Lá dentro balcões de madeira e móveis com vitrinas guardam muitas das 6.230 peças únicas registadas que a Casa Leonel tem para venda: calhas elétricas, arame de aço, tintas, colas, tomadas, esticadores para a vinha, cordas e cordéis, chapéus, vassouras, torneiras, fechaduras, caixas de correio, sabonetes e sabões – incluindo Casulo utilizado no passado para lavar meias de seda -, cremes hidratantes, petróleo iluminante, parafusos, baldes em zinco, pasta dentífrica, garrafas de gás e um sem números de artigos espalhados pelo chão e pelos balcões da loja num caos organizado.
Maria José e César Eira sabem onde está tudo e encontrar aquilo que o cliente pedir. Inclusivamente verrumas “feitas em Chão de Codes” numa fábrica que a economia obrigou a fechar portas, “os Cordeiros”, lembra César.
O comerciante explica tratar-se de “um tipo de berbequim para abrir a rosca para os parafusos de madeira. É interessante que no Canadá encontrámos uma casa que vendia verrumas e eram feitas em Portugal… não sei se em Chão de Codes”, sorri.

Logo de seguida mostra-nos um trado, ferramenta parecida com a verruma mas em tamanho maior, que serve “para fazer muita coisa mas utilizado essencialmente para os furos nos barris de madeira. O cliente ainda procura as verrumas”, garante Maria.
Há 12 anos que o casal agarrou no negócio, recusando entrar em modernizações (apesar da Casa Leonel ter página no Facebook) mantendo os produtos que encontraram na loja e grande parte dos fornecedores, que são os mesmos há décadas, embora alguns dos antigos, essencialmente do Norte do País, tenham encerrado o que dificulta cada vez mais a possibilidade de ter marcas únicas. Maria José orgulha-se de indicar algumas que “só há em Lisboa” e na Casa Leonel. “A Coração é muito difícil de encontrar… de produtos para limpar metais”, explica.
E enumera marcas de tempos passados que o progresso deixou para trás como “Presto, Omo, Clarim, Só Lavar, Rex Pó… para esfregar o chão em madeira antes de pôr a cera. Ficava logo amarelo. Anilina para colocar na água e o chão ficar amarelinho ou cor-de-laranja. Na Páscoa é tradição limpar a casa e colocar o chão a brilhar”, especifica. Pó vendido a granel, ou seja ao peso, como antigamente.
O parafuso, que ali é vendido avulso, é apontado como sendo o ‘best-seller’ da Casa, com artigos, ainda, fabricados em Portugal, embora, em muitas encomendas, tenham sido obrigados a “render-se” ao material made in China, reivindicando, no entanto, junto dos fornecedores a preferência pelo nacional.
Maria José é natural de Mação, tal como César. Saiu da sua terra aos três anos tendo ido morar para a Pontinha, em Lisboa. Mas aos 12 emigrou com os pais para o Canadá onde esteve 35 anos até regressar a Portugal. “Não andava lá bem, por falta de sol”, justifica. César também emigrou para o Canadá, onde esteve 20 anos, depois de casar com Maria.
Nas férias “vim a Portugal e conheci-o aqui, no Café Central, estava a ver televisão e depois deu-me boleia, porque estava a chover, debaixo da sombrinha. Éramos vizinhos e não sabíamos, mesmo na mesma azinhaga. Depois dei-lhe um beijinho a agradecer e ele perguntou. Tens aí outro? E foi assim, eu tinha 25 anos e ele 27”, recorda.

Quando conheceu o amor surgiu a possibilidade de Maria José regressar a Portugal para trabalhar como educadora em S. José das Matas mas César estava de malas feitas para a Arábia Saudita. Optaram pelo Canadá, um novo mundo e uma estreia para o então jovem rapaz. “Caiu um nevão que ficámos logo 7 dias sem sair de casa. Acho que nessa altura se pudesse regressar a Portugal, vinha, mas lá se aguentou”, diz a mulher referindo-se ao marido.
No Canadá, César trabalhava na construção civil e Maria José como educadora de infância, portanto o negócio da drogaria apresentou-se como uma desafio e uma novidade. Mas a agora comerciante confessa que quando vinha a Mação era cliente da Casa Leonel. Diz apreciar o cheiro característico das drogarias, “aquele cheiro de sabonete, aguarrás…”. Por isso, chegou a perguntar a António Catarino, o filho do fundador da Casa, quanto queria pela máquina registadora, que muito apreciava, e até pela loja. A resposta à proposta de venda foi sempre negativa por ser um negócio de família, com a ideia de o passar ao seu filho, batizado Leonel como o avô.
Contudo, após a morte de António Catarino, a loja esteve fechada durante um ano e meio. Mas certo dia Leonel (neto) ouviu de César, já o casal havia regressado a Portugal definitivamente, se a Casa estava para arrendar. E estava!




