A proposta de Luís Dias para a cultura em Abrantes parece simples, mas é complexa: pegar em todos os traços identitários do concelho de Abrantes, nomeadamente os associados à memória, e dar-lhes forma através de uma rede de museus e iniciativas culturais variadas, que promovam a diversidade histórico-social do território. No início de mais um ciclo autárquico, o mediotejo.net falou com o vereador da cultura da Câmara Municipal de Abrantes e procurou perceber que projeto cultural existe para este concelho. Há muitas obras em carteira que ainda prometem vir a alterar a dinâmica criativa local, mas para já foi criada toda uma rede de museus que é uma viagem desde o passado abrantino a um futuro que se sabe diverso. O centro desta estratégica é pois, sem dúvida, a valorização da “memória” como criadora de identidade e pertença.
A 8 de março marcaram-se quatro meses sobre a inauguração do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (MIAA), espaço de excelência dedicado à história e às diferentes formas de expressão artística, de reflexão sobre o ser humano e a sociedade, aos longos dos séculos. Este Museu é o confluir de um projeto integrado de uma Rede de Museus que percorre o território de Abrantes e cria uma “cartografia cultural”, explorando a memória e a identidade abrantina no contexto local e regional.

Momento ideal para pedir uma entrevista em torno do projeto cultural de Abrantes a Luís Dias, vereador da cultura, que nos levou por uma viagem pela história do concelho através de um trajeto por esta Rede de Museus, procurando assim explicar a estratégia que lhes está subjacente em termos de dinâmica cultural. Mais que produtos de consumo, o município quer criar uma marca alicerçada na memória e na identidade que possa ser explorada em rede. Mas há outros projetos em carteira que, em breve, prometem potenciar ainda mais estes espaços museológicos e trazer ao concelho outro tipo de eventos.
Começamos pela torre do Castelo de Abrantes, onde o vereador procura explicar-nos como a geografia abrantina condicionou a construção social e os elementos identitários da população, desde a metalurgia à produção de azeite, não esquecendo o elemento militar, ligado à linha de defesa do Tejo no período medieval.
No centro de Portugal, Abrantes é um ponto geoestratégico de referência e a confluência de várias dinâmicas socioculturais de que a Rede de Museus local quer deixar testemunho.

Segundo Luís Dias, Abrantes é nada mais que “um lugar de encontro” entre três regiões. “A monumentalidade da paisagem em Abrantes é talvez aquilo que mais impressiona quem visita a fortaleza e o Castelo de Abrantes”, reflete. Tal demonstra a importância da geografia, nomeadamente do rio Tejo para toda uma região, e a centralidade que o concelho ocupou em várias estratégias económicas e políticas ao longo dos tempos.
Para além do próprio Castelo, um dos primeiros elementos desta Rede integrada de espaços museológicos é a Igreja de Santa Maria do Castelo, no interior da fortaleza. Hoje o espaço religioso serve de panteão a uma das grandes famílias nobres do século XV e XVI, os Almeida, que iniciam este trajeto pelo passado. É um dos espaços historicamente mais belos deste percurso, com componentes artísticas de época e um dos símbolos da identidade militar do território.
Para o Luís Dias, na Igreja de Santa Maria do Castelo inicia-se “uma cartografia cultural que se faz pela cidade”, em torno “de toda uma narrativa historiográfica”, que tem ainda um outro espaço de relevo no Tramagal, com o Museu Metalúrgico Duarte Ferreira, dedicado à herança industrial do concelho. Daqui a ideia é saltar para o Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes (MIAA), com uma breve passagem pelo edifício ainda em obras no centro histórico que irá acolher a coleção de escultura Charters de Almeida, num trajeto que pretende colocar o turista perante coleções que lhe querem contar histórias do passado, do presente e de um potencial futuro.
O MIAA tem, por sua vez, outros atrativos, que o vereador salienta. “Uma das coisas muito importantes quando entramos no MIAA é perceber que estamos no Convento de São Domingos”, um equipamento recuperado que tem uma extensa história ligada à cidade e alberga ainda a Biblioteca Municipal. Tendo sido estruturado como um espaço de convívio e não apenas Museu, é uma das estratégias do município para unir esta “cartografia cultural” aos públicos, permitindo-lhes usufruir, numa simbiose discreta, do seu património.

