O nosso País apresenta condições de excelência, no âmbito da diversidade natural e cultural, que constituem uma mais-valia que devia ser respeitada e valorizada como fator de desenvolvimento, numa perspetiva de sustentabilidade.
Nesta nossa região que tem o rio Tejo como eixo estruturante temos vários tesouros que são exemplos singulares dessas maravilhas, e que estão à espera de serem descobertos.
Neste final de verão em que os passeios ficam mais circunscritos, em distância, e o sol e a praia estão arrumados por mais um ano, o nosso foco de atenção pode ser dirigido para a nossa proximidade. Esse é o desafio que vos deixo, aqui próximo de nós, nas margens do Tejo descobrindo a singularidade das aldeias avieiras.
A cultura dos pescadores avieiros que ali se mantêm até aos dias de hoje é um importante fenómeno migratório que merece ser valorizado.

Em meados do século XIX através de barcos, ou em carroças por terra, os pescadores avieiros partiram da zona de Vieira de Leiria com destino sazonal às margens do Tejo, entre a Chamusca e Alhandra tentando encontrar no rio a pesca a que estavam condicionados na sua origem pelas intempéries dos invernos rigorosos e de mar revolto.
Aos poucos acabaram por se ir fixando nestes locais deixando de regressar à sua origem, e num processo de integração deixaram de viver nos barcos e passaram a construir casas de caraterísticas palafíticas assentes em estacas de madeira, nas margens, formando pequenas aldeias com uma identidade tão especial quanto as características da sua forma de vida.

No documentário “Memórias de um Rio – Avieiros, Nómadas do Tejo”, o realizador português Francisco Manso deixa-nos um registo desta cultura e desta vida tão especial destes “nómadas do rio”, como os apelidou Alves Redol na sua obra os “Avieiros “de 1941 onde descreve o fenómeno de migração interna do seguinte modo:” Da Vieira de Leiria vêm ao Ribatejo. Aqui labutam. Alguns voltam ainda, roídos das saudades do seu Mar. Muitos ficam”. Dois documentos, diferentes na forma e no tempo de produção, de grande interesse para quem pretender mergulhar nesta cultura ribeirinha.
Nesta semana em que o Humberto Vasconcelos nos deixou registo devida homenagem ao amigo, jornalista e ambientalista pelo seu papel na divulgação e salvaguarda deste património. Através da obra publicada e da sua ação militante na associação Palhota Viva o seu contributo foi essencial para mobilizar vontades e resgatar os avieiros do esquecimento.
Estas pequenas aldeias com nomes como Palhota, Escaroupim, Caneiras, Patacão, entre outras, estão em gradual extinção, mas continuam memória da singularidade dessas comunidades.

São esses cenários que vos desafio a visitar, aproveitando algumas ofertas de turismo fluvial que entretanto se foram organizando nessas paisagens e que nos conduzem sempre à memória de Alves Redol que tão bem descreveu os Avieiros nas suas características, anseios e angústias de vida:
“Soubesse de outro ofício e bem lhe dava de abalar terra dentro à cata de trabalho. Porém, deixar o rio era coisa reparada. Quebrar tradições era traição ao seu povo.”

Meu(s) Caro(s),
A fotografia que evoca na legenda Humberto de Vasconcelos, nada tem a ver com a Palhota, aldeia onde o jornalista viveu em casa palafita. E onde a viúva mantém, ainda, a casa.
A foto que ilustra o texto é do Patacão de Alpiarça, conjunto afastado do núcleo principal, construído sobre o dique. O conjunto, hoje coberto de matagal e silvas, corre o risco de desaparecer rapidamente. Se não lhe acudirem.
Cumprimentos
Arnaldo Vasques
Vivi de 1946 até 1969 em Alhandra. O meu pai era Industrial de Panificação e vendia o pão a muitas famílias de Avieiros e conheci-os de perto. Muito pobres, trabalhadores e honestos. Neste período viviam mesmo nas bateiras que eram simultaneamente as suas habitações e o mais importante meio de sustento. Pescavam Enguias, linguados, camarão e um outro peixe do rio. A vila era pequena, tinham dificuldades em vender o pescado. No tempo do melão vendiam-no. Tive interesse por estes “ciganos do Tejo”, considero existir pouca informação sobre estas gentes. São oriundos de Vieira de Leiria e vejo hipóteses de serem de Aveiro. Falei nesta cidade com um velho pescador que me deu razão. Algumas habitações foram construídas de madeira pintada, semelhantes a casas das praias de Aveiro. Alhandra também deu trabalho a gentes do Alentejo para apanha de ostras. Repito, convivi bem de perto com os avieiros e tive igualmente de pertencer a um grupo de jovens que contribuíram para a criação da Secção Cultural do União Vilafranquense e de reunir com o grande escritor Alves Redol (talvez 1961/62) e ter sido Amigo do “Rei do Tejo”, o grande Joaquim Baptista Pereira.