Passaram cinco anos de uma aventura que se tornou um caso muito sério de “andar aos papéis” e buscar ao máximo o património local e imaterial para preservar a identidade da freguesia de Comenda, no concelho de Gavião. O Arquivo Digital e Imaterial de Comenda assinala o quinto ano de existência com cerca de 250 doadores e colaboradores ativos e entidades parceiras, tendo cerca de quatro mil documentos em acervo. Depois de uma videoconferência intimista que reuniu, no dia 11, cerca de quinze pessoas para refletir sobre a importância deste projeto filantrópico e pro bono, segue-se um almoço anual e convívio no dia 10 de junho.
Neste sentido, o fundador do Arquivo Digital, Ricardo Branco, residente em Lisboa mas com raízes em Comenda, relevou este seu “bichinho dos papéis”, um gosto pessoal, que fez com que a dedicação à prática arquivística se tornasse um “hobby de longa data” e fundasse na terra dos seus antepassados uma plataforma dedicada à salvaguarda e divulgação do património local e imaterial – em 2016, nasce o Arquivo Digital e Imaterial de Comenda.
Ricardo Branco é investigador e professor na área da Química, numa universidade alemã, mas tem ultimamente colaborado com universidades portuguesas e junto da Comunidade Europeia. Entre a atividade deste projeto surge uma mais marcante: o renascer das cinzas de uma coletividade antiga, datada do século passado.

O Clube Castelanense, entidade que “esteve adormecida nos últimos 50 anos”, uma associação com 73 anos feitos em março, nascida em 1950, foi reativado e redescoberto durante uma entrevista para o Arquivo Digital aos seus dois últimos fundadores, Francisco Tomé e o Professor Monteiro, já falecidos.
Foi graças ao Arquivo Digital que se conseguiu redescobrir toda a história do clube, recuperando-se até os seus estatutos originais, e que passados 73 anos, continuam a reger os destinos deste clube.
Para Ricardo Branco, a partir do momento em que a comunidade se revê e é envolvida nas atividades “passa a ser parte do todo, e sente-se envolvida e reconfortada, e é por isso que o Arquivo Digital é também uma ferramenta para a coesão social”.
Apesar de reconhecer que este tipo de projeto pioneiro começa por ser “um tiro no escuro, em que não se sabe o que vai sair”, a verdade é que o reconhecimento de pares, e até a nível académico, é uma realidade não só a nível regional e nacional, como até internacional.
Por ocasião do 5º aniversário, o fundador diz que prevalece “um sentimento de missão cumprida, numa primeira fase de lançamento e validação de uma iniciativa que se tornou pioneira”, sendo que este projeto partiu da vontade de fazer algo em prol da comunidade e especialmente da identidade de Comenda.

“O sangramento das comunidades do Interior, em Portugal esta região representa 60%, é um problema para a Europa e um problema grande para Portugal dada a assimetria que causa entre as comunidades do Litoral e as do Interior, com ações políticas a não conseguirem surtir efeito contrário. Na equação, a cultura e a identidade local, histórica e patrimonial das comunidades de baixa densidade têm sido desvalorizadas, mas são um fator que pode virar o jogo”, crê o investigador.
“Estas comunidades podem ser desoladas, mas têm uma identidade única e muito própria, o que por si só representa um diamante, mas que está por lapidar, e os habitantes por vezes não se apercebem do seu valor, não o preservam, e as entidades e o poder local também não lhes dão relevo devidamente”, diz.
O objetivo com o nascimento do ADIC passou por “criar um modelo de preservação, envolvendo sempre a comunidade, que fosse replicável em rede e que pudesse ser implementado em aldeias cuja identidade pode estar em risco, se não se perdeu já”.
“Esta identidade está fixada, existe e está acessível ao mundo através do meio digital, então passa a existir e consegue-se aspirar inverter o decaimento demográfico por essa via, porque pessoas que venham de outros países da Europa e que procurem um retiro para gozar a sua reforma ou velhice, quando vai pesquisar, valoriza muito mais estas aldeias com identidade anunciada e promovida, sendo estas a saltar-lhe à vista. Neste último ano não só portugueses vindos de outros pontos do país se começam a fixar na nossa aldeia, como recentemente soube que há famílias sul africanas que estão a pensar ali fixar-se sem terem qualquer ligação ou raiz à freguesia”, deu conta.
