Helena Janeiro e Maria Justina Silva, ambas naturais de Abrantes, foram dois dos nomes que compuseram o júri da primeira edição do concurso Miss Abrantes, realizado em 2017. Concurso de beleza que, à semelhança de outros, estimula a solidariedade, a cultura geral e o envolvimento das candidatas em causas sociais e ambientais e, acima de tudo, solidárias.
Mas o ano passado, em estreia, o envolvimento local fez com que Fátima Ruela e Pedro David, coordenadores do evento, encontrassem histórias de Princesa pelo centro histórico, nas casas do comércio local.
Descobriram então que Lena e Tininha, da mesma geração, foram coroadas na década de 70, época difícil para modas e concursos, como Princesas do Tejo. O mediotejo.net foi conhecer as misses do século passado e que, em tudo, foram mulheres revolucionárias.
Surgiu nos anos 70, edição em que Lena Janeiro foi coroada, o concurso das Princesas do Tejo. Um concurso de beleza em que as candidatas se inscreviam através de ingressos para participar. “O primeiro foi aqui mesmo, no Convento de São Domingos, o segundo foi ao lado, onde era o Ciclo antigamente e é agora o estacionamento”, explicou.
“Era por freguesias, de S. Vicente, S. João, Rossio ao Sul do Tejo, Alferrarede, Barreiras do Tejo, Chainça, nesta zona”, essencialmente, uma vez que a acessibilidade ao centro da cidade não era fácil. “Era uma aventura chegar à cidade”, recordou Tininha, juntando-se à conversa.
Mas tudo ainda está muito presente, até a imagem dos vestidos. “A escolha do vestido éramos nós que tratávamos. A minha mãe era modista na altura, e ela é que me fez as roupas para o concurso”, disse Lena.
“Recordo-me perfeitamente! No primeiro dia levei um vestido que agora está na moda. Era um vestido estampado em tons de verde e branco, com umas mangas com folhos aqui e uns folharecos em baixo. Depois na final, ela fez-me um vestido com a parte de cima em bordado inglês, a parte de baixo era um tecido fininho, forrado, com uma faixa muito grande. As mangas eram de balão com uns punhos enormes… Era o que se usava na altura”.
E na verdade, comprova-se que a moda é cíclica, pois notou Helena Janeiro que “é engraçado que hoje em dia o que nós usávamos nessa altura é o que se vê hoje”.
Acontece que, participando de forma descontraída, por participar, Lena acabou por ser coroada Princesa do Tejo. E não esperava (mesmo!) ganhar. “Não. Não. Fui concorrer numa de, se ganhasse, era pelos prémios, para fazer uma festa [assumiu entre risos]”.
Na altura o interesse passava pelos inúmeros prémios de qualidade. “Os comerciantes de Abrantes deram montes de presentes. Tenho em minha casa a minha panela da costura, que é uma panela em cobre, que ainda hoje é a minha panela da costura e que foi dada no concurso”, contou Tininha, vencedora no ano seguinte, e a quem Lena passou testemunho, ou neste caso, a coroa.
“Em vários envelopes vinham cartões com os prémios que haviam ofertado para as vencedoras. Desde idas ao cabeleireiro, roupa, calçado, ofereceram-me uma mala que ainda hoje a tenho. Era muita coisa”, lembrou Lena.
“O dono da Farmácia Silva, o senhor Rogério Ribeiro, pintava na altura e ofereceu-me um quadro pintado por ele, e ainda o tenho também. Há coisas que já nem me lembro”.
Coroada com apenas 15 anos, Helena assumiu que nunca pensou em prosseguir carreira na área da moda, nem sentiu essa vontade ao ganhar este título. “Tive convites, mas nunca quis. Nunca tive essa vontade, mas depois tive dois filhos que eram modelos. A minha filha era modelo fotográfico e mais tarde, o Nuno, foi trabalhar com a Fátima Lopes e era modelo dela”.
Mas aquele tipo de concurso nasceu e morreu ali, não tem comparação aos tempos de hoje. “Não é comparável, não é. Aquilo aconteceu e morreu ali. E no ano seguinte houve outra vez, e nunca mais houve. Foi mais uma carolice. A pessoa que organizou isto, organizou a pensar ‘vamos ver o que isto dá’. E naquela época era complicado, porque as pessoas que entravam nessas coisas tinham logo um rótulo. Até nos chamavam nomes”.
