Nasceu em Vale Alto, freguesia de Minde, há 70 anos. Zulmira Bento define-se em duas metades: uma é a poesia, a outra a defesa do património. Tem conjugado estes dois vectores da sua existência em várias obras que lançou ao longo da vida, algumas de poesia, outras de investigação sobre diversas características da sua terra, desde uma monografia sobre o Vale Alto ou um estudo sobre a estética das chaminés do concelho de Alcanena. Hoje lançou um livro sobre o minderico e, recentemente, já havia lançado uma investigação alargada sobre os “Cataventos”, sua forma e simbologia, de todo o país. A edição é da Câmara de Alcanena.
A casa de Zulmira Bento no Vale Alto é como que um baú de memórias, onde se perfilam os imensos quadros que pinta (já fez várias exposições) e as relíquias que guardou do passado da sua terra. É uma apaixonada pela História e sente ser seu dever cívico deixar o testemunho do passado, para que este não morra entre gerações. “Tenho o dever de eternizar algumas coisas que vou vendo”, afirma.
Este percurso começou há 20 anos, quando fez um primeiro estudo sobre as chaminés e os cataventos do concelho de Alcanena. “Coloquei na gaveta e ficou a dormir durante 20 anos”, narra, até que recebeu o desafio da presidente da Câmara de Alcanena, Fernanda Asseiceira, para avançar para a publicação do projeto. “Aceitei e reformulei o trabalho”, pois este não havia sido feito para ser publicado.
Em 2015 lançou o livro sobre as Chaminés do Concelho de Alcanena, recentemente foi a vez dos “Cataventos” que, quase por acaso, adquiriram uma dimensão nacional. Zulmira Bento aventurou-se pelo país, conseguindo um leque de colaboradores que lhe enviaram fotografias de cataventos de outras zonas, das regiões autónomas e até internacionais.

Tinha que “ser um trabalho sério, digno”, frisa a investigadora, que, primeiro, percorreu novamente todo o concelho de Alcanena, como fizera 20 anos antes. Descobriu que perto de 40% dos cataventos haviam desaparecido, fosse por ação da natureza ou por mera distração da população. O facto é que estes elementos característicos da arquitetura portuguesa já não são hoje necessários ao quotidiano das pessoas, pelo que tendem a desaparecer dos telhados sem que ninguém dê pelo sucedido. “Arranjei material para um livro e separei as chaminés dos cataventos”, explica a autora.
“A minha preocupação máxima era entender porque os cataventos apareceram”, explicou ao mediotejo.net. Esta sua busca levou-lhe horas intensas de estudo e investigação, foi a Guimarães, berço da nação, Braga, Lisboa, Coimbra, percorreu o Alentejo. A sua recolha é demonstrativa da envolvência social das várias regiões, os seus costumes e tradições, além do impacto da Igreja.
Em Braga, por exemplo, os cataventos são muitas vezes de grande dimensão, com várias referências à religião. Mais para sul os temas mudam, permanecem os anjos e os galos mas os cataventos são mais pequenos e recriam a apanha da azeitona, do figo ou das laranjas, além de vários animais e até caravelas. São as características dos territórios, salienta Zulmira Bento. “A gente olha para um catavento e é preciso interpretá-lo”, explica, “pretendi ir além das imagens, mostrar que há uma relação entre os cataventos e o meio envolvente”. “Também quis denunciar certas alterações” mais abusivas, “não com sentido negativo, mas para que sejam reparados”, frisa.
Os cataventos têm a sua história. Terão nascido na Grécia antiga e foram permanecendo, indicando o sentido dos ventos, essencial para as culturas. A dada altura um Bispo terá erguido um catavento em formato de Galo e um Papa terá imitado a estrutura, colocando-a em todas as igrejas. O Galo, associado ao Novo Testamento e à morte de Cristo, ganha assim uma dimensão religiosa poderosa, confundindo-se com a própria Igreja, mas também com um pendor de “vigilância” e do “despertar” das consciências.
No Estado Novo, aquando a construção das escolas primárias, fez-se questão que todas as estruturas tivessem o seu catavento. Estes objetos de ferro fundido adquiriram características únicas, associadas às atividades praticadas na região. “Pretendi demonstrar tudo isso”, reflete Zulmita Bento, narrando os diferentes tipos de cataventos que encontrou por todo o país e como eles são particulares, ricos e estranhos em certos casos, mas possuem sempre a sua interpretação.
“Estes cataventos são autênticos catecismos, anjos, galos, etc”, ao refletirem a simbologia bíblica e outras manifestações do cristianismo, mas são “também páginas da nossa história” social. “Foi o que pretendi mostrar”.
Zulmira Bento já apresentou o seu livro em várias zonas do país, devendo ainda passar pelo Alentejo e Lisboa. Foi um trabalho intenso, ao qual dedicou muito de si. As críticas têm sido boas, mostrando surpresa pelas particularidades de um tema que passa tão despercebido da maioria da população.
O livro “Cataventos” da investigadora, poetisa e pintora é o único estudo sobre cataventos que existe no país.
Fui aluna desta senhora, na Escola Secundária Avelar Brotero. Foi das pessoas que mais marcou a minha vida… preocupou-se comigo de verdade! Melhorou muito a minha auto estima (que era muito baixa) e fez-me acreditar que conseguia tudo o que quisesse!
Onde quer que esteja será para mim o melhor exemplo do que um professor pode representar na vida de um jovem 🤗