Constância assume-se como terra de escritores e aos nomes emblemáticos de Camões, Alexandre O’Neill e Vasco de Lima Couto junta-se agora o de Fernando Pessoa. Não porque este tenha passado pelo concelho, mas sim devido à nova peça criada por João Reis em Montalvo. Os bustos em argila de presidentes da República e outras figuras públicas pelos quais o escultor é conhecido deram lugar a um desafio maior e este só sossegou depois de criada a estátua de corpo inteiro do autor do “Livro do Desassossego”.
No centro histórico da “Vila Poema” Camões olha o rio. Na freguesia mesmo ali ao lado, em Montalvo, Fernando Pessoa olha para a rua que se chama como ele. À sua frente tem uma mesa de café com a chávena de onde acreditamos já ter saído a cafeína para cumprir a função de acordar o corpo e aquecer a alma. Ajuda numa das muitas manhãs frias em que o poeta passou a marcar presença na parte exterior da casa de João Reis e a humidade não parece ser problema para a aparente madeira.

As semelhanças com a escultura de Lagoa Henriques que tornou Fernando Pessoa no cliente mais regular do café “A Brasileira”, em Lisboa, existem. No entanto, a estátua que fez Fernando Pessoa trocar a capital pelo interior diferencia-se pelos materiais utilizados e os pormenores. No Chiado optou-se pelo bronze e a perna cruzada. Na Rua José Silvério, transversal da Rua Annes de Oliveira, foram utilizados o cimento e o ferro para dar forma à já referida chávena e a um livro aberto.
O que lê Fernando Pessoa não sabemos, mas na conversa que tivemos com João Reis descobrimos outras coisas. Entre elas, que a escultura composta por três partes (cadeira, mesa e figura) foi criada em cerca de três meses e que a escolha pelo escritor surgiu porque o escultor montalvense queria “começar com uma peça que tivesse alguma coisa para dizer”. A proximidade da rua dedicada a quem defendia que “tudo vale a pena se a alma não é pequena” deu o toque final.

Surgiu assim a primeira criação de corpo inteiro que dá continuidade ao percurso artístico iniciado no ano de 2011 com os bustos em argila dos presidentes da República e outras figuras públicas expostos no espaço contíguo à moradia familiar e ao escritório de contabilidade. Em 2017, José Saramago e Obama valeram-lhe uma Menção Honrosa no Prémio Infante D. Luís às Artes de Salvaterra de Magos, que recebe a exposição presidencial em outubro de 2018.
O diploma recebido está exposto no atelier em que os pormenores das caras, diz, passaram a ser menos desafiantes com o passar do tempo. Para João Reis, o novo passo faz parte do seu projeto e criar uma peça de maiores dimensões é mais estimulante, nomeadamente pelo “muito trabalho de conjugação de medidas” envolvido no processo e a dificuldade em fazer um Fernando Pessoa sentado.

Um verdadeiro desafio de peso se considerarmos que a figura do escritor pesa cerca de 120 quilos e foi necessária a força de quatro homens para o colocar no local escolhido. Uma vez materializada a ideia, já outras pairam no ar e avança que gostaria de fazer o Papa Francisco e uma escultura feminina associada ao antigo ritual de “ir à fonte”. A segunda peça, acrescenta, seria colocada num espaço público da freguesia em que esta tradição se cumpriu no passado e, para tal, é necessário entrar em contacto com as entidades responsáveis.
João Reis pretende fazê-lo em breve e acredita que a resposta seja positiva. Nos planos futuros encontra-se, igualmente, a entrega do busto de Marcelo Rebelo de Sousa ao próprio, cuja oportunidade se perdeu quando este passou sem anúncio pelo concelho no passado mês de novembro. Na próxima visita quem sabe se o presidente da República e Fernando Pessoa não se encontram em Montalvo.
Os meus parabéns ao meu amigo João Reis.