Seminário 'Caminhos do Rio'

O seminário ‘Caminhos do Rio’ trouxe até Abrantes um painel de oradores oriundos de universidades portuguesas, brasileiras e também de Espanha para refletirem sobre a influência dos rios na evolução das cidades, com especial atenção para o rio Tejo. A iniciativa de natureza académica que decorreu no dia 14 no Parque Tejo, em Rossio ao Sul do Tejo, já passou por Torres Vedras e termina em Lisboa.

“Desde tempos remotos que os rios são divinizados e humanizados, constituem barreiras e elementos de ligação, complementam vias e são caminhos, fomentam riquezas e inspiram poetas e músicos” lê-se na descritiva da iniciativa ‘Caminhos do Rio’.

O Tejo também, como elemento identitário de um território (ou dois), através do qual é possível, no espelho das suas águas, portugueses e espanhóis conhecerem-se a si próprios, e o que mostra essa imagem no espelho é preocupante. Pelo menos a avaliar pelas informações partilhadas por vários académicos no seminário ‘Caminhos do Rio’ que decorreu em Abrantes, no Parque Tejo, esta segunda-feira, 14 de maio.

Não é novo, é público que em Portugal rio Tejo não só está abandonado como poluído. Mas, após o episódio no açude insuflável de Abrantes que fez parangonas nos jornais no passado mês de janeiro e reduziu a emissão de efluentes das empresas de celuloses estacionadas em Vila Velha de Rodão, fica a questão: Poluição só deste lado da fronteira? Enrique García Gómes, orador do Ayuntamento de Toledo, mostrou que não.

Na sua comunicação intitulada ‘O Tejo e a Cidade de Toledo’, o espanhol trouxe até Abrantes várias fotografias com mais de 50 anos, algumas pertencentes ao arquivo histórico da cidade Património da Humanidade, circundada por um rio património da natureza “moribundo”. E escolheu as fotografias, ficando-se por poucas palavras precisamente porque “uma imagem vale mais que mil palavras”, disse. Do lado português da fronteira, também se sentem esses efeitos da poluição e da fragilidade do caudal do Tejo.

Seminário ‘Caminhos do Rio’. Enrique García Gómes mostra uma foto de um episódio de mortandade de peixe em Toledo

Em Toledo “a população afastou-se do rio porque não há condições nem de pesca nem de banhos” pela ausência de caudal mas essencialmente devido à poluição. Enrique García Gómes exibiu imagens dos anos 1940 quando os residente em Toledo ainda tomavam banho no Tejo, e parte da população da cidade bebia e vivia do rio.

“Hoje é impossível e não sabemos se voltaremos a fazê-lo”, explica. Há meio século a espuma tóxica e a mortandade de peixes já era captada pelas câmaras fotográficas de então. Em 1978, os populares empunhavam cartazes de protesto na sua luta social, de cidadania por um rio limpo. “E a luta continua mas a poluição permanece”, assegura.

O responsável daquela cidade de Castela-La Mancha, uma das quatro regiões espanholas atravessadas pelo Tejo, não só denunciou a má qualidade da água do rio, “praticamente morto”, como abordou a política de transvases para as regiões do sudoeste de Espanha, que vivem da agricultura intensiva.

Em Espanha, cerca de “50% das águas do Tejo escorrem por tubos que existem para puxar e levar a água do rio a zonas de cultivo mais elevadas”, deu conta.

Toledo com espuma tóxica, fotografia com cerca de 50 anos.

Também João Serrano, presidente da Confraria Ibérica do Tejo, tocou no mesmo ponto responsabilizando os transvases espanhóis e as alterações climáticas pela “falta de água no caudal” do Tejo.

No transvase de La Mancha “devido ao calor, 70% da água que parte da cabeceira do Tejo desaparece por evaporação não chegando a Murcia” afirmou, dizendo que no entendimento da Confraria “os transvases não são aceitáveis”. Por isso, João Serrano defendeu que “os problemas que afetam o rio devem ser encarados como europeus” e não apenas ibéricos.