O Arquivo Digital serve assim para dar visibilidade à freguesia e todas as suas localidades, atraindo atenções para a sua mais-valia enquanto comunidade e lugar, e aspira a “criar condições para que haja fixação de patrimónios imateriais e materiais, tentando envolver os locais, e mesmo aqueles que estão na diáspora, podem rever-se e criar pontes com as suas raízes”.

Passados cinco anos e com cadência na organização de atividades e lançamento de projetos, o sucesso alcançado significa “ver que o nosso trabalho ao longo destes anos serve para alguma coisa, e que acima de tudo o espírito para continuar está cada vez mais motivado, e as pessoas começam a perceber qual a razão de ser de, numa pequena aldeia onde nada acontece de positivo durante as últimas cinco décadas, existir este tipo de iniciativa”.
“A nossa identidade histórica é a nossa mais-valia para podermos superar esta vaga demográfica que nos tem dizimado”
Os contribuidores do ADIC agem enquanto “facilitadores do acesso à cultura, à identidade e ao património”, e daí existir uma parceria com a Torre do Tombo, e ligação à Rede Portuguesa de Arquivos através do Arquivo Distrital de Portalegre.
Ricardo Branco crê que o trabalho desenvolvido assenta no conceito de Nova História, em que autores como Peter Burke reconhecem que “tudo tem História, tudo tem a sua história, até o mais remoto lugar e o acontecimento mais inesperado (…) tudo tem um passado, e tendo esse passado pode ser construído e correlacionado”.
Fazendo o enquadramento do ADIC na freguesia de Comenda, referiu-se a “uma comunidade numa zona bastante deprimida, isolada, ultra-periférica, com uma desertificação acentuada, com um nível de densidade populacional de -10 habitantes por quilómetro quadrado”, tornando-se imperativo intervir pela “muita cultura e muitas tradições para serem recuperadas antes que estas regiões deprimidas se esvaiam”.
O que move este trabalho de “coligir legados individuais e privados de famílias, pessoas, entidades” é essencialmente o sentimento de pertença e os laços comunitários.
“Perguntarmos a nós mesmos se seremos capazes de reconstruir essa nova História; pegar nesses fragmentos que restaram e tentar interpretá-los, coligi-los, classificá-los, juntá-los, e perceber quais são as interações entre eles como se fôssemos um grupo de arqueólogos a fazer essa reconstituição da História. A nossa missão e visão para o projeto centrou-se aqui”, reconhece Ricardo Branco, sublinhando que o contributo do ADIC é baseado em filantropia e pro bono, sem qualquer finalidade lucrativa, e dirigido às pessoas.

Comenda é “uma pequena aldeia que tem História industrial, História que remonta ao século XVI do que está documentado, mas que é cercada por polos com grande carga histórica como Belver, como o Crato, Nisa, Amieira do Tejo, e que por si só representam um quadrângulo em que este caso de estudo está no centro, e esses polos têm a sua História bastante bem documentada e têm pergaminhos”, aludiu.
Neste aspecto, o Arquivo Digital começou por “abrir uma caixa de Pandora” e iniciar “um trabalho infindável”.
“Quanto mais pequenas são as comunidades, quanto mais minguadas, mais dificuldades têm de desenvolver as suas sinergias e a sua coesão social. Tornam-se mais fragmentadas por questão de sobrevivência e isso obriga as pessoas a ficarem mais fechadas dentro de si”
E é aqui que o ADIC assume não ter fronteiras, indo mais além para dinamizar e valorizar o trabalho desenvolvido. “Podíamos ajudar a cimentar essa identidade, mas essa identidade teria que ter eco fora. Foi um objetivo, desde a primeira hora, dar a conhecer este trabalho, quer através das várias iniciativas até de âmbito europeu, os programas dos Dias Internacionais dos Sítios e Monumentos. Em cinco anos, fizemos cerca de 40 iniciativas, e o erário público investiu 1400 euros em cinco anos neste projeto”, salienta.
Quanto à “questão fundamental”, diz, “nunca é a questão financeira”, podendo até ser “a mais prática, mas não é a questão central”.
