequação dos estatutos às exigências legais, por forma a permitir a continuidade do apoio anual dado pela autarquia à instituição.
Naquela reunião de executivo, em abril de 2020, foi aprovada a alteração de estatutos da Associação Casa-Memória de Camões “para dar cumprimento a exigências legais, que foram indicadas pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e que visam a adequação dos estatutos ao conjunto de questões essenciais para que a Câmara Municipal possa dar continuidade aos apoios financeiros que tem dado até agora à Casa-Memória de Camões”, deu conta Sérgio Oliveira.
Assim, a autarquia passou “a indicar dois elementos para o Conselho Fiscal da Associação, e em matérias relevantes, como a localização da sede, o orçamento, o plano de investimentos, e outros, é necessário o voto favorável da Câmara Municipal na Assembleia Geral, enquanto associada da Casa-Memória de Camões”, explicou na altura Sérgio Oliveira ao mediotejo.net.
“Sem estas alterações a Câmara Municipal não poderia continuar a apoiar a Associação com os montantes que tem apoiado até agora, cerca de 20 mil euros por ano”, afirmou. A alteração dos estatutos foi posteriormente aprovada pela Assembleia Municipal de Constância.
Essa alteração permite dar uma posição dominante à autarquia dentro da Associação, adequando os estatutos às exigências legais, designadamente da IGF, segundo a autarquia e a própria direção da Associação Casa Memória.
Após o despacho, em declarações ao nosso jornal, Sérgio Oliveira voltou hoje a garantir ter havido uma “imposição” da IGF. De acordo com a autoridade de auditoria, “a Câmara Municipal não tinha base legal para fazer as transferências financeiras que tinham sido feitas”, necessitando para tal de ter “posição dominante” na Associação. O autarca lembra existir “obrigatoriedade legal” por parte da Câmara de “enviar os contratos-programa para a IGF”. Portanto, “demos cumprimento ao relatório da IGF”, indicou.
Mas José Luz, na época a que reportam os factos, era presidente do Conselho Fiscal, e foi afastado, perante a alteração dos estatutos. O ex-dirigente associativo indicou ao mediotejo.net que o presente processo teve inicio “a partir de exposição que dirigi em 11 de maio de 2020 à Procuradora Geral da República na qualidade de presidente do Conselho Fiscal da Associação Casa-Memória de Camões em Constância e teve o assentimento do Conselho Fiscal em diversas reuniões. Estamos assim a cumprir os deveres de fiscalização que a lei nos impõe. As razões dessa exposição mereceram agora o acolhimento do Ministério Público”.
Segundo o despacho do Ministério Público, instaurou um “procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais” e pediu que fosse “decretada a anulabilidade das Assembleias Gerais realizadas no dia 6 de junho de 2020”. A ação deu entrada a 10 de junho desse ano no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém. Contudo, em abril de 2021, foi “julgado improcedente o procedimento cautelar de suspensão das deliberações” que tiveram lugar no dia referido, e “julgado improcedente o pedido de declaração da anulabilidade das deliberações”.
Posteriormente, factos novos foram comunicados e determinaram a reabertura do Dossier Administrativo, sendo assim solicitada a intervenção do Ministério Público “no controlo da legalidade de um ato de alteração aos estatutos de associação”. Esses factos constam dos novos estatutos aprovados em Assembleia, levados a escritura lavrada em novembro de 2021.
E o Ministério Público perante aquilo que designou de “erros que implicam a declaração de nulidade das normas ou segmentos indicados [sublinhados no despacho]” entendeu que “tal circunstância implica a intervenção do Ministério Público” quanto à Associação Casa-Memória de Camões.
Portanto, no despacho, datado de 19 de julho último, o Ministério Público dá conta de existirem “erros” que podem ser causa de nulidade de “normas ou segmentos” dos atuais estatutos da Associação Casa-Memória de Camões “porque se encontram em violação de regras imperativas”.
Desde logo, “o associado não pode legalmente ser a Câmara Municipal” como aparece escrito nos estatutos, mas “o Município de Constância”, isto porque o “órgão de Governo do Município é a Câmara, mas a Autarquia é o Município”.
Entre os pontos referidos, o Ministério Público destaca o facto de passarem a ser designados pela Câmara Municipal dois membros do Conselho Fiscal, sendo um deles o presidente, ou seja, a maioria dos membros passou a ser designada pela Câmara, o que não acontecia antes da alteração dos estatutos.
Considera ainda não ser admissível que “na liquidação da associação, o património seja atribuído a um associado em exclusivo”, no caso à Câmara Municipal.
Para José Luz, em causa está “a chamada influência dominante do Município junto da associação” porque “viola a liberdade de associação e é nula não produzindo nenhum efeito. A lei, como prova o Ministério Público, não permite a celebração de contratos-programa entre a associação e o Município. Essas despesas feitas à revelia do Conselho Fiscal poderão importar em responsabilidade financeira por parte dos autarcas”, referiu.
Acrescenta que, “o facto do Município ser eventualmente associado, não implica que tenha necessariamente ‘participação’ na associação o que é muito importante porque permite que continue a subsidiar a associação através dos acordos/protocolos (únicos instrumentos que mereceram o parecer favorável do Conselho Fiscal). Foi sempre isto que afirmei”, sublinha.
Nota José luz que, “sendo o Município associado e querendo ter as chamadas ‘outras participações’, essa hipótese não obriga a que o Município tenha influência dominante sobre associação, apenas obriga ao visto prévio do Tribunal de Contas ou à dispensa do mesmo. O Ministério Público provou agora que os direitos de veto da câmara sobre a Associação, que eu sempre contestei… violam a liberdade de associação”, afirma.
