Vitor e Bárbara Ferreira na Biblioteca Municipal Alexandre O'Neill, em Constância. Créditos: mediotejo.net

O percurso da poesia de Vitor Varino Ferreira têm cerca de três décadas, desde os tempos da escola secundária, quando oferecia o sentido da audição para escutar as histórias de amores e desamores do seu grupo de amigas, passando, depois, ao destino do escuro e do isolamento da gaveta até à exposição ‘Artes Perdidas’ na Biblioteca Municipal de Constância.

“Não queria! Mas como foi um pedido da minha filha, concordei. Uma experiência totalmente nova, enriquecedora”, afirma Vitor Ferreira, confessando algum nervosismo no dia da inauguração da mostra.

O poeta assume que “nada mais” procurar que “a verdadeira arte de viver. Aqueles que procuram a autoafirmação através da violência jamais conseguirão sentir a carícia de uma brisa. O vento de nada precisa para provar a sua existência. Sei que a tarefa não é fácil, mas a sua importância é enorme. Pois a mais grandiosa das artes é, justamente, triunfar sobre a perda de uma arte”.

Vitor e Bárbara Ferreira na Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill, em Constância. Créditos: mediotejo.net

A arte, considera, “é o lado bom do ser humano. Por vezes, quando somos absorvidos pelo lado mau, a arte perde-se. E o difícil é conseguir fazer regressar essa arte escondida. Daí o nome da exposição” que mostra poemas com mais de 30 anos, explica, revelando que na gaveta guarda muitos outros, em número suficiente para editar um livro.

Escreve apenas quando se sente invadido pela melancolia, embora tenha aceitado recentemente o desafio de participar no 9º concurso literário Alexandre O’Neill, que em 2023 tem o tema ‘Refúgio entre Rios’, à semelhança da vila poema, contornada e abraçada pelos rios Zêzere e Tejo, fonte de inspiração para muitos.

Os autores, pai e filha, residentes na freguesia de Santa Margarida da Coutada, são apaixonados pelas artes. Bárbara desde cedo que utiliza a pintura como refúgio do quotidiano, na procura de “paz e serenidade” e Vitor tem uma condição para escrever poemas: a inconstância da vida.

Portanto, chegámos a um lugar que, por estes dias, e até 16 de junho, não pertence apenas à Biblioteca Municipal de Constância mas a um universo de sentimentos transformados em palavras por Vitor, que serviram de inspiração a Bárbara nas muitas pinceladas em tinta acrílica que resultaram, sobretudo, em paisagens, mas também em flores, em tons frios capazes de retratar a dor e a inquietação.

A poesia inspira a pintura em telas que ilustram paisagens, numa tentativa de refletir algo impessoal, com que todos se podem relacionar e sentir, na sua forma muito própria.

‘Artes Perdidas’ é pois uma exposição repleta de sentimentos, desenvolvida no ato de amar. E como amar implica também sofrer, inspira-se, desta maneira, nestes dois atos. Aqui, a pintura e a poesia encontram-se, tendo essa mesma inspiração: amar e sofrer.

Vitor e Bárbara Ferreira na Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill, em Constância. Créditos: mediotejo.net

A exposição “surgiu de uma ideia da Biblioteca Municipal, da minha colega Sílvia Brota, que considerou interessante ser eu a fazer a exposição. E fomos desenvolvendo. Lembrei-me que o meu pai escrevia poemas, sabia que tinham muitos anos mas que tinham potencial para ir mais além. Até já lhe tinha sugerido a publicação de um livro com os poemas, mas sendo uma pessoa muito introvertida nunca quis expor-se dessa maneira”, explica a jovem.

Sendo Bárbara Ferreira, funcionária da Biblioteca Alexandre O’Neill, pensou ser “uma forma mais familiar e sem tanta pressão” de Vitor mostrar a sua poesia. E assim foi.

Os artistas, ele de 54 anos e ela de 22, interpretam a exposição como um trabalho total, de complemento, constituído por duas artes; a poesia e a pintura sendo que no dia da inauguração ainda contaram com uma terceira arte: a música, pela voz de Raquel Pompilio, na interpretação de canções relacionadas com os poemas.