O importante e nuclear reside em “sabermos se temos as pessoas certas, a vontade necessária e as competências para fazer determinado trabalho. Um arquivo não se faz com incompetência, não é possível”.
“Para muitas pessoas não é compreensível, como é que eu tenho um espólio de fotografias que são minhas, e que vão aparecer no arquivo, cedidas por outras pessoas e qual é a minha quota de responsabilidade nessas fotografias. As pessoas não entendem, por exemplo, a questão dos direitos autorais. É necessário que as pessoas sintam essa confiança, mas é necessário também que percebam o mecanismo”, reforça.
E nisto, passa a explicar o processo. “Uma pessoa que queira depositar fotografias ou documentos tem que dar consentimento para que possam ser arquivados. Uma pessoa que peça fotografias ao arquivo, o arquivo tem obrigação, por via do protocolo que assinou, de pedir aos donos dos documentos autorização para as ceder. Daí que é muito raro, quase inédito, o arquivo partilhar fotografias antigas, de famílias, de casas, no Facebook. Porque as fotografias que podem ser partilhadas são as que já estão publicadas com autorização. Caso das duzentas fotos publicadas no livro “Comenda com Gente”, em que os legítimos proprietários autorizaram a publicação”.

Hoje, são mais de 200 os beneficiários e colaboradores que entregaram voluntariamente os seus espólios ou parte deles ao Arquivo Digital e Imaterial de Comenda.
Durante a conversa na videoconferência, mas também em entrevista ao nosso jornal, Ricardo Branco falou na dificuldade da organização destes arquivos, e na dificuldade de promoção de iniciativas, dando exemplo de uma exposição que foi montada em 2019 com apoio do Arquivo Distrital de Portalegre. “Está montada, está paga, e foi disponibilizada à Junta de freguesia de Comenda na altura, e está pronta até hoje, para ser mostrada na Comenda (…) Essa exposição nunca foi possível montar na freguesia porque nunca houve vontade política – ou de outra natureza – para a trazer. Está montada, é só arranjar um transportador, pagar um seguro para acautelar os bens e montar. Há questões que nos transcendem e que não conseguimos ultrapassar, e que não têm nada a ver com dinheiro”, afiança.
Quanto a esta situação, referiu que naquele primeiro ano se colocavam questões burocráticas, mas atualmente essa questão está ultrapassada. “Não é uma questão de proximidade com as entidades, é uma questão de legítimo desinteresse pela área cultural e o património nestes locais; continua a ser o patinho feio. Os responsáveis políticos não veem isto como importante”.
Ricardo Branco recorda ainda que uma das grandes iniciativas promovidas pelo ADIC (Arquivo Digital e Imaterial de Comenda) são os Encontros de Cultura do Alto Alentejo, cuja primeira edição ocorreu em 2020, durante a pandemia e por isso com muitas restrições. Este evento estava programado para ser bienal, mas não pôde ser realizado em 2022 por não ter sido cedido o Salão Paroquial de Comenda, onde foram realizados os primeiros encontros. “Demonstra um certo desinteresse – é a minha intuição (…) Não se percebe como é que um trabalho consegue pela primeira vez atingir este impacto, em poucos anos, não merece o reconhecimento mínimo das entidades competentes locais. Isto é uma falta de visão que revela uma ausência total de estratégia para a cultura, a médio/longo prazo, e onde é tudo feito na base do copy-paste“, criticou.

O ADIC, assume, é “uma entidade apartidária que faz pela cultura aquilo que nem a Câmara tem capacidade de fazer, com 1400 euros, sem que as entidades locais tenham dado um único tostão, e com esse valor destinado a 40 iniciativas, todas destinadas à comunidade e à região”.
“O Arquivo Digital foi integrado no Clube Castelanense por estar constituído formalmente como associação cultural sem fins lucrativos, e assim se ultrapassaram barreiras colocadas sistematicamente. Desde o ano passado isso desapareceu. Neste momento, o Arquivo já pode receber e já pode fazer todas as formalidades legais junto da Autoridade Tributária”, justificou.
