De importância inquestionável, o Aqueduto do Convento de Cristo é um dos icónicos monumentos da cidade de Tomar. No entanto, a construção que levou água potável até à Cerca Conventual e, mais tarde, ao Convento, reflete agora um cenário de avançado estado de degradação e abandono. Embora mantenha um traçado consolidado e uma edificação íntegra, os danos são notórios nos troços superiores, situados entre nascentes, tomados pela vegetação e degradados pela ação humana.
Abandonado ao seu destino, foi para reescrever uma nova história que surgiu, em 2014, o Grupo de Amigos do Convento de Cristo que se dedica, de forma voluntária, à conservação e divulgação da estrutura. Rui Ferreira é um dos milhares de membros que, sempre que possível, se dedica ao corte da vegetação envolvente e se mantém atento aos atos de vandalismo que marcam a atualidade e o estado do edifício.
Além de uma visão da atual situação do Aqueduto do Convento de Cristo, o mediotejo.net partiu numa viagem ao passado e à história da construção. Acompanhados por Rui Ferreira, o nosso jornal visitou o espaço, as casas de decantação da água e uma das nascentes que abastecia a estrutura, conhecida como a Nascente da Porta de Ferro.
Vídeo/Reportagem
Foi no ano de 1593 que começaram a ser dados os primeiros passos para a construção do Aqueduto do Convento de Cristo situado na cidade tomarense. Construído com a finalidade de abastecer água ao Convento, o aqueduto é uma obra do reinado de Filipe I de Portugal, realizada sob a direção de Filipe Terzio (arquiteto-mor do reino).
Embora a história o apresente como o Aqueduto do Convento de Cristo, esta grandiosa obra de engenharia hidráulica é também comumente reconhecida como Aqueduto dos Pegões, devido ao seu traçado monumental presente no vale dos Pegões. A obra está classificada pelo IGESPAR como Monumento Nacional desde 1910.
Ainda que a sua construção se tenha iniciado no século XVI, mais precisamente em 1593, só 20 anos depois é que o monumento viria o seu canal ser atravessado pela água que seria transportada até ao Convento de Cristo e, assim, permitiria satisfazer as necessidades dos frades. A conclusão da construção da obra foi assinalada em 1619 com a fonte do Claustro Principal, atribuída a Pedro Fernandes Torres.
A água proveniente de quatro nascentes diferentes atravessava as freguesias de Carregueiros e a União de Freguesias de São João Batista e Santa Maria dos Olivais e permitiu o abastecimento de água da Cerca Conventual até meados do século XX, durante mais de 330 anos.
Com uma extensão de cerca de 6 km, a construção conta com 58 arcos de volta inteira, na sua parte mais elevada, sobre 16 arcos ogivais apoiados em pilares. Com uma altura máxima de 30 metros, este imponente monumento apresenta, nos extremos, casas abobadadas destinadas à manutenção da qualidade da água contando, para isso, com uma larga pia no centro destinada à decantação da água.
Entrevistámos Rui Ferreira, do Grupo de Amigos do Convento de Cristo:
A construção do Aqueduto dos Pegões remonta a que período histórico?
O aqueduto surgiu na sequência da subida ao poder da Dinastia Filipina, neste caso de Filipe I de Portugal, que teve a sua aclamação no ano de 1581, no Convento de Cristo. Foi aclamado e jurado Rei de Portugal em Tomar (…). Portanto, 1581 é uma data fulcral para perceber o Aqueduto. Com a subida à coroa de Filipe I de Portugal, Filipe II de Espanha, ele tornou-se concomitantemente o governador da Ordem de Cristo, isso fazia parte das atribuições dos monarcas. Nessa perspetiva, deverá ter sido sensível aos anseios e às necessidades do Convento de Cristo, do frade que mandava no Convento e que lhe terá transmitido a preocupação de que a água que havia no convento é aquela que sempre existiu: a água da chuva, recolhida em cisternas e poços, alguns já do século XII, da época templária.
Que necessidades é que se procuraram satisfazer com a construção deste histórico monumento?
