Vera Ferreira, 38 anos, é linguista documental, apaixonou-se pela língua de Minde há 15 anos e, desde então, tem movido mundos para salvar do desaparecimento um dos patrimónios vivos da nossa região. O que a move? Consciencializar a sociedade portuguesa para a diferença, a multiculturalidade, o multilinguismo.
O gosto pela diversidade linguística começou cedo. Aos seis anos comprava, na livraria ao lado da mercearia onde a mãe trabalhava, a revista Bravo em alemão. E quando falava a dormir saiam-lhe palavras em alemão.
Inevitavelmente foi parar ao curso de Línguas e Literaturas Modernas, estudos ingleses e, claro, alemães. Ainda no secundário passou um ano em casa de uma família alemã e, já na Faculdade de Coimbra (onde entrou em 1995), aproveitou o programa Erasmus para voltar à Alemanha. E foi para lá que seguiu quando concluiu a licenciatura, para fazer, na Universidade de Munique, primeiro o mestrado e depois o doutoramento. Mais que a aprendizagem das línguas e da literatura (componente forte do ensino em Portugal), queria aprofundar o conhecimento em linguística, que define como “a matemática das línguas”.
O contacto com línguas “exóticas” começou no mestrado e, no doutoramento, se bem que se tenha dedicado à linguística geral e ao estudo do português, com trabalho de campo desde Castro Laboreiro a Sagres, com estadias em Barrancos e Miranda do Douro – reuniu o primeiro “corpus” do português falado -, decidiu especializar-se em linguística documental e em línguas ameaçadas.
Neste percurso, um livrinho em minderico, oferecido por um amigo do pai que sabia do seu interesse pelas línguas, levou-a até Minde. Era o ano 2000. Tinha acabado a licenciatura e ainda não sabia muito bem o que ia fazer. Passou 15 dias nesta vila do concelho de Alcanena, onde, no século XVII, nasceu o que durante muitos anos foi classificado como um dialeto criado por fabricantes e vendedores das tradicionais mantas de Minde, mas que o seu trabalho tem vindo a provar tratar-se de facto de uma língua.
Nesses 15 dias, teve aulas no café com o “Mário de Alcanena” e o jornalista e ativista Agostinho Nogueira e o professor Abílio Madeira Martins foram fundamentais para “enraizar no minderico”. Foram 15 dias “intensivos”. Analisou os quatro glossários de minderico que já existiam, comparou dados, estudou textos e gravações e levou o que tinha para a Universidade de Munique, onde dois professores a incentivaram a apresentar um projeto para documentação do minderico à Fundação Volkswagen. Conseguiu primeiro financiamento para fazer, na Holanda, a especialização que lhe faltava, em linguística documental (analisar a língua inserida na sua realidade sociocultural). Estava em 2007 e, no ano seguinte, o projeto foi aprovado. Um passo determinante para a criação do “corpus multimédia do minderico”. Começou então a dar formação em linguística documental na Universidade de Munique, onde ainda trabalha. Ao mesmo tempo que trabalhava outras línguas (com os alunos criou um minidicionário de bávaro, por exemplo) prosseguiu o trabalho documental sobre o minderico, acabando por criar, com outros investigadores portugueses e estrangeiros de várias áreas (linguística, história, sociologia, informática) o Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), que tem por foco principal as línguas ameaçadas da Europa.
Embora tivesse sido mais fácil instalar o centro numa grande cidade, ligado a uma Universidade e com acesso facilitado a bibliotecas e investigadores, a escolha recaiu na pequena vila de Minde, primeiro porque defende a descentralização (desde que haja vontade, conhecimento e o mínimo de meios, pode-se fazer investigação de excelência em qualquer lugar) e, depois, porque basta sair à rua para experimentar as metodologias diretamente.
Não escondendo o interesse no desenvolvimento da carreira académica, confessa que a move a vontade de consciencializar a sociedade portuguesa para a diferença, o multiculturalismo e o multilinguismo. Quer mostrar que há diversidade, riqueza sociocultural, política e económica associada a cada língua e acredita que o trabalho que desenvolve pode ajudar a preservar esse património da Humanidade, encarando as línguas ameaçadas como realidades vivas e não como “museus da língua”. E, tal como acontece com a raça, a cor ou a classe social, também existe preconceito linguístico e discriminação pela língua, que deve ser trabalhado, desde logo nas escolas. Entende que numa era em que as sociedades são cada vez mais multiculturais é preciso respeitar a diferença, e para respeitar é preciso conhecer.
“Este trabalho de linguista documental, de mostrar o que está associado a uma língua, pode ajudar a melhorar a sociedade em que vivemos. Ajudar pelo menos a consciencializar para a diferença e a diferença está dentro de cada um de nós”.
Campanha para salvar o Minderico até 15 de outubro
O CIDLeS (Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento Linguístico e Social), com sede em Minde, tem a correr até 15 de outubro uma campanha para reunir 8.900 euros e garantir a continuidade do projeto de revitalização do minderico – uma das mais de 3.000 línguas que no mundo estão em risco de desaparecer. Cada euro conta para ajudar a preservar um elemento patrimonial único que contribui para a riqueza cultural do Médio Tejo.
Basta clicar em https://hubbub.net/p/minderico
contribuir por transferência bancária
IBAN: PT50004552424023 949853259 / SWIFT: CCCMPTPL
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