Adelino Cardoso, 56 anos, é natural de Proença-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, onde estudou até ao 11º ano, indo depois para o seminário de Portalegre e posteriormente para Coimbra. Terminou o curso de Teologia na Universidade Católica e fez uma pós graduação na Universidade Clássica para poder lecionar Estudos Sociais e Português. No final regressou à sua Diocese para ser padre, mas dava aulas em Lisboa. “Tinha de ganhar dinheiro para me sustentar. Não podiam ser sempre os meus pais a suportar as despesas”, disse ao mediotejo.net. Gostava de ser professor, e durante os dois primeiros anos de padre ainda foi professor de Religião e Moral na Escola Secundária de Ponte de Sor, a sua primeira paróquia. Hoje é pároco de Rossio ao Sul do Tejo, Pego, São Miguel do Rio Torto e Tramagal, presidente das Instituições de Solidariedade Social de Rossio, São Miguel e Tramagal, e arcipreste do Arciprestado de Abrantes, um dos cinco da Diocese de Portalegre-Castelo Branco.
A seguir a uma pandemia temos agora uma guerra na Europa – a par de outras no mundo –, uma inflação em crescimento e um cenário de recessão no ar. Os sinais de carência social já se fazem notar entre os seus paroquianos?
Desde que aqui cheguei, sempre se fizeram notar. Não estava à espera de encontrar tanta necessidade. No tempo de pandemia notou-se ainda mais, foram sem dúvida tempos difíceis. Mas durante a pandemia também houve solidariedade. Pessoas que deram dinheiro de forma voluntária para atender os necessitados que pudessem vir à paróquia. E foram muitas as pessoas com necessidades. Agora não, porque aqui na região, quem quiser trabalhar tem emprego. Por exemplo, decorreram obras no lar do Rossio e a conclusão das obras protelou mais um bocadinho no tempo porque o empreiteiro não tinha mão de obra suficiente. Portanto, há trabalho, mas também há pobreza. Esse é um dos problemas que agora se está a colocar; as pessoas trabalham mas derivado aos encargos estão a ficar pobres, com dificuldades económicas. Noto isso entre os meus paroquianos. As pessoas queixam-se que é difícil gerir o orçamento familiar e com a inflação mais difícil ainda. E está a crescer muito. As pessoas dizem que notam muito o crescimento da inflação. O salário já não chega até ao final do mês e têm de fazer muitas opções. No fundo, já não é uma vida tão digna como deveria ser.
Olhando para trás, para outras crises sociais, o papel da Igreja continua a ser preponderante na ação social em Portugal? Porquê?
A Igreja tem um papel importante, sem dúvida, de atenção ao mais necessitado. Mas a Igreja são todos os batizados e há muita gente, porque sente que é Igreja – não sendo nem padre, nem bispo, nem freira, sem ligação a uma cúpula ao à instituição enquanto funcionário –, que está atenta às necessidades dos outros e nessa condição ajuda o seu irmão. O Papa Francisco fala muito na atenção às periferias, ou seja, àquele que está mais necessitado.
A Igreja está atenta e tem estruturas mas, muitas vezes, não tem os meios desejáveis para poder ajudar mais. As igrejas estão a passar por algumas dificuldades, até para manter o seu próprio património. A manutenção de uma igreja também é difícil – pagar água, luz, conservação. A paróquia é responsável por pagar as suas próprias contas. Existe dentro da paróquia um conselho económico e é esse que vai provendo às necessidades da própria paróquia. Quando há obras de maior vulto, tem de se fazer algumas campanhas para que os paroquianos possam ajudar, e colaboram e ajudam. Quando não é assim, ajudam na conta corrente. Eu não mexo em dinheiro, a minha missão é espiritual.
Abrantes é um concelho pobre?
Não diria pobre, porque Abrantes tem muitas potencialidades, está no centro de Portugal, tem boas vias de comunicação, tem empresas instaladas com muita credibilidade, tem agricultura. Por isso não posso dizer que é um concelho pobre. As pessoas que trabalham vão vivendo com alguma dignidade. Se for para outras zonas do País e particularmente para Lisboa, se calhar há pessoas com maiores dificuldades económicas. Por exemplo, uma renda em Lisboa é muito mais cara. Em Abrantes é mais barato e se nos afastarmos do centro da cidade – porque é tudo tão perto –, ainda é mais barato. O Pego fica a cinco quilómetros do centro da cidade e já é mais barato. As pessoas confluem só para o centro e esquecem-se que nas aldeias à volta há outras condições ao nível de rendas e até de casas. No Rossio o património está muito degradado e precisava de ser revitalizado precisamente para habitação. Ou seja, também faz falta uma maior organização económica das famílias e, nesse sentido, os serviços sociais poderiam ajudar, alertar.