Mas a água fazia falta. Fazia falta para a agricultura, para a higiene, para o próprio lazer das pessoas e para a frescura dos locais (…). A necessidade deste aqueduto foi feita sentir, não só para o Convento, mas também para outra parte conventual (…) que fez parte e que é a cerca conventual: aquilo que hoje chamamos a Mata dos Sete Montes. A Mata dos Sete Montes corresponde a 40 hectares de terreno florestal, agrário, que fazia parte do perímetro de clausura do Convento. Os frades não podiam sair nem de dentro do Convento, nem destes 40 hectares. Era uma prisão, por assim dizer, bastante vasta.

No que respeita ao abastecimento hidráulico do conjunto monumental do Convento de Cristo é possível apontar duas realidades temporais distintas: uma anterior à construção do Aqueduto e o período que se seguiu à sua conclusão.
Até à sua construção, o abastecimento de água da Cerca Conventual e do Convento de Cristo assentava na acumulação e no aproveitamento das águas pluviais, águas essas que eram armazenadas nas cisternas existentes e que não possuíam mecanismos de filtração das impurezas, não sendo possível, por isso, garantir a qualidade e a potabilidade da água.
Embora as cisternas do convento joanino fossem suficientes para as necessidades dos frades, a água revelava-se insuficiente para o cultivo das terras da cerca conventual. Foi ao tornar-se Mestre da Ordem de Cristo que Filipe I de Portugal encomendou a Filipe Terzi a construção de um aqueduto que dotasse abundantemente de água o convento e as terras da Cerca Conventual, hoje conhecida como a Mata dos Sete Montes.
Concluída a construção do Aqueduto no século XVII, revolucionou-se o acesso à água no interior e no exterior do Convento permitindo, dessa forma, redefinir os conceitos de água portável da época. O Convento de Cristo passou a dispor de água totalmente potável, uma vez que esta era trazida, a partir das nascentes até ao Convento, em conduta, toda ela coberta de lajes de pedra.
Fonte: Convento de Cristo
Quando é que começaram a ser dados os primeiros passos na construção do Aqueduto dos Pegões?
Construir um aqueduto com quase 7km foi uma ideia que veio a ser concretizada em 1593, quase no final do século XVI, ainda com Filipe I. Em 1593 deram-se os primeiros passos para a construção de um aqueduto que levasse água algures ao convento e o que sabemos é que, 20 anos depois, a água estava a chegar não ao convento, mas à cerca conventual, a um vasto tanque, designado Tanque da Cadeira d’el-Rei. Um ano depois, a água chegaria ao Convento, a um fontanário que está situado no meio do Claustro Principal ou no Claustro dos Filipes, como também se chama. Para fazer o quê? Para fazer o som da água, que é tão relaxante e que todas as pessoas adoram (…). A água a cair sobre a própria água é uma situação que mentalmente relaxa as pessoas, além disso, refresca os locais.
Pensado para aumentar a qualidade de vida daqueles a quem servia, o Aqueduto tem pelo seu percurso alguns mecanismos para garantir a qualidade da água. De que forma é que funciona o processo?
A ideia ou a fundação do Aqueduto foi, como eu disse atrás, a de contribuir para a qualidade de vida dos frades da Ordem de Cristo. Esta é, em pormenores muito pequenos, a história do edifício que levou cerca de 20 anos a fazer, tem cerca de 7km e traz água de quatro nascentes. Primeiramente era só de uma, mas depois foi reforçado e tem, pelo seu caminho, uma série de equipamentos que garantiam que a qualidade da água fosse a melhor. Uma dessas funções é a decantação. A água provém do subsolo, vem com impurezas, areias ou pequenas poeiras e precisa de uns tanques de decantação, tal como aquele que está no chão do edifício onde nos encontramos, aqui no chamado Aqueduto dos Pegões, porque este vale é designado de Vale dos Pegões. O Aqueduto do Convento de Cristo tem um troço, mais monumental, no lugar de Pegões e por isso, chamamos-lhe erradamente o aqueduto dos Pegões.
Voltando aqui à chamada casa da água, que não é uma nascente, mas sim uma casa de decantação. Porquê? Porque no meio tem um pequeno tanque, a que a água chega na parte de cima e também sai da parte de cima. Resultado: todas as poeiras ou areias que possam vir, vão para o fundo deste tanque e são regularmente limpas. Esta casa é grande demais para vir aqui apenas limpar o tanque e por isso servia, também, para lazer. O descanso que nestes bancos se pode ter, junto com o barulho da água a correr, é relaxante ou na altura deveria ser considerado relaxante. Para alguns de nós ainda o pode ser. Portanto, é uma casa de fresco, não só porque está a correr água, porque o barulho da água é relaxante e porque também tem umas paredes grossas que permitem que, mesmo num dia de calor, haja algum conforto no interior.