Ou seja, peças diferentes que se tornaram momentos imersivos no interior de cada um dos presentes na inauguração.

Momento de música com Raquel Pompilio. Créditos: Ricardo Escada

Ambos naturais do concelho de Constância, o pai trabalha na empresa de celulose Caima e a filha, com formação em Gestão Turística e Cultural, integra a equipa que cria, gere e organiza o desenvolvimento de atividades na Biblioteca Municipal. Além disso faz a gestão dos livros e visitas guiadas ao equipamento.

“Estou a gostar muito. A aprender muitas coisas novas que à partida, quando pensava numa biblioteca, não pensava que envolvesse tanto trabalho. A biblioteca vai muito além dos livros, é cultura”, define Bárbara.

As artes, para a jovem, sempre foram um passatempo e nunca uma atividade principal mas assume que a cultura sempre esteve presente na sua vida incluindo na sua formação académica. “Gosto de pintar paisagens, especialmente montanhas. Já pintei alguns retratos mas não me sinto confiante. Pinto maioritariamente natureza morta”, acrescenta.

Conta que na infância o pai incentivava-a a desenhar. Também Vitor desenhava a carvão. “Lembro-me de ter sempre a arte presente na minha vida, embora de forma amadora… o meu pai ensinou-me aquilo que sabia, mas muito presente. Depois comecei a demonstrar interesse pela pintura a acrílico e o meu pai comprou-me muitas telas e tintas”.

Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill recebe a exposição ‘Artes Perdidas’ de Bárbara Ferreira e Vítor Ferreira. Créditos: Ricardo Escada

Recentemente, muito por causa do projeto ‘Sorrisos entre Letras’, descobriu uma outra paixão; o croché.

Promovido pela Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill, o ‘Sorrisos entre Letras’ é um projeto em que a solidariedade, a inclusão e o combate à solidão estão de mãos dadas e que envolve dezenas de voluntários de todo o concelho de Constância.

Os bonecos e as roupas produzidas em croché e lã que são ofertadas ao IPO de Lisboa e à Maternidade e Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Médio Tejo, já perfazem mais de 1200 peças ao longo do Projeto.

Sem linhas ou entrelaçados pelo meio mas com fio condutor, a exposição é composta por oito telas e 13 poemas, alguns quadros que Bárbara havia pintado no passado, pinturas também inspiradas nos poemas escritos pelo pai e outros criados propositadamente para a exposição, como ‘Arte Perdida’ ou ‘Minha Filha’.

Bárbara prossegue nesse caminho de pincel e paleta nas mãos, “mediante o estado de espírito”, embora reconheça que, devido a um outro convite para uma segunda exposição, em Santa Margarida da Coutada, numa proposta da Junta de Freguesia, terá de pintar mais quadros.

“A reação do público tem sido muito boa”, garante Bárbara, que afirma “gostar muito” do concelho de Constância. No entanto, confessa ter intenção de prosseguir com o seu ciclo de estudos, ou seja, o mestrado seguido de doutoramento, e para tal terá de se afastar das suas raízes. Contudo, para a jovem, “Constância tem muito potencial, e se puder contribuir de alguma maneira, vou fazê-lo, sem dúvida!”.

Por seu lado, o pai não pensa em avançar com a escrita… palavras que talvez pudessem surgir se vivesse intranquilo ou tivesse questões por resolver ou o ainda o espírito inquieto da juventude. Por sorte, atualmente as sensações geradas por esse regresso ao passado são completamente diferentes. Sobretudo quando associado a esse passado está uma ideia de sofrimento e tristeza e não de felicidade ou de conquista. “Mas quem sabe…”, deixa a dúvida no ar.

A exposição na Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill apresenta assim, até dia 16 de junho, uma leitura de um tempo pretérito e longínquo vivido por Vitor, tendo como foco um segundo momento; o presente de Bárbara, com os seus trabalhos a serem guiados pela história daquilo que distante aconteceu.

A própria estrutura da Biblioteca é utilizada para encaixar a dimensão das duas artes da mostra, estando a exposição disposta no espaço de forma a também pertencer aos visitantes. Até porque não falta uma tela para quem ali entra poder deixar o seu traço a pincel e um livro para as palavras.

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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