Depois de uma vida recheada de aventuras, entre uma carreira militar na Força Aérea e uma guerra na Guiné, ser adjunto-principal do Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, diretor da RTP Madeira ou elemento participante em missões humanitárias, João Dias decidiu abrandar, voltar às origens em Santa Margarida da Coutada e dedicar-se a uma ocupação que lhe deixou o “bichinho” desde criança: a agricultura (biológica). Assim, em 2003, iniciou-se na sua nova paixão e montou uma produção agrícola biológica num pequeno terreno de família abandonado. Até aceitava visitas e estágios de alunos, e tudo corria bem até que em 2021 a presença detetada de um herbicida proibido em 80 vezes superior ao admissível, bem como de coliformes fecais, deitou tudo por terra.
Embora não se considerando um fundamentalista, João Dias acredita que não se devia utilizar a designação de agricultura biológica mas sim de agricultura lógica, pois é essa a agricultura que devia ser praticada. Mas isso não impediu que a sua produção biológica “Hortas da Aldeia” fosse afetada por problemas que lhe eram alheios: “Cumpri sempre as regras da agricultura biológica mas depois começaram a surgir problemas”.
A plantação principal era de agrião, dada a abundância de água no terreno, e foi precisamente na água que foi detetado o causador do fim da atividade de João Dias, sem resolução à vista: Bromacil, um poderoso herbicida usado para o controlo de ervas daninhas e arbustos em áreas não cultivadas, proibido na União Europeia.

Ainda em 2016 (18 de outubro) João Dias recebeu uma comunicação por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), através da Administração da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste (ARHTO), com o assunto “Denúncia relativa à contaminação do solo e água subterrânea em Santa Margarida da Coutada, Constância, resultante da utilização de herbicida”.
Na carta, a APA remetia o resultado da análise efetuada à água da captação de João Dias “na sequência de uma denúncia relativa à contaminação do solo e águas subterrâneas por Bromacil”. Conforme refere o relatório de ensaios da A-Logos (Associação Para o Desenvolvimento de Assessoria e Ensaios Técnicos), esta recolha foi feita no dia 15 de setembro de 2015 – ou seja mais de um ano antes – a pedido da APA, tendo a conta a contaminação em terrenos da zona. Este atraso parece vir justificado, referindo a carta que “mais se informa que houve por parte do laboratório A.Logos um lapso na identificação da colheita efetuada na vossa captação, tendo agora remetido à ARHTO o respetivo boletim”.
“Segundo recomendação da DGAV deverá ser ‘impedido o uso de água proveniente dos poços e pontos de água contaminados, pelo menos até serem detetados níveis de Bromacil abaixo de 1,0 µg/l“, lê-se na missiva enviada a João Dias, pelo que, e tendo em conta que o relatório indica uma presença de Bromacil na captação de João Dias inferior a 0,050 µg/l (micrograma por litro), “considera-se que não haverá risco para adultos ou crianças expostas”.
Descansado, João Dias continuou a sua atividade. Além de agrião, a exploração “Hortas da Aldeia” produzia também uma série de outras hortícolas e de flores aromáticas, bem como dispunha também de algumas colmeias. Além de visitas de alunos e de outras pessoas, de workshops de produção biológica e de participar em mostras e feiras, “Hortas da Aldeia” recebia também alunos estagiários, nomeadamente da EPDRA (Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Abrantes), localizada em Mouriscas.
Até que em fevereiro 2021, João Dias recebe uma nova comunicação. Desta vez a APA dava conta de que o resultado da análise efetuada à água colhida (18 janeiro 2021) do poço da horta de João Dias registou um teor de 8,81 µg/l de Bromacil, “pelo que evidencia contaminação”, uma vez que a concentração é superior a 0,1 µg/l, norma de qualidade estabelecida como concentração máxima admissível para água de consumo humano.
“A origem do aparecimento de contaminação poderá indiciar a extensão da pluma de contaminação em direção à Ribeira da Represa ou, eventualmente, decorrer da aplicação da referida substância noutros locais, que desconhecemos”, refere esta nova comunicação, a qual informa ainda que estes resultados foram enviados para a Comarca de Santarém, de forma a juntarem-se à perícia do processo que decorre nesta instância, na sequência da denúncia já enunciada na carta de 2016.

