Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho

O Festival de Filosofia trouxe até Abrantes representantes dos partidos políticos com assento parlamentar para discutir a ‘Robótica no trabalho: desafios políticos’. No final, a plateia reclamou por uma “abordagem mais profunda” por parte dos deputados nacionais, e com “medidas concretas”, nomeadamente a criação de uma comissão parlamentar de acompanhamento do impacto que a matéria da robotização terá na vida das pessoas. Ainda assim, os deputados afloraram a ética, os empregos do futuro, o conceito de felicidade, a necessidade de garantir direitos sociais e de novas formas de distribuição de riqueza como o Rendimento Básico Incondicional (RBI).

“A Humanidade está em atraso em relação à tecnologia”. Trata-se de uma declaração atual mas é de Albert Einstein e tem, por certo, mais de seis décadas. A realidade é que, apesar da velocidade das novas tecnologias, da Inteligência Artificial (IA) e da robótica, o progresso social não acompanha o avanço tecnológico. Esta foi uma das conclusões do debate que decorreu no sábado no âmbito do Festival de Filosofia de Abrantes, no edifício Pirâmide, com representantes dos partidos políticos com assento parlamentar, eleitos pelo circulo eleitoral de Santarém.

O tema de discussão centrou-se na ‘Robótica no trabalho: desafios políticos’. Os deputados da nação, exceção feita à CDU uma vez que o convidado António Filipe encontra-se em viagem parlamentar à China, Patrícia Fonseca (CDS), Duarte Marques (PSD), Hugo Costa (PS), Carlos Matias (BE) e Francisco Guerreiro (comissão política do PAN), traçaram as linhas políticas que cabem ideologicamente nos partidos que representam.

O mote gerou sessão animada, à direita, não diabolizando a IA e a robótica mas defendendo a dimensão ética. Vendo, por um lado, uma oportunidade de criação de novos empregos e, por outro, a manutenção de algumas profissões mais tradicionais como eletricista, porque as funções técnicas vão estar em escassez no mercado.

À esquerda, sustentando que a robótica não pode ser uma via para o crescimento das desigualdades sociais, e defendendo a importância da preservação da biodiversidade e de encontrar novas formas de distribuição de riqueza.

As mudanças apresentam-se atualmente “exponenciais” lembrou a deputada do CDS, dizendo ser “impossível” prever, por exemplo, a 15 anos, porque tudo muda demasiado rápido, desde “a forma como nos relacionamos com os outros ao consumo”. Ou seja, “não podemos aprovar administrativamente o futuro”, afirmou.

Aproveitou a ocasião para a referência de estudos que indicam a criação “de grande massa de empregos” no futuro. Cabe aos políticos garantir “que ninguém é deixado para trás”.

Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho

Como é que isso de faz? Segundo Patrícia Fonseca (CDS) através da “requalificação profissional”. Reconheceu a existência de “mais flexibilidade no trabalho” entendendo, no entanto, não ser “necessariamente negativo”, permitindo às pessoas uma “melhor gestão do seu tempo”.

O trabalho humano “vai continuar a ser necessário”, defendeu, nomeadamente, em áreas como geriatria, eletricista ou canalizador, tendo a sociedade de garantir “uma formação constante”. Funções e formações em áreas relacionadas com os desafios levantados pelas alterações climáticas também terão futuro, refere.

Cabe ao legislador “antecipar o quadro regulatório para as novas profissões” sendo a ética fundamental. “Há uma dimensão ética que temos de salvaguardar” concluiu.

Finlândia criou comissão de acompanhamento

Duarte Marques mostrou-se convicto na continuidade de criação de empregos, apesar das novas tecnologias. O deputado do PSD manifestou-se, inclusive, despreocupado com a destruição de emprego na Europa.

Defendendo a necessidade de olhar para a IA como “um apoio” ao trabalho humano, Duarte Marques acredita que a perda de empregos em massa acontecerá em países com mão-de-obra “barata”, como a China.

Contudo, admite uma realidade há muito alertada por investigadores da área do trabalho: alguns empregos vão desaparecer, mas novos surgirão. Para o deputado social democrata, a incerteza prende-se com “a qualidade dos empregos a criar”. Ainda assim, fazendo uma analogia com a globalização, a IA “tem mais aspetos positivos que negativos”.

Duarte Marques lembrou que a Finlândia criou uma comissão para o futuro, outros países seguem os mesmos passos pelo desconhecimento generalizado sobre o real impacto da robótica no mundo do trabalho.

Por cá, o Governo português “tenta perceber quais as atividades e ameaças que temos de enfrentar”, diz. O maior perigo, está espelhado até nos filmes de Hollywood: que a IA molde o mundo de forma a que a Humanidade perca o controlo.

Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho. Deputado Duarte Marques (PSD)

A evolução não pode causar excluídos

Por seu lado, o deputado do PS escusou relacionar o conceito de felicidade com o aumento do Produto Interno Bruto, ou seja, o indicador económico não é indicador de felicidade.

Ora, para Hugo Costa, a IA e a robótica podem ser um caminho (ou não) para essa felicidade, observando tarefas mais facilitadas, menos horas de trabalho, podendo as pessoas usar esse tempo para o lazer.

Hugo Costa defende uma adaptação da legislação, sendo que as políticas públicas não podem permitir “que a robótica seja uma via para o crescimento das desigualdades sociais”.

Falando da imposição de capacitar os políticos para a revolução tecnológica, diz que a evolução não pode causar excluídos. “É isso que esperamos, mas não temos uma resposta clara”, afirmou, expressando a certeza de que IA e a robótica servem para o desenvolvimento da sociedade.