“As moças que iam concorrer, conheciamo-las todas. Lembro-me de todas naquela época, agora se as encontrar já não as conheço… Mas lembro-me da cara delas naquela altura. E depois acabou por ali. Tive vários convites, ainda fui a muitos sítios, através da Câmara, mas acabou. E eu não queria fazer da minha vida nada relacionado com a moda, e naquela altura era muito complicado, agora é… naquela altura então, era muito complicado”, comentou.
A vida de Lena passou por um projeto muito próprio, virado para a sua família. “Fiquei ainda uns anitos, entretanto casei muito nova, o meu marido estava perto do Barreiro a trabalhar, fui viver com ele. Entretanto fui mãe a primeira vez, fui a segunda vez, e a minha vida foi assim… Optei por ser mãe a tempo inteiro, estar em casa com eles. E foi assim. E já sou avó.”

No segundo ano, o concurso “foi similar”, mas “o primeiro teve mais impacto, por ser o primeiro. Mas o segundo também foi engraçado. E o mais engraçado disto tudo: eu dou-me com a Tininha há anos e esqueci-me completamente que ela tinha concorrido no ano a seguir, e eu é que a tinha ido coroar. Até que a Fátima me falou…”, disse.
E eis que se houve um espantoso “Olha! Esta sou eu! Que giro…!”. Apresentamos a Lena uma cópia da foto do momento de coroação de Tininha, que dizia não se recordar até a organização da Miss Abrantes 2017 a procurar e convidar para ser júri no evento, e o momento teve tanto de nostálgico como de engraçado.
A única diferença que houve no segundo ano do concurso foi ter havido a Rainha do Ribatejo, no primeiro ano apenas se realizou a Princesa do Tejo.
Aqui, Tininha também recordou o que levava vestido. “O primeiro vestido que levei era um vestido em lamê, prateado, com umas mangas de chiffon branco, largas, com uma tirinha, e com um género de um cachecol porque tinha decote. Depois tinha um branco, com um bordado em fio de seda com rosas verdes, verde garrafa mais forte… Tenho os vestidos ainda, estão em Tomar”, pois Tininha havia emprestado à filha, Betânia, para uso num grupo de teatro em que participa.
O segundo vestido, que claramente era querido pela participante pela expressão risonha com o que descrevia, era “branco, todo de renda, o forro cor-de-rosa, debruado em rosa na parte de cima, as mangas eram transparentes, e depois tinha por baixo da renda via-se o vivinho cor-de-rosa, e aparecia no fundo o forro, um dedo abaixo do vestido renda.
Depois de coroada como Princesa do Tejo em 1971, participou na Rainha do Ribatejo, e “ia de calções, em cor-de-rosa, quase cor de carne, a dar para o rosa, com blusa de chiffon com as tais mangas largas, e com uma túnica até aos pés”.
Os dois vestidos foram feitos pela Maria do Carmo, da antiga Tocha. Os outros foram feitos pela tia Alice, madrinha da irmã de Tininha, “era praticamente da família e ela é que costurava muito bem”.
Tininha contou que estava de férias quando, inesperadamente, a mãe quis que voltasse à cidade para participar no concurso. “Eu estava de férias na Presa, em Alcaravela, era muito fraquinha, andava sempre doente e o Dr. Zé Vasco tinha consultório aqui na zona da Praça Barão da Batalha [onde nos encontrámos durante a entrevista] e ele dizia ‘ai, ela tem que apanhar ares do campo’. E eu fui de férias para lá, com a minha amiga Conceição Lopes”, lembrou.
Mas a certa altura, a mãe de Tininha telefonou, e disse “Olha…quando a mãe da São vier, tu vem com ela. Há aqui uma coisa que querem que tu vás”, contou ao mediotejo.net.
“O Sr. Chambel, organizador/incentivador do evento, já tinha falado com ela. E a minha mãe havia dito que não era conversa para se fazer ao telefone”, e regressou a Abrantes. Mas o regresso foi meio preocupado, porque Tininha trazia consigo além da curiosidade, uma série de arranhões e marcas de quedas.
“Eu tinha caído lá nos picos, era pouco virada para estas coisas, estava cheia de postelas castanhas… e pensei ‘ai agora, ’tou feita ao bife!'”, e a certa altura teve muitas dúvidas se devia ou não participar, mas a insistência da tia Alice, que se voluntariou para tratar da indumentária, juntamente com a vizinhança, deram força à jovem de 19 anos para ganhar coragem e entrar, na onda da brincadeira, no concurso.
“Fui mesmo na base da brincadeira, mas afinal de contas, a coisa até correu bem…”, riu-se.
