A 5 de fevereiro de 1974, uma sonda espacial (Mariner 10), lançada pela agência espacial americana (NASA) três meses antes, sobrevoava o planeta Vénus, a “apenas” 4.800 quilómetros das camadas superiores da sua atmosfera. Na verdade, o objetivo principal era aproveitar o efeito gravítico do “irmão gémeo da Terra” para – utilizando o efeito designado por “gravidade assistida” – encaminhar a nave em direção ao pequeno planeta Mercúrio.
Mesmo assim, houve tempo suficiente para que as câmaras da Mariner 10 obtivessem imagens da atmosfera venusiana, em luz visível e em luz ultravioleta, as quais, transmitidas para a Terra e analisadas por especialistas em “atmosferas planetárias”, permitiram deduzir não só a existência de uma circulação rápida de nuvens em torno do planeta como uma inesperada abundância de oxigénio atómico, facto que sugeriu a ideia de que Vénus teve grande quantidade de vapor de água num passado distante e que, assim, a existência de um oceano, entretanto evaporado, é hipótese muito provável.
Não constituiu surpresa a confirmação de dados obtidos por anteriores missões americanas e soviéticas, de que a atmosfera atual possui cerca de 95% de dióxido de carbono, composto químico que impede o escape de grande parte da radiação solar incidente, o que provoca o progressivo aumento de temperatura na superfície do planeta, que é agora muito próxima dos 500 graus Celsius.
Em 2001, a Agência Espacial Europeia (ESA) iniciou a preparação da sua primeira expedição a Vénus (Venus Express), de que resultou o lançamento da nave em novembro de 2005, com chegada às proximidades do planeta em abril de 2006. Tinham passado mais de 30 anos e, então, eram bem melhor o conhecimento que se tinha das condições atmosféricas que envolvem o planeta e mais evoluídos os recursos tecnológicos para programar a repetição de algumas medições e conceber outras em que, antes, nem sequer se havia pensado.
Para além da curiosidade própria da investigação científica e de homens e mulheres que a desenvolvem, foi-se acentuando a convicção de que Vénus sofreu uma evolução que – teme-se – poderá ter sido a mesma de que a Terra se “aproxima”, não só pela evolução natural das composições dos planetas, mas, no nosso caso, seriamente agravadas pela ação humana. Recrudesceu o empenhamento do estudo de Vénus e aumentou também o número de investigadores que, em todo o mundo, se reúnem em equipas multidisciplinares para, conjugando observações em terra e no espaço com deduções teóricas que vão elaborando, conhecermos melhor o planeta Vénus e, por ele, percebermos o que vai acontecendo na Terra e antever as condições que aqui existirão, daqui a 100 ou 200 anos.
Em Portugal, o estudo de atmosferas planetárias é liderado pelo astrofísico Pedro Mota Machado, elemento do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (que agora também representa Portugal na missão ARIEL da ESA, com o objetivo de estudar atmosferas em torno de planetas fora do nosso sistema solar), cientista que, nos seus modelos de estudo, incorporou alguns dados obtidos no Centro Ciência Viva de Constância, através do moderno telescópio ali instalado. Este trabalho de recolhas em terra – agora interrompido pelo facto de, nos últimos tempos, Vénus só ser observável de madrugada e, agora, estar a passar “pelo outro lado do Sol” – será retomado a partir dos finais de maio, quando o “planeta irmão gémeo da Terra” passar a ser “estrela da tarde” e se tornar visível durante as duas ou três horas após o ocaso do Sol. Os dados recolhidos serão comparados com aqueles que nos vêm do espaço, captados por equipamentos instalados em naves que, para além de mais próximas de Vénus, operam bem fora da atmosfera terrestre.
Continuaremos, assim, a tentar compreender melhor o que se passa em Vénus e a desenvolver esforços para nos tornarmos mais capazes de contribuir para a preservação das condições de vida na Terra.