O que mais o preocupa por estes dias?
Temo esta instabilidade e esta insegurança que vivemos a vários níveis. Primeiro foi a pandemia, parece que não se vislumbravam dias melhores… Felizmente a nível de saúde sim, há melhoras, a pandemia parece que deixou de ser pandemia, as regras agora são outras, a vacina veio atenuar toda a situação. Agora, a escalada de uma guerra na Europa preocupa-me muito. Precisamos mesmo de oração! O mundo está a precisar de uma remodelação. Estas escaladas de violência não levam a lado nenhum, antes pelo contrário, deixam-nos muito mais pobres. Os jovens também me preocupam. Parece que não estão bem em lado nenhum, qualquer coisa os irrita, refugiam-se demasiado em casa e é difícil tirá-los de lá. É uma geração isolada e a pandemia isolou-os ainda mais. Não têm sentido de comunidade, de comunhão de brincadeira, e inclusivamente de alegria. Não os sinto alegres!
Os jovens preocupam-me. Parece que não estão bem em lado nenhum, qualquer coisa os irrita, refugiam-se demasiado em casa e é difícil tirá-los de lá. É uma geração isolada e a pandemia isolou-os ainda mais. Não têm sentido de comunidade, de comunhão de brincadeira e, inclusivamente, de alegria.
Falou na guerra, considera que não se trabalha pela paz?
Acho que se trabalha pela paz mas não o suficiente. Aqueles que detêm o destino dos povos… podemos estar contra eles, mas acima de tudo temos de rezar por eles, pelas pessoas em concreto, para que o seu coração seja mais dócil, mais atento aos outros, ao amor. Uma guerra é matar, é mau, é péssimo! Preocupa-me até onde pode ir. Aliás já estamos todos a sofrer, inclusivamente com a inflação. Não é apenas uma guerra local, é uma guerra de ideologia, e não sabemos onde vai parar e quando. Vem armamento de um lado e do outro e a guerra vai-se prolongando e quem perde são as pessoas. A separação das famílias é muito dolorosa… tudo o que é separação é mau, é divisão. Numa guerra não há vencedores nem vencidos, perdem todos. Já morreram milhares de pessoas. O ser humano não é perfeito mas a este nível, uma entidade como a ONU deveria ter mais poder para conseguir resolver os conflitos.
O Papa Francisco apelou a “um novo olhar” sobre a economia, baseado no respeito pela dignidade das pessoas, falando dos “males da especulação que estão a alimentar os ventos da guerra”. A Humanidade está cada vez mais egoísta ou sempre foi?
Está mais egoísta! Fazem-se as coisas mas com outro sentido e está sempre subjacente o aspeto económico, é realmente mau. Se calhar estamos a alimentar uma guerra por causa do aspeto económico. Estamos a evoluir a nível tecnológico e até do bem estar, mas, por outro lado, estamos a regredir. Estão aí as alterações climáticas, fruto do nosso egoísmo. Mitigar as alterações climáticas também passa pelo comportamento de cada um, por pequeninas coisas, pela alteração de mentalidades. As pessoas estão centradas em si próprias; é só o nosso bem estar, estamos bem instalados e às vezes precisávamos de desinstalar. O Papa Francisco disse uma coisa interessante, falava mesmo em relação aos sacerdotes: gosta mais de soldados rasos do que de generais mortos. Ou seja, de pessoas que vão, que sujam as mãos, que têm o cheiro das ovelhas, que estão no terreno, no meio do povo, que sentem o pulsar da comunidade, do que daqueles que estão no pedestal e não fazem nada.
E esse trabalho é preparado pelos sacerdotes?
Sem dúvida! Se calhar até temos reuniões a mais e inclusivamente até ao nível da formação. Somos sacerdotes mas precisamos de nos ir atualizando, senão paramos no tempo. Até nas áreas da ecologia, psicologia, sociologia, para termos uma visão um pouco mais alargada, para termos outros horizontes e sabermos agir no meio da comunidade. Como fazer, como orientar. Um papel fundamental da nossa missão passa pela orientação, porque muita gente vem ter connosco. Muita gente procura conforto psicológico.

