Feira Gastronómica e Cultural de Alvega, 2018. Foto: mediotejo.net

Pelo segundo ano consecutivo, Alvega volta a não promover a Feira Gastronómica e Cultural no verão. A decisão da junta de freguesia foi publicitada em edital assinado por António Moutinho, presidente de Junta da UF Alvega e Concavada (concelho de Abrantes). Este é o evento anual que é marcado pelo envolvimento das coletividades e associações locais e pelo qual se dá o regresso dos filhos da terra à freguesia. Os argumentos do presidente de junta sobre a não realização do evento não convencem a população, que tem mostrado a público a sua indignação e descontentamento.

Refira-se que a Feira Gastronómica e Cultural, que iria para a décima nona edição em 2022 e para a vigésima em 2023 após interrupção pela pandemia, costuma realizar-se ao longo de quatro dias, no final do mês de junho, apanhando por vezes o início de julho.

No ano passado foi alegado pelo presidente de junta que seria “problemático” avançar com a organização do evento por depender de financiamento do orçamento da junta de freguesia, que só foi aprovado em sessão extraordinária de Assembleia de freguesia em agosto de 2022.

Já em sessões de Assembleia de Freguesia deste ano o presidente de junta deu a entender que o certame se iria realizar este verão, inclusive quando foi confrontado sobre o facto do orçamento conter uma verba irrisória de 100 euros alocada à realização do evento nas Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2023. Na altura justificou que bastaria realizar uma alteração orçamental.

No edital publicado a 17 de maio e assinado por António Moutinho, presidente de junta, é referido que existiu reunião a 12 de maio em que apenas três associações manifestaram disponibilidade em participar para dinamizar as tasquinhas de comes e bebes, sendo a Associação de Melhoramentos de Tubaral, Associação de Melhoramentos da Freguesia de Alvega e Clube de Caça e Pesca de Alvega e Concavada.

“Consideramos o número participativo de associações com tasquinhas insuficiente para a realização do evento”, refere-se, indicando de seguida que este facto levou à não reunião com os interessados em participar nos stands de artesanato “devido à complementaridade de ambos”.

Por outro lado, é alegado que não foi possível encontrar empresas de aluguer de stands disponíveis a preços acessíveis, e que não foram pedidos os habituais pavilhões à Junta de Freguesia de Tramagal “devido à falta de recursos humanos disponíveis para o efeito e que também punha em causa o trabalho de logística das próprias associações”.

Ainda assim, entende o presidente de junta que deve ser preparado e aprovado um regulamento que norteie a realização da Feira Gastronómica e Cultural de Alvega, “com o objetivo de podermos dar continuidade ao mesmo com a dignidade merecida”.

Também é informado que foi aprovado em reunião atribuir “um donativo monetário compensatório às associações que se inscreveram para a realização da Gastronomia (valor a ser aprovado na próxima reunião de executivo)”.

Este é um dos eventos anuais mais importantes de Alvega, sendo dinamizado pelas tasquinhas das coletividades da freguesia que aderem ao evento, bem como pelos vários stands expositores que costumam conter produtos de artesanato e manualidades, doçaria tradicional, cocktails e outros.

Costumam ser quatro dias de festa, que oferece especialidades gastronómicas, petiscos, música, artesanato e convívio, sendo que também costumam integrar a programação do certame alguns eventos de cariz desportivo e recreativo.

Mas mais importante é o estatuto de ponto de encontro da comunidade, com regresso às raízes de todos os naturais da freguesia que residem fora mas que anualmente agendam a vinda à sua terra nesta ocasião.

O descontentamento e indignação tem sido tornado público pela população local, que recorre às redes sociais para manifestar a sua tristeza e discordância com o atual executivo da junta.

Sofia Marques e a família, naturais de Alvega mas residentes na Irlanda, são um dos exemplos de quem marca férias para a altura do certame e contava, oito meses depois da última visita à sua terra, voltar a estar com os seus familiares, amigos e conterrâneos. Agora sente-se desolada e defraudada com esta decisão.

Foto: AMFA

Para Sofia este sempre foi “um fim-de-semana obrigatório para estar em Alvega”, e recorda a primeira edição desta festividade, bem como os anos em que a terra ficou “empobrecida” com a sua não realização.

Diz ser uma festa de que o povo se orgulha e onde se faz presente, trazendo pessoas amigas, colegas de trabalho ou de escola, mostrando a tradição e pratos típicos da terra.

“Somos uma família de quatro orgulhosos alveguenses, e a vinda para o estrangeiro não nos tirou isso. Todos os anos, no início do ano, compramos os bilhetes de avião para esse fim de semana. É a viagem que está sempre no calendário”, disse, referindo que tinha esperança que a festa acabaria por se realizar este ano.

“Para quem está longe é um momento de encontro. É um momento de convívio”, afirma.

Por outro lado, não deixa de mostrar tristeza pelos episódios que têm colocado Alvega e Concavada a fazer manchetes na comunicação social e a ser tema de conversa nas redes sociais.

“É muito triste assistir a toda esta instabilidade política na nossa terra. É triste ver o rumo que isto leva. Na Irlanda e na mesma cidade somos nove alveguenses, e quando nos encontramos as conversas são sempre sobre o mesmo tema: a Junta de Freguesia e o rumo que a nossa terra leva”, lamenta.