O deputado enalteceu o Festival de Filosofia de Abrantes uma vez que “a filosofia ajuda-nos a superar a tirania do instante”.

Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho. Deputado Hugo Costa (PS)

Garantia de direitos sociais no avanço da tecnologia

Carlos Matias, do Bloco de Esquerda, iniciou a sua intervenção referindo o filme de Stanley Kubrick ‘2001 – Odisseia no Espaço’ onde um computador se rebela contra o criador, um dos “medos” da Humanidade.

Contudo, a tecnologia é “um avanço” para ser aproveitado na construção de uma sociedade mais igual. Mostrou alguns números, nomeadamente os que Portugal refrenciava em 2015: 42 robôs por 10 mil habitantes, enquanto a Alemanha possuía 301, indicando ser de “54% o impacto direto nos empregos existentes” da indústria 4.0 no nosso País.

Na quarta revolução industrial, de manufatura digital, verifica-se “um salto científico com uma profundidade e dimensão como nunca houve”, disse, para justificar “mais debates” sobre a organização do trabalho, o reforço da contratação coletiva e as formas de financiamento da Segurança Social.

Assim, defendeu Carlos Matias, será assegurada “a garantia de direitos sociais num estado avançado da tecnologia”.

“PIBómania” de crescimento económico quantitativo mas não qualitativo

Francisco Guerreiro, do PAN, começou para dizer que “12 anos é o tempo existente, segundo a ONU, para mudar a sociedade”.

E se atualmente temos “uma economia baseada na posse” passaremos para “uma economia baseada no acesso”, alertando para o crescimento da exclusão social.

Focou temas que preocupam o PAN como a poluição do planeta, as florestas desprovidas de biodiversidade e a “PIBómania” para referir um crescimento económico quantitativo mas não qualitativo.

“Estamos a hipotecar o presente e o futuro das novas gerações” e, por isso, importa refletir e inverter a mancha, defendeu.

Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho. Deputado Carlos Matias (BE) e Francisco Guerreiro (PAN)

A forma como a Humanidade irá distribuir riqueza e o modelo para reforçar o estado social também esteve na mesa da discussão. “O aumento exponencial da automatização e robotização trará mais desemprego e mais desequilíbrios ao estado social”, referiu Francisco Guerreiro.

O representante do PAN apontou como soluções “a diminuição da carga horária laboral, maior equidade e distribuição do trabalho existente por mais pessoas, mais tempo para a família e lazer”, falando ainda na criação de “projetos piloto” para testar o impacto do Rendimento Básico Incondicional (RBI) para todos os cidadãos, um modelo de distribuição de riqueza, no reforço do estado social.

“A economia mudará quando mudar o modo de produzir, consumir, distribuir e gerir os recursos do País”, se tiver na base a ecologia e o respeito pelos direitos humanos, concluiu.

Do lado da plateia, a audiência reclamou respostas concretas dos deputados da nação. O professor Luís Moniz Pereira considerou que “a ganância do lucro” que move a economia mundial irá “agudizar” com a IA e a robótica, não mostrando, os partidos, respostas práticas para contrariar tal evidência.

Também o artista Leonel Moura disse que o tema foi “abordado de forma lateral” pelos deputados entendendo ser necessária a criação de uma comissão de acompanhamento.

Para Ana Dias, os deputados não se focaram “no tema da sessão” considerando urgente um trabalho “em algo novo”, em prol das pessoas e na solução dos inevitáveis impactos da robótica.

A plateia quis ainda saber se o futuro tecnológico arrisca a ser autocrático ou democrático, ao que os oradores, moderados pela jornalista Patrícia Fonseca, apostaram na democracia.

Na reta final desta II Edição, o Festival de Filosofia de Abrantes encerraria no domingo com uma homenagem ao filósofo Eduardo Lourenço.

Por decisão da Câmara Municipal de Abrantes, aprovada por unanimidade na reunião de Câmara de 12 de novembro, a organização do Festival de Filosofia de Abrantes decidiu propor a atribuição do Prémio de Filosofia – Carreira a Eduardo Lourenço.

Na impossibilidade física de realizar a deslocação a Abrantes, o pensador Eduardo Lourenço enviou uma missiva para a organização, em forma de agradecimento, cujo teor foi lido durante a sessão de encerramento do Festival.

Veja aqui as declarações do vereador Luís Dias da Câmara Municipal de Abrantes:

A anteceder a sessão de encerramento foram entregues as menções honrosas aos participantes no prémio de ensaio “Jovem Filósofo 2017”.

O Festival, na sua segunda edição, foi organizado pela Câmara Municipal de Abrantes, em parceria com o Clube de Filosofia de Abrantes, a Câmaras Municipais de Mação e de Sardoal, Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural, e os Agrupamentos de Escolas dos Concelhos de Abrantes, Mação e Sardoal e a Fundação Serralves.

Festival de Filosofia de Abrantes. Partidos Políticos discutem os desafios políticos da robótica e do trabalho

A sua formação é jurídica mas, por sorte, o jornalismo caiu-lhe no colo há mais de 20 anos e nunca mais o largou. É normal ser do contra, talvez também por isso tenha um caminho feito ao contrário: iniciação no nacional, quem sabe terminar no regional. Começou na rádio TSF, depois passou para o Diário de Notícias, uma década mais tarde apostou na economia de Macau como ponte de Portugal para a China. Após uma vida inteira na capital, regressou em 2015 a Abrantes. Gosta de viver no campo, quer para a filha a qualidade de vida da ruralidade e se for possível dedicar-se a contar histórias.

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