“Não temos desculpa, porque no século XX descobrimos os nossos limites.” A frase foi proferida este sábado, 18, pelo físico conhecido como “pai” do primeiro (e único) satélite português a ser lançado para o espaço, durante o Festival de Filosofia de Abrantes. Fernando Carvalho Rodrigues referia-se à sustentabilidade do Homem, num evento cujo mote da sexta edição é “As cidades de hoje, a sustentabilidade e a crise climática”.
Vitorino Nemésio dizia que “o Homem está sempre em crise. Melhor: a crise é o próprio Homem”. E “usurpando a linguagem da termodinâmica, que está na base de um saber tão capital do nosso tempo – a teoria de informação diríamos que o homem se opõe à natureza dos corpos por ser ‘altamente improvável’, isto é perpetuamente crítico, imprevisível e indeterminável – entrópico”.
A comunicação livre de Fernando Carvalho Rodrigues, na sexta edição do Festival de Filosofia de Abrantes, teve como tema ‘Do Homem entrópico de Vitorino Nemésio ao Homem sustentável de Kropotkin e Nash”.

O físico começou por lembrar que somos todos filhos do cosmos e não do planeta. Contudo, no início da sua apresentação deu um salto no tempo, afastando-se da criação, para revelar uma curiosidade, mostrando que o itinerário de D. Dinis por Portugal, da Idade Média, é o mesmo que o da fibra ótica em Portugal, em 2023.
Curiosidades à parte, certo é que a lei mais universal das ciências físicas, a segunda lei da termodinâmica (área da Física que estuda as transferências de energia) está presente em todos os nossos atos, incluindo na nossa forma de pensar e depois agir, vivendo a Humanidade num intervalo “entre a fraternidade e o fratricídio”. Confuso?
Nem por isso! Tudo (ou quase) se explica através de equações matemáticas. Vejamos ds>0, na verdade uma inequação, sendo por isso “uma felicidade” porque, afinal, “uma equação tem um número limitado de soluções”. Simplificando: Carvalho Rodrigues referiu que a entropia de qualquer sistema fechado, tende sempre a aumentar. Portanto, o que o ser humano tem que fazer é conseguir um equilíbrio entre a energia produzida e a entropia causada, ou seja Energia versus Entropia.
Vitorino Nemésio já se debruçara sobre a sustentabilidade do planeta há quase de 50 anos. Nesta comunicação percebemos que compreendia a linguagem da ciência e, até, escreveu o livro: ‘A Era do Átomo – Crise do Homem’, publicado pela primeira vez em 1976, no qual abordava a problemática que vivemos atualmente e onde designava o Homem como ‘entrópico’.
Como disse: “Tudo isto importa uma desconcertante mobilidade teorética: uma verdadeira leviandade. Palavras como relatividade, probabilidade, incerteza, complementaridade tornaram-se correntes e centrais em física e no Homem”.
Mas nós “que aceitamos tão bem o fim dos astros, o espaço aberto à morte dos glaciares e mesmo um universo cuja massa se volatilize não ficamos contentes suspeitando que o Homem desapareça como espécie um belo dia, deixando atrás outras espécies e entificações do natural”.


Na Biblioteca Municipal de Abrantes, o físico apresentou vários exemplos, socorrendo-se da literatura, da história, da música, do cinema, de exemplos simples, para provar que as leis físicas também se escondem em áreas às quais não as associamos.
Mas, em 1950, John Nash percebeu que o método mais avançado da evolução é a cooperação e tal está provado matematicamente. Já anteriormente, o príncipe Piotr Alexeyevich Kropotkin, um cientista político russo, sendo um dos principais pensadores do anarquismo no final do século XIX, considerado também o fundador da vertente anarco-comunista, definiu como solução nesta “dança do Homem sustentável” a ajuda mútua.
Ou seja, “não é amor, nem sequer simpatia, que induz uma manada de ruminantes ou uma récua de cavalos a formar um anel para resistir a um ataque de lobos. Não é amor que faz os lobos juntarem-se numa matilha para caçar. Não é amor que induz gatinhos ou cordeiros a brincar ou a uma dúzia de espécies de passarinhos a passar dias juntos no outono” porém “um sentimento infinitamente mais amplo que o amor ou simpatia pessoal”, defendeu Piotr Alexeyevich Kropotkin em 1902.
Trata-se de “um instinto que devagar, lentamente, se desenvolveu entre animais e entre Homens no curso de uma lenta e grande evolução e que ensinou animais e ao Homem a força que a prática da ajuda e suporte mútuos trazem e a melhoria que daí advém”.
Por seu lado, John Nash definiu um “equilíbrio”: prevalece o mais adaptado e mais altruísta. E sendo a cooperação o método mais avançado de evolução é “energia à mais baixa entropia”.
Fernando Carvalho Rodrigues abordou ainda a temática da Nova Sociedade na qual há seres nascidos e seres fabricados. “O exemplo que tenho mais evidente é um parceiro numa Unidade de Cuidados Intensivos. É um ser nascido com um ser fabricado. Se o ser fabricado é desligado o ser nascido morre, se o ser nascido morre desligam o fabricado”.
Referiu também que “o ser de silício evoluiu como os de carbono”, e portanto “ganha o mais apto, o mais cooperante, aumentando a complexidade, mantendo simplicidade de dados”.

Em conclusão, “este mundo de Nash e de Kropotkin há qualquer coisa que nos impede de o ensinar aos garotos de 7 anos, mas temos de o ensinar”, defendeu o físico. Com a equação de Nash “dá para perceber onde está o desequilíbrio em vez de andarmos a fazer bombas. Portanto, a cooperação é o método mais avançado da evolução”, reforça. “Se é energia à mais baixa entropia, dá economia circular porque anda à roda, de modo que temos de fazer a dança do Homem sustentável. De vez em quando quase atinamos a fazer a dança do Homem sustentável… quase. E às vezes até em equilíbrio e harmonicamente”.
Daí o físico ter referido que a Humanidade não tem desculpa: não só descobriu os seu limites como a fórmula: a cooperação. De modo que a consequência da verdade, no que toca a sustentabilidade, “poderia ser a criação da sociedade do elogio da amizade”.
O Festival de Filosofia de Abrantes organizado pelo município de Abrantes, com o Alto Patrocínio do Presidente da República, levou durante três dias à Biblioteca Municipal António Botto “pensadores, académicos em vários domínios, investigadores das áreas do ambiente, energia, clima, mobilidade, ecologia, biólogos e sociólogos”.