Alexandra Serrano Rosa era sargento-ajudante paraquedista e a única mulher instrutora militar de paraquedismo. Fotografia: Serrano Rosa

Olhem bem, sintam respeito / Eles têm asas ao peito / Cabeça erguida, heróis do ar / Boinas verdes vão a passar / (…) Lá do céu, a gente pede / P’ra na terra morrer de pé / Dando a vida que Deus nos deu / Boinas Verdes sobem ao céu.
In Hino dos Paraquedistas Portugueses

Foi a primeira mulher instrutora de paraquedismo militar em Portugal – e, até agora, a única a ter a honra de vestir o azul que identifica os militares que dão formação. Alexandra Serrano Rosa era, também por isso, um ícone entre os “boinas verdes” e uma figura muito acarinhada por todos, sobretudo na Base Aérea de Tancos, a que esteve ligada desde 1994, apesar de atualmente estar a prestar serviço no Campo Militar de Santa Margarida.

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A sua morte, aos 52 anos, num salto de 1.500 metros em que o sistema de abertura do paraquedas falhou – as circunstâncias do acidente estão ainda em investigação – deixou todos os que a conheciam em choque.

Era suposto ser um salto rotineiro, um dos milhares que já havia realizado. Segundo informou o Exército, a militar ia realizar um “salto de abertura manual para manutenção da qualificação de paraquedista”. Contudo, “durante a execução do salto, o sistema de paraquedas não funcionou devidamente”, estando em curso um “processo de averiguações para apurar todas as circunstâncias em que ocorreu este acidente”.

O seu pai, sargento-mor Serrano Rosa (já retirado), uma das grandes referências no paraquedismo nacional e um apaixonado por fotografia, fez as últimas imagens de Alexandra a entrar no avião C-295, na manhã de quinta-feira, 21 de abril. Deu-lhe um beijinho de despedida e ficou a fotografar os saltos dos militares, sem poder imaginar a tragédia que se seguiria.

A última fotografia da militar a entrar para o avião C-295 foi registada pelo seu pai, o sargento-mor Serrano Rosa.

Marcelo Rebelo de Sousa transmitiu nesse mesmo dia telefonicamente ao pai de Alexandra Serrano Rosa o seu “profundo pesar” pela morte desta militar, e publicou uma mensagem de condolências no site oficial da Presidência da República.

Também o presidente da Câmara do Entroncamento, Jorge Faria, em nome de todo o executivo municipal, apresentou “as mais sentidas condolências à família de Alexandra Maria Damião Serrano Rosa, com profundo pesar e sentida dor”.

A militar no final de um dos milhares de saltos que realizou durante os seus 30 anos como profissional. Fotografia: Serrano Rosa

A 25 de abril Alexandra celebraria 30 anos como paraquedista. Foi nesse dia de 1992 que recebeu o brevet e a bóina verde com que sonhava desde criança. As primeiras mulheres que se formaram como paraquedistas nesse curso recordaram-na numa celebração que ficou esvaziada de qualquer alegria devido à sua ausência.

Uma rosa branca para Alexandra Serrano Rosa junto à placa comemorativa que foi afixada esta segunda-feira, 25 de Abril, assinalando os 30 anos da 1ª incorporação feminina nas tropas paraquedistas. Créditos: DR

O pai, Alfredo Serrano Rosa, é uma das grandes referências no paraquedismo nacional e Alexandra ainda mal sabia andar já ia com ele ver os aviões e os heróis que saltavam do céu.

Foi sonhando com o mesmo destino, fascinada com o espírito destemido e o código de honra de quem usava “asas ao peito”, mas o facto de ter nascido mulher cortava-lhe o caminho.

Alexandra Serrano Rosa quando tinha 3 anos, fotografada pelo seu pai, militar paraquedista.

Quando foi aberto o primeiro curso a mulheres, então na Força Aérea, não havia como travar o que o coração lhe pedia. Tinha casado há pouco, um filho com 2 anos e uma outra carreira para seguir, mas concorreu, entrou… e mudou a vida toda.

Uma inspiração e um exemplo

Alexandra Serrano Rosa nasceu a 25 de setembro de 1969 em Elvas, mas mudou-se ainda muito jovem com a família para o Entroncamento, onde continuava a residir. Depois da sua incorporação no Exército passou a prestar serviço na Base Aérea de Tancos, em Vila Nova da Barquinha, onde cedo se distingiu entre os paraquedistas.

“Era uma quedalivrista exímia, uma especialista de equipamento aéreo. Teve uma boa parte da carreira dela no centro de equipamento aéreo do atual regimento de paraquedistas, era especialista na área aeroterrestre”, lembrou esta semana à CNN o major-general Agostinho Costa.

Foi por isso com naturalidade que em 2012 deu mais um salto na carreira, tornando-se na primeira – e única – mulher instrutora de paraquedismo militar em Portugal.

“Era uma quedalivrista exímia. E uma militar dedicada, esforçada, encarnando tudo aquilo que se espera de um paraquedista. Tudo. O gosto pela adrenalina, pela camaradagem, aquele sentido que só se vive nos paraquedistas, um sentido verdadeiramente de amizade, uma disciplina de rosto humano.”