“O Aqueduto do Convento de Cristo tem um troço, mais monumental, no lugar de Pegões e por isso, chamamos-lhe erradamente o aqueduto dos Pegões”.
Rui Ferreira
Para além desta casa de decantação existem mais mecanismos ao longo destes 7 quilómetros de construção?
Esta é a maior das casas de água de decantação, existe outra mais pequena a norte e existem outros mecanismos de decantação pelo comprimento do Aqueduto. Além disso, a contribuir também para a qualidade da água, relembrar que, ao contrário do que hoje se tem noção, o aqueduto não tinha o canal onde a água transita descoberto. Era todo tapado com uma laje por cima para que os animais, as poeiras e as folhas não fossem facilmente para dentro do trajeto da água. Isto fazia com que, desde as nascentes até à sua utilização, a água fosse quase garantidamente de qualidade, potável pelo menos, ainda que os conceitos de potabilidade no século XVI não fossem os mesmos de hoje.
Existem apontamentos que identifiquem a introdução posterior de algum mecanismo ao edifício?
Tudo o que chegou até nós são situações que reportamos que tenham sido da obra original, que foi também faseada. Não há nenhuma introdução moderna e moderna seja do século XVIII, XIX ou dos nossos dias. Não conhecemos nenhuma introdução moderna para que garantir a qualidade da água que correu até ao Convento e à Cerca Conventual até cerca da década de 80 do século passado. Portanto, não existe nada disso.
Não só pela dimensão da estrutura mas também pelos materiais envolvidos na construção, esta terá sido uma obra de grande complexidade para a época…
Estas lajes, juntamente com toda a estrutura do Aqueduto e aqui relembro que no vale dos Pegões é, de algum modo monumental, foram necessárias obras de monta, empreitadas sucessivas e os estaleiros de obra foram-se sucedendo ao longo destes 7km. Portanto, o transporte dos materiais tinha uma logística complicada e sabemos que havia fornos de cal ao longo do trajeto. Foi uma empreitada complexa e por isso é que demorou também 20 anos a acabar esta obra.
Filipe I não assistiu ao fim da obra. Foi o seu filho, o Filipe II, (…) quem pode celebrar o fim da obra e celebrou-o quando o aqueduto chegou à Cerca Conventual. No muro exterior a esta cerca, mandou colocar uma placa que em latim, diz uma coisa mais ou menos deste género: “bom, foi preciso virem uns monarcas de jeito fazer o que tantos homens valentes nunca conseguiram”, referindo-se aos anteriores reis de Portugal. De algum modo, aquela pequena placa está francamente a gabar-se daquilo que Filipe I e Filipe II conseguiram fazer, que foi levar água à Cerca Conventual e ao Convento.
Referiu que no passado o canal por onde corria a água no Aqueduto se encontrava coberto por lajes. O que é que levou ao estado de degradação e à falta de lajes que observamos atualmente?
O facto de não haver já a maior parte das lajes que cobrem o canal do Aqueduto (…) corresponde a uma negligência e a um vandalismo que começou já há muitos anos. Mas a modernidade e o facto de as pessoas terem veículos e poderem transportar peças com algum peso, mais facilmente terá contribuído. A maior parte do atual estado de degradação do Aqueduto, nomeadamente a falta de peças, a falta de grades, a falta de lajes, tem a ver com o vandalismo, com o furto e com uma negligência também. Mas o vandalismo e a libertinagem, digamos assim, como podemos até ver nestas paredes, são o grande contribuidor para a degradação dos monumentos.
No caso deste monumento com cerca de 7km, ainda é mais grave porque não estando concentrado, tem muita dificuldade em ser vigiado e mantido. Não foi de facto uma decisão, foi um crime que se vem realizando pelo menos desde meados do século XIX, desde que a Ordem de Cristo, que era a proprietária do Aqueduto, deixou de existir e essa propriedade passou para outras entidades que depois, de uma maneira ou de outra, não tinham meios para manter a integridade do seu património.
Qual é a atual situação do Aqueduto? Estão a ser pensadas intervenções com vista à preservação deste icónico património?