Mas o projeto cultural de Abrantes não resume a esta Rede de Museus. O município tem ainda projetos para reabilitar várias igrejas, ao exemplo do trabalho efetuado na Igreja de São Vicente, pretendendo-se explorar a vertente do turismo religioso.
Em carteira também se encontra a requalificação do Teatro São Pedro. “Se tudo correr bem, seguramente nos próximos meses, que eu espero que seja antes dos 75 anos do CineTeatro São Pedro, em fevereiro de 2024, espero que possamos devolver o CineTeatro à sociedade”, voltando a ter uma agenda regular de atividades e espetáculos.
No antigo edifício dos Bombeiros Municipais de Abrantes deverá nascer, já no segundo semestre deste ano, um “laboratório de experimentação artística”, que vai procurar capitalizar todos os restantes equipamentos. Por tal, as associações e os artistas não estão esquecidos.
“Nós temos desde há uns anos a esta parte um programa de apoio ao tecido associativo, o Finabrantes, que todos os anos encerra em si umas centenas de milhares de euros de apoio à atividade regular” destas associações, tendo-se atribuído mais de 900 mil euros para o presente ano 2022. Neste novo ciclo, pretende-se criar um fundo de apoio à criação artística, em que espaços como o antigo quartel possam ter um papel central, com programas dirigidos a artistas, refere.
“Uma das coisas que é muito importante para nós é percebermos que não estamos sozinhos”, frisa o responsável. Para além dos serviços educativos municipais, que possui a sua própria programação, o município integra todo um conjunto de instituições, como a Artemrede ou a Rota da Nacional 2, que pretendem criar dinâmicas que possibilitem a formação e fidelização alargada de públicos, levando os espaços culturais locais além fronteiras.
“Queremos fazer uma democratização do território, alargando todos estes espaços de cultura”, sublinha.

“O nosso projeto cultural esta alicerçado numa estratégica repercutida num documento interno, que é a Agenda 21 da Cultura, que foi beber a muito daquilo que tem sido o exercício político dos últimos anos. É um projeto de continuidade”, explica. Uma das suas prioridades é a formação de públicos, mas também a valorização do património, incluindo aqui tanto o material como o imaterial, passando pela valorização da cortiça, do azeite, do cal ou da gastronomia.
“Há toda uma dimensão de relação com o território onde habitamos e com o qual convivemos que é decisiva para a afirmação de Abrantes como cidade mais central de Portugal, como ponto de confluência entre regiões, mas sobretudo como ponto de contacto entre tantos povos que têm construído a História ao longo destes séculos”, sintetiza.
Este é um projeto cultural alicerçado assim na “memória” e na materialização de projetos que visam a reabilitação de muito do edificado degradado ou devoluto do concelho e que de algum modo está ligado à identidade local. A viagem termina assim à mesa, no centro histórico de Abrantes, onde Luís Dias nos coloca perante uma tigelada, palha de Abrantes e a broa, elementos identitários da doçaria abrantina.
O relançar das tradições passa por esta estratégia cultural, explica, que conta fortemente com as iniciativas das associações locais, como a Confraria do Bucho e das Tripas, entre outras, procurando tornar as suas atividades em produtos turístico-culturais.
“O tecido associativo é decisivo” nesta abordagem, “temos que ouvir as pessoas” e saber elevar as suas tradições, a sua história e as suas memórias, refere o vereador.
Quanto ao Festival de Filosofia de Abrantes, Luís Dias adianta que é para continuar a promover, devendo regressar no final deste ano. “Tem sido bastante granjeado de comentários laudatórios”, nota, procurando-se que se torne um encontro anual de pensadores. “É uma aposta a continuar”, assegura, nos mesmos moldes de 2021, devendo tornar a reunir a sociedade civil e os concelhos vizinhos.

No que toca à saída da Federação de Cineclubes de Abrantes para Torres Novas, o autarca salienta que pouco foi informado sobre o assunto. “Não era o espaço apropriado no edifício Carneiro”, admite. “Não conversámos com ninguém desde 2019”, constatou, não sabendo por tal das intenções de saída da associação do concelho para além do que foi noticiado na comunicação social. Luís Dias manifesta-se porém disponível para falar, lembrando que durante muito tempo se tentou dar respostas à Federação.
Neste novo mandato, o objetivo é assim levar ao próximo nível todos os projetos culturais iniciados, desejando-se que Abrantes se possa afirmar como a cidade mais central de Portugal e uma das que mais nos pode contar sobre a identidade regional, com uma clara aposta em eventos que se pretendem diferenciadores mas que possam funcionar em rede.