Major General Agostinho Costa

O major-general Agostinho Costa, que fez vários saltos com a sargento-ajudante, define-a como alguém que “era dedicada, esforçada, encarnando tudo aquilo que se espera de um paraquedista. Tudo. O gosto pela adrenalina, pela camaradagem, aquele sentido que só se vive nos paraquedistas, um sentido verdadeiramente de amizade, uma disciplina de rosto humano.”

Alexandra era uma mulher “bem-disposta, de espírito positivo, camarada”, muito respeitada pelos seus pares. “Tinha liderança. Não se masculinizou, era uma mulher com classe, muito afável.”

Alexandra Serrano Rosa sonhava ser paraquedista desde criança e dedicou 30 anos da sua vida à vida militar, de “boina verde”. Fotografia: Serrano Rosa

O major-general Agostinho Costa lamenta que uma militar com todas as suas qualidades estivesse ultimamente “em terra”, no Campo Militar de Santa Margarida. “Uma militar com a formação que ela tinha, uma instrutora de paraquedismo, uma quedalivrista exímia, uma técnica de equipamento aéreo, estava em Santa Margarida a tomar conta de uma secretaria. Mas isso são as coisas que este Exército tem que ninguém percebe”, desabafou o militar em entrevista à CNN.

Também Duarte Costa, Brigadeiro General e Ex-Comandante dos Paraquedistas, a recorda como uma mulher de “sorriso fácil, olhar límpido, presença forte, doce mau feitio, e acima de tudo uma amiga, uma camarada, uma pessoa pura e boa que em muitas ocasiões foi um apoio incontornável na ação de comando deste antigo Comandante da ETP, a Casa-mãe que foi, é, e será sempre a sua Casa, a sua Unidade do coração.”

“Tocou-nos a todos com a sua personalidade forte, com a sua dinâmica e com essa vida que tinha, e que transbordava, e nos contagiava a todos nós.”

Duarte Costa, Brigadeiro General, ex-Comandante dos Paraquedistas

No dia da morte da militar, Duarte Costa partilhou a sua dor no Facebook. “Tocou-nos a todos com a sua personalidade forte, com a sua dinâmica e com essa vida que tinha, e que transbordava, e nos contagiava a todos nós. Perdemos uma dama de espadas, uma profissional que ombreou sempre com os seus pares, uma mulher que assumia a sua condição feminina como uma mais valia em tudo aquilo que fazia e que sempre se destacou como uma militar de elevado profissionalismo, como uma verdadeira mulher de armas.”

E, dirigindo-se a Alexandra, escreveu ainda: “Apenas uma coisa me deixa menos triste: partiste com um paraquedas às costas e a fazer a coisa que mais amavas.”


O sargento-ajudante José Neves, do Entroncamento, seu amigo e camarada militar – pertence ao Quadro Permanente na mesma unidade e foi seu colega no 22.° Curso de Formação de Sargentos – fala com emoção de Alexandra Serrano Rosa. “Era uma mulher de garra, amiga do seu amigo, capaz de tirar a sua roupa para ajudar o próximo. Uma excelente amiga que praticava a camaradagem diariamente, um verdadeiro exemplo de energia e com enorme dedicação no trabalho. Colocava no seu dia a dia todo o empenho, através das suas capacidades físicas e intelectuais.”

Alexandra Serrano Rosa, numa das suas últimas missões como paraquedista. Fotografia: Serrano Rosa

A psicóloga Inês Roseiro Martins, sua amiga, diz que não se lembra de não conhecer a “Xana”, como era tratada pelos mais próximos. “Sempre com um sorriso luz, com um abraço tão apertado que vai custar não o voltar a sentir. Ela gostava pouco destas manifestações de amor e gratidão. Era prática. Era assertiva. Uma referência.” Lembrando o orgulho que a amiga tinha na sua boina verde, diz que se perdeu “uma mulher de lutas, de causas, de amor. Perdeu-se uma mãe, uma filha, uma amiga.”

“Que nunca por vencidos se conheçam”, é o lema dos paraquedistas. Alexandra viveu até ao fim com esse espírito, sempre de asas ao peito.

*Com José Belém.

Sou diretora do jornal mediotejo.net, diretora editorial da Médio Tejo Edições e da chancela de livros Perspectiva. Sou jornalista profissional desde 1995 e tenho a felicidade de ter corrido mundo a fazer o que mais gosto, testemunhando momentos cruciais da história mundial. Fui grande-repórter da revista Visão e algumas da reportagens que escrevi foram premiadas a nível nacional e internacional. Mas a maior recompensa desta profissão será sempre a promessa contida em cada texto: a possibilidade de questionar, inquietar, surpreender, emocionar e, quem sabe, fazer a diferença. Cresci no Tramagal, terra onde aprendi as primeiras letras e os valores da fraternidade e da liberdade. Mantenho-me apaixonada pelo processo de descoberta, investigação e escrita de uma boa história. Gosto de plantar árvores e flores, sou mãe a dobrar e escrevi quatro livros.

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4 Comentários

  1. Que vencidos nunca nos conheçamos.

    1º cabo pára 1497/69 ou 231/69 BCP 21
    Meus sentimentos nesta dor irreparável.

  2. Alexandra, uma excelente camarada e uma profissional de elevado prestigio. Figura carismática dos “páras” e com tradição familiar neste Corpo de Tropas. Deixou-nos inesperadamente, em serviço e “com o sacrifício da própria vida”. Estarás sempre presente! Descansa em Paz! 💖

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