No mesmo ano, passado cerca de um mês, o concurso Rainha do Ribatejo chega também à cidade de Abrantes, trazido pelos Parodiantes de Lisboa e contando com apoio da Câmara.
“Vieram as candidatas de todo o distrito aqui. Fiquei amiga de praticamente todas, e tenho fotografias a preto e branco disso, mas há uma moça, que era muito pequenina, com cabelinhos encaracolados, de Torres Novas, e de quem fiquei tão amiga, mas depois… não sei o que foi, perdemos o contacto e hoje tenho pena de não saber dela”, lamentou.
“Ninguém me diz que agora não possa chegar a essa colega”, disse, expetante.
Mas nunca quis deixar a sua mãe. Estava fora de questão. “Também não me via na perspetiva de… Gosto, sempre gostei, seguia a Miss Portugal, Miss Mundo,… mas só me arrependi de uma coisa: não ter continuado como modelo fotográfico”, assumiu.
“Agora: fiz bem ou mal? Acho que fiz bem, optei por aquilo que tinha de ser. Acho que o meu percurso tinha de ser este, porque a vida nós é que a fazemos, mas mais ou menos nunca fugimos muito do que já está traçado. Podemos é desviar-nos às vezes…”
“Gosto muito de fotografia, e tenho milhares de fotografias que o meu marido tirava”, indicou, fazendo notar que hoje em dia há alguém que lhe segue as pisadas de outros tempos: a neta, Rita.
“A minha Rita já está agenciada, a miúda foi fazer um workshop, e tem muito jeito. Vai, faz e nem sequer fala no assunto”, explicou, referindo que os filhos, Bruno e Betânia (mãe de Rita) nunca puxaram para esta área.
E a família… sabe que participou e chega a gerar picardias e brincadeiras com Tininha. “Ás vezes gozam. O filho e a filha às vezes brincam e dizem ‘Ah! A nossa princesa cá de casa'”.
Já a coroa, curiosamente, não a conseguimos encontrar à data da entrevista, mas Tininha garante que a chegou a emprestar à filha, Betânia, e a Tita, jovem criada por si, para usarem por altura do Carnaval nos disfarces de princesa.
“Eu fiquei com a coroa, e estou a vê-la metida numa caixinha amarela, quadrada, tem duas fitinhas de seda a abrir a caixa, porque não abre totalmente, e à volta da tampa tem um friso, género de uma grega ou um bordadinho, e por baixo da coroa estão os dois números atribuídos nas participações”, descreveu, recordando que a faixa de Princesa do Tejo era azul e a coroa era toda em pérolas.
Maria Justina foi mulher dos sete ofícios. Chegou a dar aulas de inglês, fez secretariado na Metalúrgica Duarte Ferreira, nos Tribunais de Abrantes, Lisboa, Leiria e Porto de Mós (onde terminou a carreira) e ainda trabalhou num escritório de advogados em Abrantes.
Mais tarde começou a dedicar-se à arte da pintura e desvendou que tem uma grande coleção de telas no sótão de casa. Agora dedica-se aos netos, nomeadamente a Rodrigo, uma criança autista que é, segundo a avó Tininha, autêntico perito em informática e que ajuda o avô, Carlos, a escrever novas histórias infantis para contar todas as noites.

Desta feita, e 46 anos depois, juntámos de novo as duas jovens abrantinas que um dia, e passando a expressão, na pura da loucura e no auge da sua juventude, embarcaram em concursos muito à frente daquela época, contando com apoio das suas mães e desafiando a rigidez e conservadorismo dos seus pais, desligando-se de rótulos e preconceitos da sociedade.
Hoje, ambas são já avós, e reviveram novamente a experiência, mas do outro lado do evento, enquanto júris.
Alguns antigos do comércio local ainda recordam o concurso de beleza que terminou em 1970, e além das Princesas, das suas famílias e amigos, poucos serão aqueles que saberão destes dois momentos que marcaram, de alguma forma, a cidade nesta altura.
No sótão e nas lembranças de Lena e Tininha há muito ainda para recordar, e provavelmente nos arquivos antigos se encontrará algo… Mas essa busca fica para uma próxima oportunidade, e quem sabe, não virá a exposição mostrar que Abrantes já foi, além de Cidade Florida, terra de Misses. E em julho voltou a sê-lo, com a eleição da Miss Abrantes 2017.
Créditos: mediotejo.net. Fotos antigas cedidas pelas entrevistadas.