Nos momentos difíceis como foi a pandemia ou é a guerra e a incerteza no futuro, as pessoas ainda procuram consolo e esperança na fé?
Muitas sim. E para muitas é a fé que as mantém de pé, a caminhar, de cabeça erguida. Algumas vivem em grande solidão mas sabem que não estão sozinhas.
E nos momentos de instabilidade as pessoas aproximam-se mais da Igreja?
Depende do tipo de conflito e da situação. No caso da guerra, sem dúvida que há um olhar mais para o espiritual, no sentido da guerra terminar. Porque Jesus Cristo se autorretratou como o príncipe da paz. Mas também no seio familiar. Às vezes pensamos só nas guerras exteriores com canhões e bombas mas depois também há outro tipo de bombas que são internas, de guerras familiares, entre irmãos, em caso de partilhas, pais com filhos e até avós com netos. Dentro da própria casa. E isso leva a um mau estar enorme. Se a pessoa não tem a paz interior como a vai transmitir? Como vai partilhar essa paz com os outros? Não consegue. Muita gente vem ter com o padre no âmbito de problemas familiares e pedem pistas para uma solução. Algumas pessoas aproximam-se da Igreja para tentar que haja harmonia.
Um papel fundamental da nossa missão [padres] passa pela orientação, porque muita gente vem ter connosco. Muita gente procura conforto psicológico. Para muitas pessoas, é a fé que as mantém de pé, a caminhar, de cabeça erguida.
Também aparecem casos de violência doméstica?
Também aparecem, infelizmente. Embora muitas vezes seja preciso puxar pelas pessoas para que não tenham medo. Sabem que falando com o sacerdote estão num local seguro mas às vezes têm vergonha de dizer. É fundamental desabafar, senão as coisas continuam. São situações delicadas… até de pobreza envergonhada e, como diz o povo, “numa casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”.
Mas com a pandemia esperava-se alguma evolução para uma sociedade mais solidária. Que sociedade nasceu do medo do vírus e dos confinamentos, ou seja, do isolamento?
Sem dúvida que houve uma onda de solidariedade. Mas já éramos egoístas, quando surgiu a pandemia o egoísmo ficou um bocadinho recalcado. Embora haja épocas e épocas. Não foi sempre assim. Há alguns momentos na História em que as pessoas fizeram coisas de forma muito solidária , hoje em dia é mais difícil. Embora na Igreja não tenha razão de queixa. Há muita gente que trabalha de forma voluntária, disponível, aberta, sem esperar nada em troca. Os voluntários continuam o seu trabalho, por exemplo o conselho económico, as catequistas, os chefes dos escuteiros, os zeladores dos altares. O mal está ativo e próximo mas também há o bem, e muita gente esforça-se por ele.

Recentemente o Papa Francisco também voltou a reforçar a necessidade da inclusão, voltou a falar dos migrantes e dos refugiados, afirmou que a exclusão dos migrantes é criminosa, chamou ao mar Mediterrâneo o maior cemitério do mundo, disse que a tenacidade dos migrantes pode ser um exemplo para todos aqueles que se querem comprometer com a construção de um mundo de paz e bem estar para todos. Mas a exclusão é defendida por políticos ditos populistas que conquistam cada vez mais terreno na Europa. Esses políticos falam em Deus mas parece que não escutam o Papa. O que diz sobre isto?
São várias questões e levariam a uma longa conversa. Mas os extremismos e fundamentalismos não são bons, porque há sempre uma única visão, a que querem impor, e isso é muito complicado. Há que ter uma visão mais alargada. O fenómeno do populismo está em crescimento porque está ligado ao egoísmo, ao nacionalismo. Tem de haver mais harmonia entre os povos, mais abertura. Temos de aceitar a diferença. Felizmente neste tempo temos o Papa Francisco que veio abrir novos horizontes a nível da economia, da relação com a natureza, dentro da Igreja. Em relação aos migrantes foi muito duro, mas tem toda a razão! São nossos irmãos que vêm de um lado e de outro. Se saem das suas terras é porque procuram melhores condições de vida, e muitos saem porque sabem que se continuarem lá, a sua vida termina muito em breve, há situações de fuga a determinados regimes, são refugiados. Como interrogava Jesus Cristo: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua vida?”