O Tejo “está ao abandono há quatro décadas devido à ausência de políticas públicas e ao desinvestimento” e focou a economia, a cultura e o meio ambiente numa “união harmoniosa que possa resultar” com proveitos para toda a região do Tejo nomeadamente do Ribatejo com “a valorização dos recursos endógenos e da cooperação”.

Enrique García Gómes lembrou ainda que, antes de chegar a Toledo, o Tejo recebe pela direita o rio Jarama o primeiro dos afluentes procedentes do sistema central e um dos mais importantes de todo o seu curso de mais de mil quilómetros.

Esta corrente fluvial traz-lhe, além do seu caudal natural, as águas residuais vertidas pelas diferentes povoações integradas na área metropolitana de Madrid.

“Os resíduos de sete milhões de habitantes, águas totalmente contaminadas”. Afluente que assim, segundo uma fotografia de satélite mostrada durante a sessão, consegue ter um caudal pelos menos quatro vezes superior ao do Tejo.

Seminário ‘Caminhos do Rio’. João Serrano

Abordado por João Serrano foi o Projeto Tejo conhecido como ‘o Alqueva do Tejo’, uma proposta de regadio do Ribatejo e do Oeste, que visa o aproveitamento das águas do rio com a construção de seis açudes e utilização de três barragens.

Considerando um plano com uma boa intenção, com a discussão em aberto, referiu igualmente como uma boa prática, tendo em conta a experiência espanhola, as dessalinizadoras, num debate que considera “necessário” em Portugal.

Referindo-se ao plano, João Serrano observou que “um projeto de investimento desta natureza estrutural deve ter em conta o estado de exaustão ecológica do rio, limitativo das opções, e as fontes alternativas de água, dessanilização e sistema de represas”.

A Confraria Ibérica do Tejo propõe-se promover o terceiro Fórum Ibérico do Tejo em Toledo dias 19 e 20 de março de 2019, “no sentido de dar continuidade ao debate ibérico em curso, que apresente perspetivas positivas para o Tejo até ao fim do século”.

Antes, ainda decorrerá em setembro ou outubro deste ano um seminário sobre a gestão da água do Tejo em Santarém. Propõe-se ainda criar o Observatório do Tejo, em parceria com as Câmara Municipais ribeirinhas, “para elaborar bases de dados que ajudem à decisão”.

Seminário ‘Caminhos do Rio’

Por seu lado, António Carmona Rodrigues, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a propósito do caudal do Tejo lembrou que “ninguém discute o caudal médio que tem vindo a aproximar-se do mínimo”.

Referiu o Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo, datado de 2011, enviado para a Bruxelas “a União Europeia conhece o Plano”, disse, publicado em Diário da República do qual “praticamente nada se fez”. Contendo medidas base, suplementares, adicionais e complementares que na sua maioria não foram implementadas, onde está precisamente contemplada a dessanilização.

Como medidas suplementares previstas mas por realizar por exemplo “o sistema de previsão e gestão de secas” ou “as obras de emergência de reparação de rombos das margens do Tejo em Alvega”. Ainda assim, como medida complementar “foi elaborado há seis anos o Plano de Ordenamento do Estuário do Tejo mas não foi publicado” deu conta Carmona Rodrigues. “Está numa qualquer gaveta”.

Igualmente referido foi o Fundo de Proteção de Recursos Hídricos, para onde é canalizada a Taxa de Recursos Hídricos. “Cada pessoa na fatura da água paga a taxa que vai para o Fundo no sentido de ser aplicado no meio ambiente… zero!” de aplicação ou pelo menos uma ínfima parte “dos milhões arrecadados” com a Taxa, vincou.

Seminário ‘Caminhos do Rio’. António Carmona Rodrigues

O Plano tem vários objetivos estratégicos relativamente ao quadro institucional e normativo; à quantidade da água; à gestão de riscos e valorização do domínio hídrico; à qualidade da água; à monitorização, investigação e conhecimento; à comunicação e governança; e ao quadro económico e financeiro.