Considera ainda José Luz que “todos os erros cometidos pelo Município poderiam ter sido evitados se tivessem seguido os pareceres do Conselho Fiscal e as indicações do seu presidente. Como as normas dos estatutos que implicaram a nomeação da maioria do Conselho Fiscal por parte da Câmara são nulas (assim o afirma o Ministério Público) então, deverão manter-se em funções até serem eleitos novos membros, os legítimos titulares ?”, interroga o ex-presidente do Conselho Fiscal.
Não deixa de questionar se “o Município pode transferir verbas para a associação, sendo eventualmente sócio? Pode, pois a condição de associado não implica que ali tenha ‘participações’ (diz o Ministério Público). Isso é feito como sempre o foi, através da lei das autarquias locais. E, se, o Município, para além da eventual condição de associado, vier também a ter as chamadas ‘outras participações’, pode continuar a subsidiar a associação? Nesse caso, o financiamento terá de ocorrer como diz o Ministério Público: em vez de contratos-programa, esses acordos passam pelo Tribunal de Contas”, interpreta.
Por último, conclui, “nem a Câmara nem o Município podem exercer influência dominante na associação. Vence a liberdade da associação, um dos corolários da Revolução de Abril. E prova-se que falta a muita gente espírito de cultura colaborativa”.
Na sequência desta análise, o Ministério Público, “convida a associação a proceder a alteração dos estatutos, através de nova escritura pública (precedida de deliberação do órgão de Governo da Autarquia, com competência para tanto, a juntar declaração do Tribunal de Contas, concedendo ou dispensando o ‘visto prévio’, precedida ainda de nova deliberação de Assembleia Geral da Associação autorizando a alteração dos estatutos para que fiquem em conformidade com a Lei)”. Concede para tal o prazo até 15 de setembro deste ano.
Contactado pelo nosso jornal, o atual presidente da Associação Casa-Memória de Camões, Máximo Ferreira – na altura dos factos o presidente da direção era António Matias Coelho -, deu conta que a consultadoria jurídica da Casa-Memória de Camões e da Câmara Municipal “estão a analisar o despacho”, tratando-se “apenas de uma recomendação. Não é uma decisão”, nota.
“Veremos o que fazer: se seguir a recomendação, o que impede a Câmara Municipal de apoiar financeiramente a Associação, tendo sido uma alteração de estatutos imposta pela IGF, ou se seguimos para tribunal e o juiz decide”.
Lembrando que outras associações do concelho de Constância recebem apoio financeiro municipal, havendo semelhante procedimento, Máximo Ferreira acrescentou, no entanto, que “não podemos viver fora da lei. Temos de conciliar as leis, sejam gerais, sejam dos órgãos do Estado”.
Por seu lado, Sérgio Oliveira disse competir à Associação dar seguimento ao despacho do Ministério Público, mas que, quer a Casa-Memória, quer a Autarquia “estão a analisar”, recordando o referido parecer da IGF.
“São duas posições contraditórias, do Ministério Público e da Inspeção Gerald e Finanças. A Câmara está cá para acatar” o que for legalmente decidido., disse Sérgio Oliveira indicando situação semelhante no Centro de Ciência Viva de Constância “e nunca essa questão foi levantada”.
Apontou como possível solução “um acórdão de uniformização de jurisprudência”, até porque “está em causa um posto de trabalho”. Explicou que o apoio financeiro dado pela Câmara Municipal – os cerca de 20 mil euros anuais – “serve apenas para pagar o salário da funcionária” da Casa-Memória de Camões, nota. O presidente da Câmara refere como provável próximo passo “dar conhecimento à IGF” do despacho do Ministério Público “para que nos diga o que fazer”.
Refere que “enquanto a situação não for clarificada a Câmara não tem condições de apoiar financeiramente a Associação Casa- Memória de Camões”. Sendo certo que o objetivo da Autarquia, segundo Sérgio Oliveira, passa por “manter viva a Associação, que a Casa- Memória dinamize a sua atividade e dê continuidade ao estudo da obra, vida e tempo de Camões”.
Por último, Sérgio Oliveira critica José Luz por não marcar presença nos locais onde deveria expor a sua discordância, designadamente nas Assembleias Gerais da Associação. “Nunca teve coragem de ir aos locais próprios manifestar a sua opinião”.



Com o lema ‘Por Camões e por Constância!’, aquela equipa diretiva, que integrava José Luz como presidente do Conselho Fiscal, havia sido eleita a 19 de janeiro de 2019, em Assembleia Geral e por unanimidade, para um mandato válido para o triénio 2019-2021.
A Direção era composta por:
António Matias Coelho, presidente
António Luís Fernandes Mendes, vice-presidente
Maria Manuela de Oliveira Arsénio, tesoureira
A Mesa da Assembleia Geral:
Câmara Municipal de Constância, representada pelo seu presidente Sérgio Oliveira, presidente
Ana Paula Carvalho Mota Tracana, 1.ª secretária
Ana Maria Romãozinho Dias, 2.ª secretária
E o Conselho Fiscal:
José Maria Horta Silvares Alves da Luz, presidente
Rui Miguel Albino Duarte, vogal
Maria Teresa Viegas Pereira Ruivo Flor, vogal
Fundada por Manuela de Azevedo em 1977, Associação Casa-Memória Camões tem por objetivo principal consolidar a ancestral relação de Constância com a memória de Camões.
Contando anualmente com apoio financeiro por parte da Autarquia para a sua gestão, a Casa-Memória Camões foi já reconhecida como equipamento de interesse nacional.