“Damos o nosso parco tempo livre, eu e as pessoas associadas que apenas encabeço, como promotor da ideia e atualmente curador. Somos contribuintes líquidos ativos a favor da junta de freguesia, porque deixámos um crédito de 500 euros a favor da junta, e ficamos orgulhosos por isso, porque queremos que o nosso contributo seja o maior possível para ultrapassar o problema que está na base da nossa missão, que é criar condições para que a comunidade seja reconhecida e seja atrativa do ponto de vista cultural e patrimonial, para resolver a falta de de pessoas”, explicou Ricardo Branco, frisando que “sem história, sem memória, sem passado, o lugar deixa de ter razão de existir”.
Além dos trabalhos editoriais, em revistas e livros publicados, apresentações públicas, organização de eventos culturais, encontros de cultura, conferências e visitas guiadas, iniciativas ambientais, exposições, entrevistas nos meios de comunicação social, os membros do Arquivo Digital têm feito participação cívica em matérias de interesse público, caso da participação na consulta pública sobre a instalação de central fotovoltaica na Comenda, pois “tem implicação direta no território, com destruição de património ambiental e arqueológico”. O ADIC promove em média 6 a 8 eventos por ano, desde 2018.
Referiu-se o curador ao exemplo de uma pequena aldeia que está a transpor o território local para o país inteiro, havendo contactos individuais ou institucionais no sentido de procurar auxílio na conservação e catalogação de documentos e património. Vários projetos estão a ser pensados para o futuro, com orientação e colaboração do Instituto Politécnico de Tomar, por exemplo.
Na videoconferência, Ricardo Branco deixou agradecimento “às entidades locais, dentro da sua consciência para a cultura, que é muito reduzida por vezes, e à sua maneira, quer discordemos, quer concordemos, a maioria das vezes discordamos, também de alguma forma nos deram algum contributo. À Câmara Municipal, à Junta de freguesia e ao Orfeão da Comenda com quem temos valorizado essa partilha, são organizações locais com quem podemos aprender mutuamente, e aos vários patrocinadores privados que têm apoiado a iniciativa e sem os quais seria muito difícil”.
Entre as diversas iniciativas surge, em cooperação com o Clube Castelanense, o lançamento da iniciativa para envolver a população da Comenda na criação de uma comunidade de energia renovável (CER), em alternativa ao projeto de instalação da central solar do Polvorão, e criando mais-valia em jeito de sustentabilidade energética e ambiental no território, produzindo energia limpa e trazendo ganhos à comunidade.
Acontece que o projeto, inicialmente apresentado em conjunto com a empresa CleanWatts, está ainda aberto a outras propostas de outras empresas, encontrando-se a avaliar qual o modelo mais vantajoso e que melhor se enquadra na freguesia de Comenda.

“O processo está em andamento, e encontramo-nos a explorar outras alternativas”, notou Ricardo Branco, indicando que foi firmado compromisso por escrito pela população que quis aderir, por via de preenchimento de declarações de interesse.
Atualmente existem 20 potenciais produtores-consumidores disponíveis e comprometidos a integrar a CER, representando 20 casas a produzir energia, tendo já todos cedido dados e documentos para avançar com o processo de licenciamento quando seja necessário ser instruído.
“Nós somos capazes de produzir o equivalente a um terço das habitações da freguesia de Comenda, no caso de Comenda e Vale da Feiteira. A Comunidade vai ter cerca de 80-100 participantes, sendo que destes só 20 serão produtores-consumidores e os restantes serão consumidores”, indicou.
Esta iniciativa “visa fortalecer a resiliência da população”, pois é entendimento da associação local “que era nossa obrigação dar um contributo não só na consulta pública do projeto, apontando os graves impactos no território, ambiente e património, bem como enumerando uma série de contrapartidas que seriam importantes cumprir enquanto medidas compensatórias e de mitigação”.
Durante o encontro digital, de comemoração simbólica da efeméride, algumas questões estiveram na base da reflexão e partilha entre os participantes. “O que temos aprendido, em que dimensões, qual o propósito e qual o feedback desse trabalho? Quais os caminhos que melhor apontam para seguir em frente nos próximos anos?”, questionou Ricardo Branco.