Os objetivos ambientais passam por evitar a deterioração do estado de toda as massas de água; alcançar o bom estado ecológico e bom estado químico de todas as massas de água; e reduzir a poluição.

Outros objetivos passam por mitigar os efeitos das inundações e das secas; assegurar o fornecimento em quantidade suficiente de água de origem superficial e subterrânea de boa qualidade; proteger as águas marinhas; aplicação de abordagem combinada; e a revisão da Convenção de Albufeira.

E para Carmona Rodrigues os desafios atuais do rio Tejo centram-se em dar cumprimento à medida já prevista de elaboração do Plano Estratégico de Proteção e Valorização do rio Tejo; incluir todos os usos atuais, os futuros (ex: navegabilidade) e os condicionamentos resultantes das alterações climáticas; garantir uma eficaz monitorização dos recursos hídricos; ter uma administração do Tejo com meios adequados; aplicar os recursos financeiros decorrentes da Taxa de Recursos Hídricos; e finalmente aplicar e melhorar a legislação já existente.

Falando numa margem de tempo de 20 anos e dando como exemplo um lago na Áustria, disse que “há um tempo de resposta para as coisas melhorarem. Quanto mais tarde implementarmos as medidas, mais tarde somos capazes de ver o mesmo retrato”.

No dia mundial do ambiente, 5 de junho, Carmona Rodrigues estará na Feira do Livro de Lisboa a apresentar o livro “Rio Tejo”.

Seminário ‘Caminhos do Rio’. Carlos Guardado da Silva e João Serrano

O seminário ‘Caminhos do Rio’ está integrado numa reflexão que está a acontecer em vários pontos do País sobre a influência dos rios na evolução das cidades, com especial atenção para o rio Tejo.

A iniciativa é uma organização conjunta dos municípios de Lisboa, Torres Vedras e Abrantes, com as Faculdades de Arquitetura e de Letras da Universidade de Lisboa, as Universidades Estadual de Goiás e do Maranhão (Brasil) e da Confraria Ibérica do Tejo.

A parte vespertina do seminário ainda mereceu outras duas comunicações “Os rio em meados do Século XVIII” tendo como orador João Cosme da Universidade de Lisboa, onde foram analisadas quatro atividades económicas da época ligadas à mobilidade dos rios, e água do rio Tejo como instrumento comercial, o rio enquadrado no século XVIII como elemento importante, valorizado como espaço estratégico. E Joana Meirim da Universidade Católica Portuguesa que levou ao ‘Caminhos do Rio’ ‘Alexandre O’Neill e o Tejo’, a poesia de O’Neill e de Alberto Caeiro.

Manuel Valatamos, vereador na Câmara Municipal de Abrantes, fez a abertura dos ‘Caminhos do Rio’ que continuou, pela manhã, com as intervenções de Hervé Théry (CNRS & Universidade de São Paulo), Maria de Fátima Costa (Universidade Federal de Mato Grosso), Lucy Merthi Martins Braga (GEOTRES UNICAMP) e Conceição Trigueiros & Mário Saleiro Filho (Universidade de Lisboa, Faculdade de Arquitetura). Na primeira parte do seminário falou-se do que Paris deve ao Sena; de Representações do Rio Madeira no final do século XVIII (Brasil); sobre Jundiaí, a cidade e o rio: uma relação conflituosa marcada pela evolução histórica dos planos diretores do município (Brasil); e Do Rio vejo a Cidade: dois estudos de caso com um diálogo renovado à vontade do tempo.

O encerramento contou com a presença do vereador Luís Dias que classificou a iniciativa de “uma gota para a esperança que todos temos para um rio melhor”, lançando um desafio à Universidade de Lisboa, na pessoa de Carlos Guardado da Silva, no sentido de “desafiar” mais universidades, para um programa conjunto em 2019, incluindo as Câmaras de Lisboa e Torres Vedras.

Seminário ‘Caminhos do Rio’. Créditos: CMA

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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