Este é um certame que promove os sabores e saberes da gastronomia local, com as associações a assegurarem as tasquinhas que fazem o deleite ao paladar das centenas de visitantes. Foto: CMA, 2015

Também Marta Fernandes não esconde o descontentamento e revolta com a suspensão do evento este ano e com a justificação dada. Presença habitual nos stands de produtos locais e artesanato disse ser com “tristeza, mas sem qualquer espanto, que li o edital partilhado pela União de Freguesias relativamente à não concretização do certame Gastronomia de Alvega”.

Marta começou a participar nos stands em 2012, vendendo produtos como licores caseiros e bijuteria, passando também pela costura criativa, e nos últimos anos inteiramente dedicada aos licores e cocktails com a marca “OHM Sabor”, já muito procurada ano após ano.

“São muitos anos de sacrifício, a conciliar trabalho, família e organização do stand, mas foram anos felizes. Tenho orgulho em dizer que, muitas vezes, fechei a festa. A gastronomia é um marco na freguesia, é a nossa festa maior”, sublinha, mencionando que desde a não realização no ano anterior que “o sentimento de perda tem sido grande, as desculpas quase as mesmas, a inércia, o desinteresse”.

Marta Fernandes critica o facto de este ano nem terem sido convocados os artesãos para reunião inicial ou para darem a sua opinião sobre a realização da iniciativa, denunciando o facto de no ano anterior ter sido excluída da convocatória. “Fico na esperança de dias melhores, dias em que não há discursos de vitimização, de procura por culpa alheia com o intuito de desviar as atenções e também de oportunismo pré-campanha anunciada”, afirma a alveguense.

No evento, da responsabilidade da União de Freguesias de Alvega e Concavada e que costuma contar com apoio do Município de Abrantes e outras entidades que o patrocinam, é hábito participarem a Associação de Melhoramentos da Freguesia de Alvega, a Banda Filarmónica Alveguense, o Clube Desportivo e Recreativo de Concavada, a Associação de Melhoramentos de Tubaral, a Associação Cultural e Recreativa de Casa Branca, Areias e Lampreia e o Clube de Caça e Pesca.

Do calendário de festividades em Alvega, resta a realização da Festa de Nossa Senhora dos Remédios em agosto, outro importante evento na freguesia cuja organização é repartida anualmente entre a Associação de Melhoramentos da Freguesia de Alvega (AMFA) e a Banda Filarmónica Alveguense. O ano passado foi a AMFA a responsável pela festa.

PS demarca-se de acusações feitas em edital e da decisão de não realização da Feira Gastronómica e Cultural

No mesmo edital, a junta de freguesia faz ainda referência à “situação instável” que se vive politicamente, mas responsabilizando e justificando esse facto com “as renúncias apresentadas pelos membros do Partido Socialista (duas vezes) e também por elementos do MIUFAC com um único objetivo, fazer cair a Junta para proporcionar novas eleições intercalares”.

Mais se refere que tais situações “não abonam a favor dos interesses da população e que têm contribuído bastante para aumentar os problemas, não permitindo trabalhar com a regularidade necessária”.

O presidente de junta António Moutinho faz ainda referência a “queixas apresentadas por um grupo de cidadãos liderado pelos ex-membros da lista do PS na Assembleia de Freguesia de Alvega e Concavada)” quer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, quer à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, referindo que tais queixas se prendem com as renúncias apresentadas e a legalidade das mesmas.

“Perguntamos, será motivo de orgulho para a nossa Freguesia? Será que vale a pena continuar a trabalhar e lutar por estes objetivos? Será isto democracia? Uma coisa é certa: nós fomos eleitos democraticamente pela maioria da população e será por essa maioria que continuaremos a trabalhar todos os dias em prol da resolução dos problemas e dos melhoramentos da nossa Freguesia”, pode ler-se.

Foto: CMA, 2015

Perante o exposto, Vera Catarino, em nome dos eleitos renunciantes do PS na Assembleia de Freguesia de Alvega e Concavada, reage às acusações e argumentos tecidos no edital assinado pelo presidente de Junta, António Moutinho, eleito pelo MIUFAC nas intercalares de março de 2022.

Ao nosso jornal os membros que foram eleitos pelo PS nas últimas eleições demarcam-se do facto de não ser promovida, em mais um ano, a Feira Gastronómica e Cultural de Alvega, uma vez que essa é uma decisão tomada pelo executivo MIUFAC da junta de freguesia, sendo por isso da sua exclusiva responsabilidade, conforme tornado público pelo documento assinado por António Moutinho.

“A União das Freguesias de Alvega e Concavada está numa situação instável desde o primeiro mês da tomada de posse do MIUFAC, somente pelas polémicas mantidas entre os membros do Executivo, que fazem com o que desenvolvimento da freguesia esteja suspenso. Os membros do MIUFAC não permitirem durante mais de um ano que se substitua um colega do Executivo para que não se perca o quórum, é demonstrativo de querer estar no poder a todo o custo e a contornar a lei diariamente. É lamentável ser necessário a intervenção do TAF de Leiria para se aplicar a lei, da qual o Presidente de Junta tem negligenciado as suas funções, exigidas pelo cargo que exerce”.

“Os membros do PS ao terem apresentado as suas renúncias querem, assim, evidenciar que não estão em concordância com o desrespeito e pela falta de democracia que estão instalados na união de freguesias, numa situação criada pelo próprio MIUFAC, refere o PS, na nota informativa.

“Não houve nenhuma queixa apresentada à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (SEALOT), houve antes a participação das renúncias, tendo em conta que não houve publicação de editais na União das freguesias, nem comunicações oficiais legais ao respetivo gabinete da tutela, como assim a lei o exige”, pode ainda ler-se na declaração enviada pelos membros do PS de Alvega.

Joana Rita Santos

Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza... também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.

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