O major da Força Aérea na reforma não percebe como está o seu terreno contaminado. Não quer apontar dedos a ninguém, até porque efetivamente não viu ninguém a aplicar Bromacil, mas está confiante que foi alguém, incauto e que não conhecia as caraterísitcas do produto, que o usou numa quantidade excessiva, cuja contaminação depois se foi alastrando e que veio ditar estes resultados desastrosos para a sua exploração.
O que é também difícil de perceber, na opinião de João Dias, é a proliferação da contaminação, conforme está explícito no mapa acima, tendo em conta o tempo que já decorreu desde o início da contaminação, bem como os declives e inclinações dos terrenos. Supõe que a justificação esteja debaixo de terra, nos lençóis de água.
Após uma dolorosa digestão do processo, João Dias, a 23 de fevereiro, contactou a DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária), solicitando um parecer técnico da divisão de Gestão e Autorização de Produtos Fitofarmacêuticos (DGAPF) e questionando igualmente se, sendo numa área de produção de hortícolas com uma vertente pecuária (certificada em Modo de Produção Biológica), poderia continuar a sua atividade. A 3 de março João Dias solicita de novo a “atenção” da DGAV.
Contactou também a Kiwa Sativa – entidade certificadora que se dedica “à inspeção, auditoria, controlo e certificação de produtos agrícolas, biológicos, alimentares, florestais e bens de consumo” e que tinha certificado a produção de João Dias como biológica – dando conta da situação que se lhe parecia incomportável com uma exploração biológica. Os seus receios confirmaram-se na resposta que esta entidade lhe enviou, a 22 de março:
“Não poderá comercializar os produtos produzidos na parcela em questão como biológicos. Mais solicitamos que informe das medidas que pretende implementar nesta parcela relativamente à produção biológica”, sancionou a referida entidade, a qual solicitou igualmente o envio de um plano de ações corretivas para a sanção aplicada. João Dias perdeu assim a certificação que detinha de produção em agricultura biológica.

A 24 de março João Dias decide também contactar a AGROBIO (Associação Portuguesa de Agricultura Biológica). Cinco dias depois, a 29 de março, a DGAV envia um email para João Dias dando conta da sua mensagem enviada à Câmara Municipal de Constância, reencaminhando para a autarquia o email que Adérito Galvão, Médico Veterinário Coordenador do Agrupamento de Defesa Sanitária dos municípios de Abrantes, Constância e Sardoal, enviou para a DGAV dando conta do problema que o próprio João Dias lhe expôs.
“Entendendo que o Bromacil está classificado como possível carcinogénico e o seu uso foi proibido na União Europeia em 2002, julgo curial que se avalia a situação numa perspetiva de salvaguarda da saúde animal e da qualidade dos produtos animais”, lê-se no email enviado por Adérito Galvão, que foi reencaminhado para a Câmara Municipal de Constância.

Da autarquia constanciense, João Dias diz não ter tido qualquer contacto. Questionado pelo mediotejo.net, Sérgio Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Constância referiu que o organismo competente para verificar esta matéria é a Agência Portuguesa do Ambiente.
João Dias tem também animais, neste caso cabras, no terreno, pelo que essa foi logo uma questão que colocou a si mesmo desde o surgimento do problema da contaminação. Ainda sem uma resposta concreta, João Dias vai “aguentando” as sete cabras no seu terreno, mas garante que, até por uma questão de ética, não as vai vender nem utilizar de qualquer modo, até porque as cabras nunca foram rentabilizadas, serviam unicamente para comerem a erva do terreno e de “atração” para as visitas que João Dias recebia na quinta, nomeadamente das crianças de escolas.