O fenómeno do populismo está em crescimento porque está ligado ao egoísmo, ao nacionalismo. Tem de haver mais harmonia entre os povos, mais abertura. Temos de aceitar a diferença.
É preciso saber acolher. Fico sempre muito triste e magoado quando vejo migrantes a serem explorados. É duro! No mundo deveria haver muito mais equidade na distribuição dos bens. O meu pai também foi emigrante e eu quis tirar um ano sabático para estar junto dos emigrantes, senti essa obrigação. O meu pai foi muito bem acolhido, apoiado, e teve uma vida mais desafogada por ter sido emigrante. Os meus irmãos também foram emigrantes. Eu estive em França, em Paris, senti-me muito bem. No final desse ano convidaram-me para ir para Bruxelas, mas não fui, escolhi Abrantes.
Mas a própria Igreja também rejeitou aqueles que tinham visões e ideias diferentes, durante muitas anos…
Sim, é verdade. À luz de outro tempo e de outro contexto histórico. Mas também já pediu perdão. E bem!
A Bíblia refere os falsos profetas, o Apocalipse, e como falámos, os políticos populistas que usam o nome de Deus para conquistar votos estão ativos, as catástrofes ambientais provocadas pelas alterações climáticas sucedem-se. Serão os chamados dias do fim?
Falsos profetas há muitos! Aqueles mercenários que o Evangelho refere, aproveitam-se do povo mas quando surgem problemas fogem e não ficam com o povo. Mas não creio que nos estejamos a aproximar do fim dos tempos. Cada um vai partindo, mas quanto a essa perspetiva apocalíptica, não penso dessa forma.

Estes também não são tempos fáceis para a Igreja Católica, afetada por denúncias de abusos sexuais, acusações de pedofilia e encobrimento. Quais as consequências para a Instituição?
Quando verificamos que surge mais algum caso é sempre uma dor enorme. Para mim é impensável, mas aconteceram infelizmente. É uma chaga! E quando falo na Igreja – às vezes pensa-se apenas nos padres e nos bispos – , todos os leigos, aqueles que sentem a responsabilidade de ser Igreja, sentem-se tristes. É muito negativo! Mas a Igreja está a seguir o seu caminho, espero que seja de viragem na sua história. E mais uma vez o Papa Francisco teve a valentia de afirmar tolerância zero, porque é fundamental! A Igreja tem de ser um local seguro, onde as pessoas vão curar as suas feridas e não ir à procura de feridas. Deve ser um local de harmonia, de paz e não um local inseguro. Sabemos que esta purificação não é fácil, irá durar o seu tempo, mas espero que seja o virar de página para uma Igreja mais aberta à sociedade e um local onde as pessoas se sintam mesmo bem, e não estejam desconfiadas. A desconfiança é das coisas piores.
Mas estes casos de abusos sexuais podem abalar a confiança na Igreja e até a fé?
Podem! De certa forma, no sentido de as pessoas deixarem de confiar nos padres… para algumas talvez. Por isso, ainda bem que existe uma comissão a nível nacional e existem as comissões diocesanas onde as pessoas podem fazer os seus depoimentos para que haja uma purificação. Senão parece que são todos os padres. Não são! A Igreja está a fazer este caminho, que é doloroso, e se calhar, na sociedade em geral, outras instituições também deveriam fazer o mesmo. Deveria haver essa coragem porque infelizmente este mal existe não apenas na Igreja. Portanto, concordo com o Papa Francisco: tolerância zero. O sacerdote não pode estar acima da lei. Se o fez, que responda pelos crimes. Nem que fosse só um caso, seria péssimo! As crianças são intocáveis.
É a favor ou contra o celibato dos padres?
Para mim já é tarde! Não é dogma. É um caminho que certamente se irá fazer. Porque se nalgumas sociedades a questão pode avançar, temos de pensar que a Igreja Católica quer dizer Universal, de todo o mundo, e isto para algumas sociedades será rápido demais. É preciso um grande equilíbrio. E existem os diáconos permanentes e a maioria são casados, e podem celebrar alguns sacramentos. É um caminho! Mas é uma questão, tal como a ordenação das mulheres, que leva o seu tempo. Contudo, essa reflexão também está a ser feita, inclusivamente estamos a viver o sínodo a nível mundial, exatamente para colher sensibilidades, ou seja, escutar o povo. Agora não digo se estou contra ou a favor porque o fundamental é estamos em comunhão e caminharmos juntos.