Ana do Carmo, em representação da equipa do Mestrado em Design Editorial do IPT que esteve na orientação da obra “Comenda Com Gente – Fotobiografia de uma aldeia alentejana” , relevou a importância do envolvimento académico e dos estudantes, considerando ser importante a proximidade com a comunidade e com a possibilidade de realizar projetos reais, “foi um dos projetos de muito sucesso do nosso mestrado”.
Louvou as iniciativas que permitem a criação destes projetos, deixando o desafio para que novas experiências possam surgir em parceria com a academia. “Estas iniciativas têm que ser trabalhadas em conjunto”, defendeu.
Já Ema Pires, docente da Universidade de Évora, falou a partir de Goiânia (Brasil). Com raízes em Monte da Pedra (Crato), lembrou que corria o ano 2019 quando cruzou com o Arquivo Digital e Imaterial de Comenda. Na altura foi convidada por uma revista internacional a publicar uma recensão crítica à obra de Jorge Branco, “Comenda com Gente – Fotobiografia de uma aldeia alentejana”, situação que lhe suscitou bastante interesse. A docente referiu ter ligação à região do Médio Tejo, além do concelho do Crato, no Alto Alentejo, e que foi a partir da exploração do livro publicado por via do Arquivo Digital de Comenda que contactou com o trabalho desenvolvido.

“O livro cruza-se com a minha história familiar, porque as biografias resultam de 39 entrevistas, e foram etnografados quotidianos invisíveis em muitos outros trabalhos de História, de Antropologia e Etnografia. Algumas das pessoas ali representadas são pessoas da minha família, desde o Júlio que tocava acordeão nos bailes de Castelo Cernado, outras pessoas cruzam a vida deste território no qual também me inscrevo”, mencionou.
Relevou que a este ponto é possível “autoavaliar aquilo que já foi conseguido em cinco anos, e um output disso é que a partir de Madrid, pessoas desconhecidas de todos nós, enviaram o livro publicado em 2018 para que ele fosse dado a conhecer a um público maior a partir do sul da Europa e como exemplo inspirador para o acontece noutras geografias”.
“É muito inspirador e muito bonito ver o que se consegue fazer a partir de um território de tão baixa densidade, como é o norte alentejano, o distrito de Portalegre, com todos os desafios em termos de saúde pública, transportes públicos, direito à cultura e ao lazer. A mobilização de pessoas, recursos e construção de rede que tem sido feita é muito inspirador”, frisou.
A professora, atualmente a dar aulas na Universidade Federal de Goiás, assumiu também existir interesse em conhecer as metodologias utilizadas no Arquivo Digital pela rede de pessoas que estão a colaborar, e aprenderem uns com os outros. “Lanço o desafio que outros encontros deste tipo possam acontecer, eventualmente alargando a experiência já consolidada a outros públicos e buscando outras fontes de financiamento para candidatar a projetos futuros, nacionais ou internacionais, para continuação dos trabalhos”, desafiou.
Na videoconferência também marcou presença Jorge Monteiro, presidente da Assembleia Geral do Clube Castelanense, e disse não haver dúvida que valeu a pena avançar com o projeto do Arquivo Digital e Imaterial da Comenda (ADIC). Lembrou a sua vida no território, os tempos de instrução primária e as férias passadas na Comenda, referindo que da informação disponibilizada pelo Arquivo “havia coisas que nem conhecia” e que se trata de “um disponibilizar de uma informação muito, muito preciosa”, reconheceu.

Já a nível do impacto que teve, assumiu que gostaria que chegasse a mais habitantes da Comenda, incluindo aos que não têm tanta facilidade no acesso à informação. Por isso, recomendou que se pensasse na ideia “de alargar um pouco mais a possibilidade de outras pessoas terem acesso à informação”.
Quanto aos desafios, entende que há sempre algo novo que pode procurar fazer-se e que se deverá pensar “outras áreas” onde marcar a diferença, até com base na obra de Jorge Branco e da recolha de dados e entrevistas feitas nesse âmbito.
Em termos de parcerias, defende que devem envolver-se as entidades oficiais do concelho no Arquivo Digital e no Clube Castelanense, mencionando que seria bom para todos que se aproximassem. “Que houvesse um quebrar de algum gelo que me parece que tem existido e alguma desconfiança que tem existido. Há que trabalhar muito este aspecto”, aludiu.