O militar reformado mostra-se “cansado” e fala de um “enrolar” da situação, sem ações concretas ou apresentação de soluções para a resolução de um problema em que se viu envolvido e ao qual é alheio. Refere que já fez denúncias e inúmeros apelos a diversas entidades, inclusivamente à IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território), mas que a bola vai sendo passada de entidade para entidade e “ninguém faz nada”.
Ao mediotejo.net, João Dias disse que não pretende culpar ninguém ou entrar em questões judiciais. Não quer indemnizações, apenas gostava de ver a sua situação resolvida e de ter um terreno limpo. Entre a documentação que tem, de análises e trocas de emails, desabafa: “eu já não posso ver papéis”.
“A Câmara Municipal de Constância nunca me contactou e a APA nunca mandou ninguém cá, estou completamente isolado”, queixa-se.
Até ao momento a APA não respondeu ao pedido de esclarecimentos enviado pelo nosso jornal.

Coliformes fecais
Como se a questão do Bromacil não fosse suficiente, João Dias e a sua horta vêm-se a braços com uma “infestação” de coliformes fecais que alegadamente decorre do mau funcionamento dos esgotos, mais concretamente de uma estação elevatória, instalada pela Câmara de Constância a poucos metros da horta de João Dias e que recorrentemente não tem capacidade para escoar os esgotos, pelo que acaba por escoar para os seus terrenos, conforme explicou ao nosso jornal o ex-militar. Nas análises feitas recentemente foram detetados oito mil coliformes fecais. O valor máximo permitido é de cem.
A presença de Coliformes é, no entanto, mais antiga, tendo sido detetada pela primeira vez em 2011, através das análises que João Dias tinha de fazer periodicamente. A situação foi relatada à Câmara Municipal de Constância e o proprietário refere que na altura lhe foi indicado pela Câmara que a estação elevatória serviria apenas para escoamento de águas pluviais, mas que é fácil de constatar que acaba por funcionar também como esgoto, uma vez que já encontrou de tudo no seu terreno, desde fezes, a preservativos e marmelos, entre outras coisas.
O município tentou ainda colocar umas manilhas numa linha de água que atravessa o terreno de João Dias, intenção que acabou por ir por “água abaixo”, uma vez que um vizinho de João Dias, por onde também passa a linha de água, não autorizou a sua colocação.

Relativamente a esta questão dos coliformes, quando contactado pelo mediotejo.net, o líder do município constanciense, Sérgio Oliveira, referiu que objetivamente não existe correspondência entre os coliformes e a estação elevatória. Para demonstrar que não existe nenhum nexo de causalidade entre a estação elevatória municipal e a presença de coliformes, o autarca dá até o seu exemplo, dizendo que mora na mesma rua que João Dias, mas a montante da estação elevatória, e que também tem valores de coliformes acima do limite na nascente do seu quintal.
“Por outro lado, é preciso entender que a estação elevatória recebe os esgotos que são bombeados para outra estação elevatória na EN118 com vista ao encaminhamento dos mesmos para tratamento na ETARI do Caima. Apenas em situações de avaria (raríssimas nesse local) é que a descarga na linha de água (conduta com manilhas) é efetuada”, escreveu o autarca à solicitação de esclarecimentos do nosso jornal.
O autarca adiantou ainda que já foram dadas a conhecer as ações previstas, nomedamente a construção de uma nova conduta de descarga de emergência e inutilizar a que atravessa o terreno do Sr. João Dias, numa intervenção que se inclui num projeto de requalificação da Rua das Hortas, Rua Principal e Rua da Fonte que a autarquia está a desenvolver.
Quando o nosso jornal se deslocou pela primeira vez ao terreno de João Dias, a 29 de dezembro de 2021, foi notório o mau odor. Facto é que, com as análises efetuadas, também os valores de coliformes fecais superam o permitido, pelo que contribuem igualmente para a inviabilização da produção. João Dias alerta ainda para o facto de aquela linha de água correr até ao rio Tejo.

Assim que teve a confirmação da presença em grande escala de coliformes, João Dias parou a produção até porque o agrião é um vegetal muito sensível, que inclusivamente se pode comer cru, e “evidentemente não pode estar no meio de coliformes”.
Sem solução à vista para o(s) seu(s) problema(s), João Dias queixa-se de se ver emaranhado numa situação da qual não teve culpa alguma e onde as ajudas são nulas. Não vê uma saída ou uma solução, não é contactado por ninguém, não vê respostas aos seus apelos. Não quer entrar em guerras judiciais, só queria um terreno limpo, ou, no mínimo, “alguma atenção e consideração”, desabafa.