O problema é esse, é que para pensar é preciso haver uma cabeça. E entenda-se uma cabeça não apenas para pensar, mas sim um indivíduo ou uma entidade. O grande problema é que o Aqueduto, enquanto edifício patrimonial, é órfão, não tem uns pais que admitam a sua responsabilidade. Portanto, o Aqueduto vive de atenções… é como uma criança de rua que vive de atenções esporádicas, atenções que às vezes são tomadas por verdadeiro afeto. Entendam-se as atenções que o Grupo dos Amigos do Aqueduto lhe faz, como sejam algumas ações de limpeza, de divulgação, ou até ações que por muito pertinentes e interessantes que sejam, às vezes também são um bocado para a fotografia, para dizer que essa entidade se preocupa. Portanto, não existe uma paternidade efetiva ou uma tutela, é aqui que eu quero chegar.
Não existe uma tutela institucional efetiva sobre o Aqueduto. O dono é o Estado português, que é dono deste edifício com 7km que está degradado, tal como é dono daquelas casinhas muito giras que às vezes ficam na orla da estrada, ao pé de uma floresta, que são as casas dos guardas-florestais. Algumas estão a ser recuperadas, porque são interessantes para vender ou para alugar, mas o Aqueduto é um problema, é um filho problemático… Tem 7km e muitos problemas, alguns se calhar até irresolúveis e o mais fácil é protelar essa tutela, essa intenção de renovação e acudir apenas a casos gritantes, como seja a situação que aconteceu aqui no Vale dos Pegões que era um problema estrutural gravíssimo que poderia provocar eminentemente a queda dos arcos.
A que problemas é que esta intervenção procurou dar resposta?
A Câmara Municipal de Tomar advogou o projeto e fez uma intervenção de emergência, com vista à resolução deste problema. É por isso é que nós temos, ali mais à frente, no meio do vale, uns sapatões de betão que foram buscar sustentação bem mais fundo para que os arcos do Aqueduto que estavam, salvo erro, a 9° não inclinassem mais. A partir de X graus, digamos que o próprio peso lateral faria com que o Aqueduto caísse como um baralho de cartas aqui no Vale dos Pegões. O que é curioso é que esta intervenção, bastante onerosa até, só veio resolver um problema que foi a própria sociedade moderna que o provocou, com a abertura de uma estrada. A estrada cavou ao largo da fundação do Aqueduto, a beneficiação de um terreno agrícola também quis baixar e, de repente, aquele pilar que estava francamente enterrado na terra deixou de estar e anos mais tarde, há poucos anos, estava a cair.
Veio-se resolver um problema que também tinha sido criado pela modernidade. Portanto, tudo isto revela-nos uma coisa: é a falta de tutela… uma tutela que tivesse impedido uma estrada, que a tivesse desviado, que tivesse tido uma atenção, tal como uma tutela que hoje em dia possa permitir que este espaço esteja fechado para não ser vandalizado, ou que seja aberto e fechado a um horário específico. Uma tutela que impeça francamente que as pessoas atravessem os Pegões altos de lado a lado sem condições de segurança, às vezes até de bicicleta e uma tutela que se responsabilize, de facto, pelo estado do Aqueduto nestes 7km.
Em que é que consiste este Grupo de Amigos do Aqueduto do Convento de Cristo e que ações realiza junto do edifício?
O Grupo de Amigos, fundado por volta de 2014 tem feito aquilo que está ao seu alcance no âmbito das capacidades pessoais de cada um e também das problemáticas da própria sociedade. Relembro o covid-19 que inibiu e proibiu até a reunião de pessoas. O grupo de amigos tem feito umas limpezas da vegetação que se vai juntando ao pé da construção, tem feito ações de divulgação do monumento e dos seus pormenores, porque se continua a entender que, para que as pessoas gostem de alguma coisa, é preciso que a conheçam. Se não a conhecerem, rapidamente aquilo lhes sairá da consciência e inclusivamente da própria noção de património. Há muitas coisas que foram patrimónios interessantíssimos e que atualmente são um monte de pedras, aliás, pedras que se calhar já não estão sequer presentes no local porque são reutilizadas e é este o grande problema do Aqueduto.