A Igreja tem de ser um local onde as pessoas vão curar as suas feridas, tem de ser um local de harmonia, de paz, e não um local inseguro.
Considera que a Igreja quer auto preservar-se havendo, por isso, uma política de negação e desdramatização, ou quer a Igreja contribuir para erradicar o problema dos abusos?
Aquilo que sinto e que vamos falando – ainda ontem estive num conselho presbiteral – passa por estamos abertos para erradicar, para limpar. A verdade acima de tudo. Aliás, os arquivos das dioceses estão abertos, as comissões passam por lá. Portanto, não há que esconder, há que encarar a verdade, pela verdade e não protelarmos mais. Só assim podermos tratar das feridas, senão continuaria a paz podre.
O que sentem os seus paroquianos?
Manifestam acima de tudo tristeza. Mas curiosamente também se manifestam muito solidários porque sabem aquilo que sofro. Quando sabemos que uma criança é maltratada, seja por quem for, é triste para cada um de nós. Mais triste ainda por ter sido maltratada por uma pessoa da Igreja, que deve dar o exemplo.

Pode deixar uma palavra de esperança?
Há esperança. O Espírito está a atuar até no seio da Igreja. Com todos estes casos de pedofilia, algumas pessoas poderiam afastar-se, inclusivamente jovens. E um dos sinais da presença do Espírito Santo na Igreja é que este ano foram ordenados dezenas de sacerdotes jovens em Portugal. Embora a nossa diocese [Portalegre/Castelo-Branco] esteja muito mal ao nível de colocações. Esses jovens têm família e quando escolhem ser sacerdote ficam logo com este estigma: é padre! Não é fácil. Eu quando decidi ser padre também não foi fácil. Quando estava no quarto ano de Teologia decidi sair porque achava que o tempo estava a correr depressa demais e como é uma decisão importante, estruturante na nossa vida, achava que não estava suficientemente preparado para dizer o sim de coração completamente aberto. E fui para Lisboa, fiz uma formação na Universidade Clássica e decidi numa igreja no Chiado. Na altura não havia metro do Cais do Sodré para cima, e quando ia para a Cidade Universitária fazia aquele troço a pé até aos Restauradores, entrava na igreja e passava muitas horas diante Dele. Sentia que me estava a fechar demais em mim, sentia que estava a ser egoísta demais para comigo próprio. Naquela altura já tinha uma vida estável, até a nível económico, e fui para padre ganhar um salário muito menor. Era mais fácil ser professor? Era! Mas não estava a responder ao apelo, estava a fugir e não iria ser feliz. E nunca tive nenhuma influência familiar para ser padre… sei até que o meu pai não concordava, nunca me disse, mas sei. Os meus pais sempre respeitaram a minha decisão. Nesse aspeto senti-me sempre muito livre.
Então qual é a maior dificuldade desta missão de ser padre?
Vermos o sofrimento das pessoas e não termos resposta. Ouvir, partilhar o sofrimento dos outros. Sofrermos com as pessoas não é fácil, é belo, mas desgasta. E não ter tempo suficiente para mim. Sabe que houve anos em que não tive um único fim de semana livre? Não tive nem um sábado nem um domingo livre. Ou seja, as solicitações são muitas e como somos menos, temos de andar de um lado para o outro. Às vezes sinto que deveria estar mais tempo junto das pessoas. Aliás, se pudesse voltar atrás fazia o mesmo caminho. Porque a nossa missão é bela, sem dúvida, a sociedade precisa mesmo de nós, especialmente os jovens que estão a passar por muitas dificuldades, a pandemia afetou-lhes a saúde mental, há muitas mazelas a nível psicológico. Como disse, os jovens estão mais fechados e isolados e a pandemia reforçou muito esse isolamento. Isso não é positivo, os jovens precisam de conviver uns com os outros. Convivem muito mas é na tecnologia. Por vezes estão aqui, em grupo, mas no telemóvel. Já não conversam olhos nos olhos e precisamos de nos olhar, de nos abraçar. A pandemia afastou-nos dessa proximidade, dos afetos. Aqui a nossa missão é muito importante. Caminharmos juntos é fundamental.