A moderadora e associada do ADIC, Júlia Pedro, reconheceu que este tema deve interessar a todos, e que o peso da opinião e intervenção dos responsáveis pode ser benéfico para a atividade do Arquivo Digital e do Clube Castelanense.
Por seu turno, Rui Pires apresentou o seu projeto Por Este Rio Acima, que considera “o irmão mais novo” do Arquivo Digital e Imaterial, promovendo iniciativas conjuntas ou participando noutras em conjunto. Este projeto relacionado com a defesa do rio Tejo e do património e comunidades que o envolvem, refere o promotor que se inspirou também no trabalho que o Arquivo Digital de Comenda começou a desenvolver.
Mencionou que é necessário fazer a diferença e tomar iniciativa neste tipo de territórios, referindo que as iniciativas são exemplos de “quebra de gelo”.
Já de Abrantes, do Centro de Estudos de História Local (CEHLA) responsável pela publicação da revista de História Local Zahara, o coordenador e historiador José Martinho Gaspar notou o trabalho desenvolvido no território do Médio Tejo, mas também nos concelhos vizinhos, nomeadamente Gavião.
E foi precisamente aí que existiram contactos com Jorge Branco e Ricardo Branco, a partir da publicação do livro “Comenda com Gente”.
Relevou que “quem faz o património e os arquivos são verdadeiramente as pessoas”, e que o Arquivo Digital e Imaterial já publicou diversos artigos na revista Zahara, nomeadamente sobre a importância dos arquivos na era digital, além de outro assinado por Jorge Branco e a incidir sobre as práticas de higiene nos anos 60 no norte alentejano, e ainda a reativação do Clube Castelanense que é contada no último número publicado da Zahara.

“Para além do papel fundamental que os arquivos acabam por ter, esta ideia de criar algo, de produzirmos conhecimento e não nos limitarmos a replicar ou reproduzir, ou a arquivar conhecimento”, salientou.
Na mesma medida, indicou a importância de mostrar às pessoas que o património imaterial que guardam e trazem consigo tem relevância histórica e permite que exista um futuro. “Se não tivermos esta memória, perdemos noção do futuro”, afirmou o também docente de História.
Durante a conversa, foram apontados outros projetos, noutros concelhos, caso do Arquivo da Memória em Sardoal, e por outro lado, que se crê que podem os contactos em rede permitir o desenvolvimento de novos projetos congéneres, nomeadamente que evoluam no plano digital. Caso do repositório digital de âmbito municipal, alocado ao Arquivo Municipal Eduardo Campos, de Abrantes, que foi lançado recentemente e que pode vir a ganhar outra dinâmica.
“Vale a pena todos os dias, vale a pena sempre que nós percebemos que damos mais um passo e que damos um contributo. Percebemos também muitas vezes que este trabalho não chega a toda a gente, não é um trabalho de massas, e em que fazemos muitas vezes pesca à linha, em que pescamos o nosso público. Mas quando nós o sentimos satisfeito (…) sentem-se motivados e interessados por aquilo que fazemos”, disse José Martinho Gaspar.
Em termos de desafios que se colocam, destacou o envolvimento dos jovens e deu exemplo da dificuldade do CEHLA em renovar os membros e contributos. “É difícil envolvermos os jovens. Às vezes conseguimos fazê-lo mas muitas vezes porque é um trabalho voluntário e eles participam durante um ano, mas depois acabam por se afastar por um motivo qualquer. É difícil manter a cadência e trabalho continuado dos jovens”.
Quanto ao apoio das entidades competentes, foi frontal. “É necessário que as autoridades locais não pensem porque nos dão um pequeno apoio que isso é suficiente. É preciso que percebam aquilo que estamos a fazer e é fundamental também para eles que trabalhem connosco. Esse diálogo deve ser cada vez mais fortuito, e muitas vezes não o é (…) Esta ideia de funcionarmos como território, de nos ajudarmos uns aos outros, de participarmos em projetos comuns e de continuarmos empenhadamente”, concluiu.