As lajes quando desapareceram, entenda-se que uma laje é uma coisa relativamente fina, bem feitinha, direita… quatro lajes fazem uma mesa, dez lajes fazem o chão de uma garagem. Portanto, são coisas muito úteis e é por isso é que as pessoas as levam, não é para depois porem em casa e dizer “tenho aqui uma laje do aqueduto”. Não é para homenagear o Aqueduto que se vandaliza. O Grupo de Amigos dedica-se, dentro das suas possibilidades, a chamar a atenção e a proteger o Aqueduto. De uma maneira direta ou indireta.
Qual o futuro que gostaria de ver para o Aqueduto?
O futuro é que o Aqueduto continue ou volte a fazer aquilo para que foi programado, que é trazer água do ponto A para o ponto B. Se calhar, no futuro, vai trazer essa situação porque, lamentavelmente, a água potável cada vez faz mais falta e eu acho que se vai chegar à conclusão que vale a pena pôr o aqueduto a trabalhar, por assim dizer. Se calhar já não nos moldes anteriores, em que não havia tubos de plástico, o canal era uma pedra junto de outra pedra, com uma junta e a água tem tendência a sair por essa junta. Se calhar essa situação já será incomportável, mas utilizar o aqueduto para trazer água, num futuro não muito longínquo, se calhar vai ter de ser um desígnio em alguns locais do país e também neste. Mas lá está, o que nós [o Grupo de Amigos do Aqueduto] desejamos é o aqueduto reconhecido como património. Curiosamente, património que faz parte do Convento de Cristo e que é património mundial.
Trazer água e contribuir para o bem-estar das populações. Como são 7km e atravessa as freguesias de São João Batista e Carregueiros e, porque esta casa o prova, o Aqueduto era percorrido pelos guardas e pelos frades a ver se estava tudo bem, talvez configurar um trajeto de caminhada ao longo do seu traçado. Assim pode ser um equipamento sociocultural. Hoje em dia acho que uma de caminhada de 7km ou de 14km, não é nada que as pessoas não façam às vezes à volta das suas aldeias.
O facto de injetar pessoas desde a Freguesia de São João Batista, uma freguesia urbana, até à freguesia de Carregueiros, passando pelos Brasões, contribui também, de alguma maneira, para o engrandecimento ou para a melhoria da qualidade de vida das populações (…). Dar um novo paradigma de utilização aos espaços rurais, como no caso de Carregueiros, que não sejam só dormitórios para as pessoas que trabalham na cidade, mas que sejam espaços onde valha a pena viver.
Acompanhados por Rui Ferreira, o nosso jornal foi visitar a principal nascente que, no passado, fazia chegar a água ao Aqueduto e permitia o abastecimento de água da Cerca Conventual e do Convento de Cristo, que até então assentava na acumulação e no aproveitamento das águas pluviais.
Ao redor desta nascente natural foi construída uma estrutura em pedra, com um interior marcado por uma abóbada de berço e um engenhoso sistema de repartição de águas. Aqui, a água é depositada num tanque de decantação de planta trapezoidal, seguindo pelo canal de adução até ao convento.
A captação da água é realizada por uma mina, que descarrega para o tanque de decantação, com forma trapezoidal e 2,10 m de profundidade. Ainda no interior da casa, e embebida no pavimento, encontra-se a canalização de meia cana que transporta a água das três nascentes a montante e descarrega o fluxo também para o decantador.
Embora o espaço seja de elevada importância para a história e para o património da cidade, a estrutura encontra-se deixada ao abandono. Rui Ferreira conta que o Grupo de Amigos tem realizado algumas ações de corte da vegetação e de limpeza do tanque da nascente, no entanto, o acesso ao local encontra-se dificultado pela altura vegetação, o que coloca o espaço em risco de incêndio.
Também os atos de vandalismo, à semelhança das casas de decantação de água que visitámos, são notórios. As lajes que compõem o piso da estrutura têm sido alvo de furto, bem como a destruição da ombreira da porta que foi atirada para o interior do tanque. Situações que poderiam ser minimizadas com o encerramento ou uma maior vigia do local, aponta Rui Ferreira.
Em que é que consiste este espaço onde nos encontramos agora?