A registadora ainda se mantém em cima do balcão, em escudos, ao lado do moderno computador. Uma antiguidade que maravilha as crianças que entram na loja, olhando intrigadas e curiosas pedindo a Maria para fazer magia, ou seja, abrir a caixa para que solte um ‘plim’.
Leonel Catarino, António Catarino e o Padre Cruz, que alcançou uma enorme fama de santidade em vida, marcam presença no estabelecimento, em fotografias nas tais molduras em gesso dourado, expostas na loja que lembram ser aquela uma das casas históricas da vila de Mação.
“O sr. Leonel era motorista da dona Anita Pequito, da família Mirrado. Quando o sr. Leonel decidiu abrir a drogaria, a dona Anita, uma mulher muito religiosa e amiga do Padre Cruz, convidou o sacerdote para vir a Mação abençoar a Casa quando abriu, por volta de 1940”, conta César salvaguardando ser a “versão” que conhece.

Depois de regressarem do Canadá, decidiram apostar na drogaria que já por ali funcionava há mais de 70 anos, mantendo o antigo modelo de negócio que naquele edifício do centro histórico encontrou morada. Tiveram de investir em novos produtos, reforçar os stocks porque António Catarino “durante os últimos tempos já não fazia compras”, justifica Maria
Nessa aposta contaram também com a ajuda dos próprios clientes que conhecendo as marcas foram dando dicas sobre o produto preferido. Entretanto, chegou a pandemia de covid-19 que, contas feitas, até deu um impulso à loja.
“Como vendemos gás, um bem essencial, podíamos estar abertos. E como os idosos não podiam sair de casa dedicaram-se à bricolage; colar cadeiras, colocar mais uma estante aqui e acolá e nós íamos vendendo”, explica Maria. “O verão é bom para o negócio, porque praticamente não fornecemos construtores, fazem pouca despesa na loja. Vendemos para a população e em pouca quantidade, mas temos de ter um bocadinho de tudo”, assegura, por seu turno, César.
Mas “depois de estarem em confinamento, no ano passado as pessoas, nas férias, não vieram à terra, foram para a praia. Entretanto, os idosos vão falecendo, arderam as oliveiras e o pinhal. A família quando vinha a terra ainda levava umas batatas, uns tomates, uns frangos, azeite… agora não há avós, não há azeite, não há nada. O que vêm à terra fazer? Gastar dinheiro e arranjar as coisas? Acho que não”, lamenta Maria.








Doze anos e “muito investimento” depois de agarrar na loja histórica, Maria a César afirmam não conseguir recuperar o que investiram no negócio. O valor recusam avançar mas reforçam a afirmação garantindo que “o retirado da loja não cobre o investimento”.
A não ser que a construção civil dê uma mãozinha. “Prevê-se que para o ano haja mais construção aqui na zona. Temos um ou dois empreiteiros que vêm de fora e que fazem aqui despesa. E um deles disse-me que tem uns contratos. Se calhar…” fica a esperança de César no futuro no desenvolvimento do concelho e da sustentabilidade do seu negócio. Explicam que “falta trabalho. Poderia haver mais construção, mas também falta mão de obra”. Devido a essa realidade “muitos emigraram”.
Maria recorda a satisfação desses emigrantes, espalhados pela Bélgica, França, Alemanha, quando de regresso a Portugal, contaram que viram César Eira na televisão, no programa ‘A Árvore dos Desejos’, um reality show português apresentado por João Manzarra. “O meu marido foi paraquedista e o meu neto pendurou o desejo que dava conta da vontade do avô em dar um salto. E César saltou com o João Manzarra” uma semana antes da pandemia.
Nas memórias da Casa Leonel conta-se também o facto de ser a primeira loja, em Mação, a ter televisão. “As senhoras traziam as suas cadeirinhas e estavam aqui a ver os programas” que na época começavam só após o meio-dia.
Um negócio “em vias de extinção” concluem, uma vez que “não conseguimos concorrer com as grandes superfícies comerciais” mas, por certo, para manter pelo menos até à reforma. Já não falta tudo; César tem 64 e Maria José 61 anos.
Um espaço, onde sempre que vou a Mação, faço algumas compras. O casal recebe-nos sempre muito bem, são os dois muito simpáticos.
Este texto, com a notícia “Casa Leonel” é extraordinária. Fiquei encantada! Deveria ser divulgada por todos os jornais e redes sociais. Penso que muitos artífices comprariam muito material que lá vendem e não encontram nos modernos centros comerciais.
Fico muito feliz pela vossa casa cheia de surpresas e recordações. Mantenham_na viva. Tenho casa na estação de ortiga e vivo em Lisboa . Quando for aí vou fazer uma visita a este casal simpático e feliz. Bem hajam com coragem e alegrias.