Seguindo a roda de contributos, Ana Santos disse ter tido contacto com o Arquivo da Comenda há um ano, por via do Arquivo Distrital de Portalegre, que muito utiliza em contexto académico. Investigadora do Centro de História da Universidade de Lisboa mas integra também o grupo de trabalho que está a montar o Mosteiro de Odivelas, onde está D. Diniz, no qual está a ser montado um Centro de documentação, e estando ligada à investigação das duas partes.

Fez mestrado em História Regional e Local sobre as comendas de Nisa, Montalvão, Alpalhão e Arez, em concreto as templárias. E no doutoramento estudou a região de São Mamede, no distrito de Portalegre, no sentido mais abrangente. “Foi numa dessas incursões ao Arquivo Distrital que me deparei com o Arquivo Digital da Comenda”, assumiu, referindo-se à importância do envolvimento com a comunidade e relação com os autores e os arquivistas.
“É preciso coragem para fazer isto; mas o primeiro pensamento quando dei com os documentos do Arquivo da Comenda, pensei para mim o que estará a falhar no Arquivo Municipal [de Gavião] para haver necessidade de ter que haver uma iniciativa das próprias pessoas. Porque normalmente a salvaguarda deste espólio documental e fotográfico deveria também, no geral, ser acautelado pelas entidades e autarquias locais e depois, em segundo instância, pelo Arquivo Distrital. Acho que a articulação com o Arquivo Distrital foi o ponto forte deste projeto, porque foi feito de forma eficiente e correta. Toda esta preservação de material tem que obedecer a uma organização com regras específicas, e que têm que ser salvaguardadas, caso dos direitos de autor, as cedências de material,…”, apontou.
Ana Santos deixou a mensagem de que “se as pessoas forem envolvidas, a memória não se perde” e que a chave passa por replicar boas práticas e trocas de experiências.
“A Comenda foi pioneira nesta ideia, que realmente funcionou. Acho que devia haver também mais ligação com outras freguesias, porque há sempre pessoas noutras freguesias interessadas em fazer isto. A ideia foi boa, mas não passava disso se não fosse concretizada, e foram ter com os parceiros certos. E esses fazem milagres”, reconheceu.
E Júlia Pedro, residente em Vale da Feiteira, frisou a importância da memória, dizendo ter voltado às raízes após trabalhar por todo o mundo, tendo comprado uma casa de família na freguesia de Comenda. O pai e toda a sua família paterna era daquela terra.
Diz trabalhar a partir da sua aldeia, onde agora reside, e trazer muita gente do estrangeiro à freguesia do norte alentejano, que também leva orgulhosamente consigo quando viaja pelo mundo.
Estabeleceu uma pequena biblioteca pública na aldeia, baseando-se num projeto dos EUA, e Ricardo Branco foi um dos primeiros contribuidores. Após isso, descobriu que o Arquivo Digital detinha uma fotografia original do seu pai e ficou sensibilizada e orgulhosa com esse facto.

“Deu-me a possibilidade de, sendo uma pessoa da terra, conhecer gente maravilhosa, pessoas que não são só daqui, mas que de alguma forma têm raízes aqui e que têm feito um trabalho espetacular para preservar este património, a memória das famílias, as histórias que se contam. É com muito orgulho que digo que moro numa aldeia com 80 pessoas”, disse, parabenizando o Arquivo pelo 5º aniversário e manifestando disponibilidade para ajudar no que seja necessário.
Em jeito de balanço desta marca temporal, o curador Ricardo Branco está convencido que “os resultados alcançados nestes primeiros cinco anos não só dão ânimo para continuar, como perspetivam que os próximos cinco possam ser ainda mais exigentes e interessantes do ponto de vista académico e social, para alcançar objetivos que possam mitigar e servir de motivação e exemplo de como se revolve um problema que durante as últimas décadas não foi resolvido”.
A próxima atividade será dia 10 de junho, com o II Encontro-Convívio dos Beneficiários do Arquivo Digital, Associados do Clube Castelanense e demais amigos da Freguesia de Comenda, decorrendo o almoço anual de confraternização, para o qual é necessário inscrição prévia.
Também em setembro está previsto arrancar, no dia 2, um novo projeto, com a primeira edição das ADdicTED Talks, onde deverá ser lançada a 6ª obra de autoria de Jorge Branco, no âmbito das Jornadas Europeias do Património.