Esta casa onde nós estamos é a chamada Casa da Nascente da Porta de Ferro, porque todas as casas tinham uma porta e esta era em ferro. Trata-se da principal nascente do Aqueduto, o local por onde sai água, neste situada numa pequena encosta, com uma rocha de onde brota a água. E então o que é que se fez? Construiu-se um pavilhão por cima dessa rocha, do local de onde a água saía e fechou-se o pavilhão (…). É uma casa abobada de volta inteira e logo no interior, há logo a primeira decantação. Trata-se de um tanque mais ou menos triangular, onde se espera que venha muita areia de dentro da terra. Portanto, este tanque triangular tem uma chegada superior e uma subida superior, dado que se fosse uma saída inferior, a areia continuaria na água. Assim, garante que as primeiras areias da nascente se depositem aqui. É também uma casa de fresco, tal como nos Pegões, com o barulho da água que é interessante e tem aqui um tanque para dar trabalho às pessoas de irem, à pá ou ao balde, tirar as tais areias.
Como é que a água que nasce aqui chegava até ao Aqueduto do Convento de Cristo?
Este pavilhão da Nascente da Porta de Ferro tem ainda outra característica, é um entroncamento do aqueduto. É daqui para a frente que vai a água para o Convento de Cristo, mas é também aqui que chega a outra parte do Aqueduto, que traz água das outras nascentes. Seria normal que as outras nascentes tivessem um aqueduto que entrasse algures no aqueduto principal, mas não, entra aqui. É aqui que se faz a agulha, que se fecha uma nascente e se continua com as restantes. Havia uma gestão das águas feita aqui nesta casa. Portanto, era mais ou menos uma oficina de bombagem da água, ainda que elas não fossem bombadas. A água no aqueduto funciona toda por gravidade, presume-se que existe uma pequena inclinação sempre no traçado dos canos para que a gravidade leve a água até à Cerca Conventual e ao Convento.
Também aqui o Grupo de Amigos do Convento de Cristo tem realizado algumas ações de intervenção com vista à manutenção do espaço, não é assim?
Sim, também aqui o Grupo de Amigos já teve várias intervenções, quer a limpar a vegetação à volta, quer por cima. Esta casa não tem um telhado, tem uma abóbada de pedra e ao longo dos anos, desde que se deixou de cuidar do aqueduto, a vegetação galgou para a cobertura do edifício. Nós tivemos a oportunidade de cortar essa vegetação e por sorte, foi na véspera de um grande incêndio que andou aqui à volta. Quase de certeza que, se aquelas árvores e aquela vegetação pegassem fogo, esta abóbada teria vindo a baixo ou teria ficado bastante danificada, porque a madeira quando arde toma determinadas características que poderiam rachar ainda mais o teto. O Grupo de Amigos também já fez uma limpeza das areias que se acumulam aqui. Nunca conseguimos limpar tudo, é sempre muito trabalho andar ali no meio da água a apanhar areia húmida e a levá-la lá para fora (…). Tivemos oportunidade de fazer aquilo que seria o trabalho de um frade, talvez, ou de um auxiliar dos frades, um trabalho que tinha de ser feito com regularidade.
Quais é que são os atuais problemas com que a nascente se depara?
Está aberta ao público, está aberta a todos e também ao vandalismo. O vão da porta de ferro, uma das ombreiras, alguém teve a capacidade e o engenho de pegar na ombreira e a atirar para dentro de água, provavelmente para ouvir o “chap” da água. Portanto, existe muito vandalismo… faltam aqui lajes, tijoleiras. O vandalismo é algo diagonal a todo o Aqueduto do Convento de Cristo. O grande problema, por assim dizer, com esta nascente, é que a mina, por falta de limpeza, está assoreada. Ou seja, a areia além de estar aqui também está lá dentro, numa mina que tem pelo menos 10 metros de comprido e seria necessário limpar isso. Mas essa é uma limpeza técnica perigosa, se não for feita por peritos, com meios técnicos adequados. É neste momento talvez a maior ameaça: a falta de água. O problema não é porque ganhe areia, é que quando ganha areia a água procura outros caminhos e a rocha é como se fosse açúcar (…), vai começar a abrir fissuras cada vez maiores e a água que, da nascente chegava ao tanque, de repente pode ser interrompida e ir novamente para o subsolo. Pode procurar outros caminhos, isto é o chamado assoreamento das linhas subterrâneas, cuja resolução é um assunto técnico de alguma complexidade.
“O vandalismo é algo diagonal a todo o Aqueduto do Convento de Cristo”.
Rui Ferreira
Muito completo e muito bom artigo sobre tão importante património arquitectónico e cultural da nossa História. Obrigada pelo seu contributo numa vertente tão pouco apreciada por muitos. Foi uma lição histórica e técnica